Descrição de chapéu The New York Times

Câmeras monitoram túmulo de Karl Marx, que ainda não consegue escapar da vigilância

Local foi alvo de diversos ataques, como pichações e explosão

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Londres | The New York Times

Karl Marx pode estar descansando em paz, mas agora descansa sob vigilância 24 horas por dia.

Seu túmulo no cemitério Highgate, na zona norte de Londres, foi depredado duas vezes no ano passado.

Em dezembro, a fundação responsável pelo túmulo decidiu monitorá-lo com câmeras de vídeo instaladas em árvores próximas, na esperança de impedir que vândalos ataquem um monumento famoso que já foi profanado várias vezes em suas décadas de existência.

Alguns túmulos de indivíduos ilustres são monitorados: as imagens de uma webcam que vigia o túmulo de Andy Warhol, na Pensilvânia, pode ser acompanhada online. Mas câmeras ainda são raras em cemitérios, especialmente em volta de túmulos específicos.

O túmulo de Marx é o primeiro a ser monitorado em Highgate, o cemitério mais visitado de Londres, cidade onde a vigilância por vídeo está presente em quase toda parte.

Túmulo de Karl Marx em Londres - Tolga Akmen - 5.fev.2019/AFP

Quando viveu em Londres, no século 19, Marx se queixou de ser seguido por espiões prussianos ou por informantes britânicos que vigiavam a porta de sua casa com “mais do que um olhar duvidoso”.

Parece que ele não consegue escapar da vigilância, mesmo hoje. Numa tarde chuvosa recente, os poucos visitantes que notaram as câmeras discretas voltadas para o túmulo reagiram à situação com um misto de amargura e ironia.

Paul Baynton, 39, londrino que visitou o túmulo como parte de sua caminhada dominical, comentou que é uma pena que o túmulo tenha que ser monitorado constantemente “devido a atos de ignorância e estupidez”.

Entre as 170 mil pessoas distribuídas por 53 mil túmulos no cemitério de Highgate, Marx é provavelmente a mais famosa, e seu túmulo é uma atração importante.

“Marx é a atração principal daqui”, comentou Ian Dungavell, diretor da Fundação Amigos do Cemitério de Highgate. Mais de 100 mil pessoas por ano visitam o cemitério gótico e soturno do século 19, muitas delas, segundo ele, especialmente para ver o túmulo de Marx.

Velas vermelhas, flores vermelhas e adesivos antifascistas tinham sido deixados recentemente aos pés do monumento de três metros de altura a Marx, autor do “Manifesto Comunista”. Uma cédula de mil libras libanesas, que vale cerca de R$ 2,85, estava enfiada numa fenda no granito do monumento.

Em janeiro de 2019 a placa de mármore que ostentava os nomes de Marx e seus familiares foi arrebentada, e 15 dias mais tarde as palavras “Doutrina de ÓDIO” e “Arquiteto do Genocídio”, entre outras, foram pintadas em vermelho sobre a lápide, enquanto a placa foi ainda mais danificada.

Depois dos atos de vandalismo as câmeras foram instaladas pela Marx Grave Trust, fundação que é dona do monumento, em decisão tomada em conjunto com a Amigos do Cemitério de Highgate e da Inglaterra Histórica, um organismo público que trabalha na preservação de sítios históricos.

Placa de mármore no túmulo de Marx - Peter Nicholls - 5.fev.2019/Reuters

“Marx é fonte de inspiração profunda para algumas pessoas, enquanto outras o enxergam como responsável por coisas terríveis”, disse Dungavell. “Mas ele está morto, ele descansa aqui e é lamentável que algumas pessoas desrespeitem os mortos a ponto de depredar seus túmulos.”

Embora Karl Marx tenha sido saudado como um dos pensadores mais influentes da história, seu legado é complicado. Muitos o consideram responsável pelas brutalidades cometidas em nome de suas ideias.

Marx nasceu na Alemanha em 1818, mas passou a maior parte de sua vida adulta em Londres, onde se radicou em 1849. Ele escreveu e pesquisou boa parte de sua obra mais importante, “O Capital”, no British Museum e tinha ligações estreitas com pensadores britânicos de sua época, acompanhando a evolução do movimento socialista.

Quando morreu, em 1883, seu corpo foi sepultado sob uma laje simples e plana ao lado de um pequeno caminho lateral em Highgate. Apenas 12 pessoas estiveram presentes em seu funeral.

O túmulo passou décadas relegado ao descaso, cada vez mais escondido debaixo de mato.

Em 1954 seus restos mortais foram transferidos para um local de visibilidade maior no cemitério, e o túmulo novo ganhou o acréscimo do monumento. Além dos restos mortais de Marx, o túmulo contém os de sua esposa, uma de suas filhas, dois netos e a empregada da família.

A grande lápide de maciço coroada por um busto em bronze de Marx é um monumento listado –designação atribuída no Reino Unido a estruturas de importância história particular. Duas das citações mais conhecidas de seus escritos estão gravados na pedra: “Trabalhadores do mundo, uni-vos!” e “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa, entretanto, é transformá-lo”.

Antes mesmo do vandalismo que sofreu em 2019 o túmulo já havia passado por turbulência. Em 1960, foram pintadas sobre o monumento duas suásticas em amarelo e um slogan em alemão dizendo que Marx –cuja origem étnica era judaica— adorava o criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann.

Uma bomba caseira explodiu na base do memorial em 1970, e mais suásticas foram pintadas sobre ele.

Policiais notaram na época que uma tentativa havia sido feita de serrar o nariz da cabeça esculpida de Marx, levando ao receio de que alguém tivesse colocado outra bomba dentro do busto para explodi-lo. O corte ainda é visível.

“O escultor socialista que criou o monumento, Laurence Bradshaw, sabia que ele seria atacado. Foi em parte por isso que ele o fez de granito”, comentou Dungavell, da Fundação Amigos do Cemitério de Highgate. “A vida deste túmulo não tem sido fácil.”

Não foram detidos suspeitos pelo ataque de 1970 ou pelo vandalismo do ano passado. Dungavell se negou a dar detalhes sobre as câmeras, incluindo seu preço. Hoje a sepultura traz uma foto da placa identificatória de mármore, que foi removida para ser restaurada.

Tradução de Clara Allain

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