Depois de um turno de 12 horas de trabalho, uma paramédica do estado de Nova York apoia o rosto em uma das mãos. O olhar é perdido, e a expressão, abatida.
Sentada no banco do motorista de um carro, ela aproveita um breve momento de respiro entre o preenchimento de um formulário e outro de pacientes com Covid-19.
Funcionária do EMS, o serviço de emergências médicas dos EUA, Patricia Rodríguez havia passado o dia cuidando de doentes em suas casas e os transportando a hospitais do condado de Westchester e da região do Bronx, em Nova York.
Com mais de 18 mil mortes, a metrópole é a cidade mais afetada pelo coronavírus nos EUA, o país com o maior número de casos confirmados de Covid-19 no mundo.
“Essa crise afetou todas as partes da sociedade, mas paramédicos e socorristas enfrentam circunstâncias árduas e lidam com pacientes que estão morrendo todos os dias, o dia todo”, diz o fotógrafo John Moore, que registrou em uma imagem o momento de descanso da paramédica.
“Os funcionários do EMS são os verdadeiros heróis.”
Ganhador em 2019 do mais importante prêmio de fotojornalismo do mundo, o World Press Photo —com o retrato de uma criança hondurenha e de sua mãe sendo detidas na fronteira sul dos EUA—, Moore está registrando há seis semanas a evolução da pandemia de coronavírus em diversos estados americanos para a agência Getty Images.
Ele já passou por Washington e Connecticut. Agora, está em Nova York. Algo comum a todos esses lugares é o papel fundamental desempenhado pelos profissionais de saúde, que lidam diretamente com a doença, afirma o fotógrafo, em entrevista por e-mail.
“As imagens da linha de frente da crise frequentemente são de partir o coração, mas é importante documentar o que está acontecendo e mostrar o aspecto excruciante e por vezes edificante desta pandemia", afirma Moore.
"É a bravura de humanos ajudando humanos a ficarem vivos. Meu trabalho é quase insignificante em comparação ao dos funcionários do EMS.”
Com 575 socorristas e paramédicos, o serviço de emergências atende cerca de 500 mil pessoas em municípios vizinhos a Nova York e no bairro do Bronx.
Depois de serem acionadas pelo número 911, as equipes vestem os equipamentos de proteção individual e muitas vezes já entram na casa do paciente com tubos de oxigênio em mãos. Casos com sintomas graves de Covid-19 são levados para o hospital.
O fotógrafo relata que tem conversas longas com as equipes de emergência antes de acompanhá-las: o comandante do time precisa estar ciente de que Moore saberá como vestir o equipamento de proteção na hora certa e de que não atrapalhará o trabalho dos médicos.
Os longos turnos de trabalho, descritos por ele como intensos, duram entre 12 e 20 horas.
Apesar de ter experiência na cobertura de situações de alta tensão —como conflitos no Oriente Médio, a militarizada fronteira dos EUA com o México e a epidemia de ebola no oeste da África—, Moore conta que a singularidade da crise atual coloca um novo desafio na realização de seu trabalho: a dificuldade de obter acesso para documentar os fatos “de maneira respeitosa e humana”.
É impossível fotografar dentro de asilos, por exemplo, locais muitas vezes “saturados com pessoas doentes e morrendo”, motivo pelo qual a mídia não é bem-vinda. Além disso, há o risco de que alguém infectado leve o vírus para dentro de uma casa de repouso que não está contaminada.
Moore produziu algumas imagens nos arredores de uma residência para idosos em Kirkland —próxima à Seattle—, local do primeiro surto de coronavírus nos EUA, ligado a 37 mortes.
“Foi difícil para os funcionários e para os oficiais dos estado lidarem com a quantidade de infecções [naquele asilo], então foi uma situação de bastante pânico. Enquanto eu estava lá, me dei conta do quão sério aquilo seria”, diz.
Para entrar em hospitais, o fotógrafo tem de lidar com uma extensa burocracia. Também não pode mostrar os rostos dos pacientes, além de ter o cuidado de fazer imagens que captem o contexto.
Quando fotografa em residências, diz pedir autorização da família ou do doente para usar os nomes completos e divulgar as cidades —uma questão delicada no caso de imigrantes sem documento e com Covid-19.
Além do risco de contágio, Moore precisa manejar o equipamento de proteção individual. Se o traje protetor e as luvas possibilitam que ele chegue mais perto do que quer fotografar, as máscaras dificultam o trabalho.
O modelo N95 embaça seus óculos, e o tipo respirador, que cobre totalmente o rosto e é usado em ambientes altamente infecciosos —como em casas com várias pessoas doentes em isolamento—, dificulta o enquadramento preciso.
Depois de fazer as fotos, ele tira as roupas protetoras em uma ordem específica para evitar a contaminação, passa spray germicida e as coloca num saco para que sejam incineradas.
Por fim, limpa a câmera com desinfetante e lenços umedecidos. No dia seguinte começa tudo outra vez.
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