Na ONU, Bolsonaro defende gestão na pandemia e se diz vítima de campanhas de desinformação

Presidente, que abriu Assembleia Geral da organização, acusou imprensa de disseminar pânico

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Washington

O presidente Jair Bolsonaro usou seu discurso de abertura na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, nesta terça-feira (22), para reprisar a tese de que é vítima de uma campanha de desinformação e defender as políticas de seu governo diante da pandemia de coronavírus e das queimadas que devastam a Amazônia e o Pantanal.

Em vídeo gravado, com duração de menos de 15 minutos, tempo máximo estabelecido pela organização do evento a todos os líderes, Bolsonaro afirmou que, desde o início da crise, destacou que tanto o vírus quanto o desemprego "precisavam ser tratados igualmente" e acusou parcela da imprensa brasileira de disseminar o pânico em relação à pandemia da Covid-19.

O presidente elencou medidas de seu governo, como o auxílio emergencial, e jogou a responsabilidade das regras de isolamento aos governadores —a pandemia já matou mais de 136 mil pessoas no país— como estratégia para se eximir das consequências da crise.

"Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema 'fique em casa' e 'a economia a gente vê depois', quase trouxeram o caos social ao país", disse Bolsonaro.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante discurso de abertura na Assembleia Geral da ONU - Reprodução/ONU no YouTube

O presidente afirmou ainda que as riquezas da Amazônia despertam interesses estrangeiros e escusos e é por isso que, em sua visão, o governo é vítima do que chamou de "brutal campanha de desinformação" —ele seguiu minimizando os incêndios e negando que conduza uma gestão ambiental negligente.

"Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta. Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal", afirmou o presidente.

"A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil."

Desde o ano passado, Bolsonaro sofre críticas de organizações e líderes internacionais por sua política ambiental. Nesta terça, usou o plenário da ONU para reproduzir um discurso defensivo e negacionista.

"O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos. E, por isso, há tanto interesse em propagar desinformações sobre o nosso meio ambiente."

Segundo Bolsonaro, as queimadas se dão por condições naturais inevitáveis ou pela atuação de índios e caboclos. Na Amazônia, argumenta, só acontecem nas partes periféricas da floresta, visto que a região é úmida, e, no Pantanal, que bateu recordes de incêndio neste ano, devido às "altas temperaturas somadas ao acúmulo de massa orgânica em decomposição".

"Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas."

O presidente disse ainda que os focos de incêndio criminosos "são combatidos com rigor e determinação" e que tem "tolerância zero com o crime ambiental".

O governo Bolsonaro, no entanto, enfraqueceu a gestão ambiental do país, perseguiu fiscais, protegeu madereiros e tentou maquiar números de desmatamento —os incêndios na Amazônia e no Pantanal bateram diversos recordes nos últimos meses e, recentemente, o presidente chegou a atribuir o fogo nas florestas à população indígena e à geração espontânea, o que repetiu nesta terça.

As políticas têm impactado a relação do país com importantes autoridades internacionais. Deputados do Partido Democrata, de oposição a Donald Trump, por exemplo, dizem que são contrários a um acordo comercial amplo entre Brasil e EUA justamente devido ao comportamento brasileiro diante da questão ambiental e de direitos humanos.

Nos últimos dias, países europeus disseram que a postura do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente pode inviabilizar a confirmação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

Após dedicar grande parte do discurso à defesa de suas políticas internas, Bolsonaro tentou ampliar sua narrativa com habituais acenos a Trump e ataques à Venezuela —citando uma tese não comprovada de que o derramamento de óleo no litoral brasileiro foi causado de forma criminosa pelo país vizinho.

Sobre o aliado americano, Bolsonaro fez referência ao acordo histórico, mediado por Trump, entre Israel, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que normalizou as relações diplomáticas entre os três países.

Bolsonaro propagandeou a tese de que o Brasil abandonou uma "tradição protecionista" e cumpriu reformas como a da Previdência, colocando o país no caminho da entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Ainda na tentativa de mostrar que o Brasil está aberto a investimentos e maior inserção no cenário mundial, Bolsonaro argumentou que a pandemia "deixou a lição" de que não é possível depender de poucas nações para a produção de insumos, citando a hidroxicloroquina, remédio sem eficácia comprovada contra a Covid-19, e a capacidade brasileira na exportação de alimentos.

"Somente o insumo da produção de hidroxicloroquina sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia", declarou o presidente. A FDA, agência americana reguladora de medicamentos, revogou a autorização emergencial para o uso do remédio e enviou diversas doses que estavam encalhadas nos EUA ao Brasil.

Bolsonaro citou ainda a tecnologia 5G —pauta bastante sensível para o governo americano— e disse que o Brasil está aberto a investimentos desde que os parceiros "respeitem nossa soberania, prezem pela liberdade e pela proteção de dados".

O governo americano pressiona para que a chinesa Huawei, fornecedora de tecnologia 5G, não atue no Brasil e em diversos outros países, sob argumento de que a empresa traz ameaças à propriedade intelectual. O vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, por sua vez, já disse que acha difícil banir a companhia chinesa, que já atua há anos no país com operações de 4G.

Já no fim do discurso, considerado repetitivo e sem novidades por diplomatas brasileiros e americanos, Bolsonaro reforçou a imagem do Brasil como um país cristão e conservador e fez um apelo à comunidade internacional ao que classificou como defesa da "liberdade religiosa e do combate à cristofobia". ​

​Essa é a segunda vez que Bolsonaro abre os debates da Assembleia Geral da ONU —é tradição que o presidente brasileiro faça o discurso de abertura. Desta vez, em razão da pandemia, a convenção é em parte virtual, e um vídeo foi enviado na semana passada pelo Planalto à ONU com o pronunciamento.

No plenário, no lugar da habitual comitiva presidencial, com ministros e convidados, quem introduziu o Brasil nesta terça foi o embaixador Ronaldo Costa Filho, representante permanente do Brasil junto à ONU.

No ano passado, Bolsonaro estreou no plenário da ONU com um discurso agressivo, que reproduziu o repertório ideológico de seu grupo político, com ataques a outros países e enfrentamento em relação às críticas sofridas por seu governo. O tom foi considerado inédito para líderes brasileiros na assembleia.

O presidente já havia insistido na ideia de que a crise da Amazônia era contaminada por interesses estrangeiros e que qualquer interferência externa na crise da floresta era um ataque à soberania brasileira.

"É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a floresta é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista. Questionaram aquilo que nos é mais sagrado, a nossa soberania", disse Bolsonaro em 2019.

À época, o presidente francês, Emmanuel Macron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, apontaram publicamente o risco de retrocessos na agenda ambiental do governo brasileiro.

Na Assembleia Geral, os representantes dos 193 países-membros da organização se reúnem para discutir assuntos que afetam a comunidade internacional, e todos têm direito a voto. Além de Bolsonaro, discursam nesta terça outros 30 chefes de Estado. O presidente americano, Donald Trump, foi o segundo a fazer seu pronunciamento.

Os discursos continuarão ainda na quarta (23). Entre as falas mais esperadas também estão a do dirigente chinês, Xi Jinping, e do líder iraniano, Hassan Rouhani, devido à escalada das tensões entre os dois países e os Estados Unidos.

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