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Candidatos a prefeito em Boa Vista usam retórica anti-venezuelanos em campanha

Nicoletti (PSL) e Gerlane (PP) prometem acabar com supostos privilégios de imigrantes

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São Paulo

Candidatos a prefeito em Boa Vista (RR) têm recorrido a uma retórica anti-venezuelanos para conquistar votos, explorando sentimento de parte da população contrário aos imigrantes.

Concorrente do PSL, o deputado federal Nicoletti postou em suas redes sociais um anúncio em que promete combater supostas vantagens desfrutadas pela comunidade do país vizinho. “Na minha gestão municipal, venezuelano não terá privilégio”, anuncia, com uma foto com o dedo em riste.

Peça de propaganda na internet do deputado federal Nicoletti, candidato do PSL à Prefeitura de Boa Vista - Reprodução Facebook

Na sua conta do Instagram, ele diz, apesar disso, que “respeita os venezuelanos de Boa Vista”.

No anúncio, Nicoletti não explica o que seriam os “privilégios” a que se refere. À Folha o candidato afirma que essas supostas vantagens são numerosas.

"Os privilégios são muitos. Entre eles, por exemplo, o acesso aos serviços públicos do nosso município e o trabalho informal, em que nossos ambulantes são perseguidos pela prefeitura e os venezuelanos podem trabalhar livremente", afirma.

O candidato nega que sua propaganda de alguma forma estimule sentimentos xenófobos. "Defender a igualdade de direitos entre brasileiros e venezuelanos, prevista na Constituição brasileira, jamais será xenofobia", afirma.

"O que proponho é justamente garantir o acesso dos brasileiros aos serviços essenciais, para que não ocorra o que acontece atualmente, quando vemos venezuelanos ocuparem praticamente 100% de alguns serviços em Boa Vista."

Ele promete buscar, como prefeito, o aumento de repasse de recursos junto ao governo federal para suprir o aumento da demanda sobre serviços ocasionado pelo fluxo migratório.

Estima-se que haja entre 10 mil e 30 mil venezuelanos vivendo na capital roraimense, a quase totalidade pessoas que deixaram seu país de origem em razão da crise econômica e da ditadura de Nicolás Maduro.

Muitos deles acabam competindo com brasileiros por empregos de baixa especialização. Como muitas vezes não têm documentação, são contratados por salários mais baixos e sem nenhum direito trabalhista.

Num contexto de crise econômica, agravada pela pandemia, a situação tem estimulado sentimentos xenófobos em parte do eleitorado.

A propaganda gerou uma reação dos representantes no Brasil do autodeclarado presidente da Venezuela, Juan Guaidó. "Ficamos surpresos ao ver o uso de forma degradante da imagem dos venezuelanos para ganhar votos", diz o texto, assinado por Maria Teresa Belandria, embaixadora de Guaidó no Brasil.

Ela pede ao candidato que retire do ar a propaganda. Segundo Belandria, a campanha "incita à xenofobia e ao ódio".

Nascido em Ijuí (RS), Antonio Carlos Nicoletti, 39, é deputado de primeiro mandato. Fez carreira como policial rodoviário federal e elegeu-se em 2018 na safra de novatos que adotaram o discurso da segurança pública, em linha com a onda conservadora que levou à vitória o presidente Jair Bolsonaro.

O deputado apresentou projeto de lei na Câmara para tornar mais rígidos critérios para a imigração venezuelana, exigindo documentos como carteira de vacinação e antecedentes criminais.

"Não há lugar em Boa Vista para que venham mais venezuelanos. Com esses documentos, você já impede a chegada dos que são do mal", afirma.

Segundo o candidato, muitas pessoas estavam cobrando dele um posicionamento sobre a questão em suas redes sociais. "A população não aguenta mais. Na pandemia, fechou restaurante, salão de beleza, mas os venezuelanos continuaram trabalhando", diz.

Outra candidata a mencionar o tema é Gerlane (PP), que propôs, em panfletos distribuídos por sua campanha, limitar os atendimentos na saúde e vagas nas escolas para imigrantes.

"Entendemos que a imigração é uma questão difícil e respeitamos todos eles [venezuelanos], mas os boavistenses precisam voltar a ser prioridade para a prefeitura", diz o material de campanha.

Ela diz ainda que cobrará do governo federal que retire 9 dos 11 abrigos para venezuelanos que funcionam na cidade, assim como instalações em outros estados. "A imigração é um problema do Brasil. Não podemos aceitar que Boa Vista pague sozinha essa conta", diz o panfleto.

Em nota enviada por sua assessoria, a candidata afirma que seu objetivo é dar mais dignidade aos venezuelanos. "Por uma questão de humanidade, devemos dar melhores condições aos estrangeiros em nosso país. Viver num abrigo é desumano. Conforme interiorizarmos o maior número possível de venezuelanos podemos reduzir os abrigos", afirma ela.

Ela diz que pretende destinar unidades de saúdes específicas para imigrantes. “Os profissionais terão domínio de outros idiomas para atender melhor esses estrangeiros e acompanhar a carteira de imunização para evitar doenças”, afirma.

A onda migratória venezuelana se intensificou a partir de 2018. A maior parte entra por terra pela fronteira com Roraima, mas muitos têm sido deslocados para outros estados, por iniciativa do governo federal, num processo conhecido como "interiorização".

Os que permanecem em Roraima são atendidos por uma ação capitaneada pelas Forças Armadas, a Operação Acolhida. Diversos abrigos foram construídos para os migrantes em Boa Vista, mas muitos ainda vivem nas ruas da cidade.

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