Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Com brancos virando minoria, Texas segue trilho azul do Arizona

Desde Jimmy Carter, nenhum democrata obteve tantos votos texanos quanto Biden

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São Paulo

Na terça-feira de eleição presidencial americana, ao comentar o andamento da votação, o democrata Joe Biden não conteve o riso: “Disseram que eu posso ganhar até no Texas”, exclamou.

Biden, apesar de as pesquisas indicarem que tinha chance, não ganhou no estado da estrela solitária —com 96% dos votos apurados, não estava nem perto disso, tendo recebido 46,3% dos votos ante 52,3% para Donald Trump.

Apoiadores de Joe Biden fazem campanha para democratas em Houston, no Texas
Apoiadores de Joe Biden fazem campanha para democratas em Houston, no Texas - Sandy Huffaker-3.nov.20/Getty Images/AFP

No entanto, sim, algo se move na fronteira, e nenhum democrata desde Jimmy Carter, em 1978, obtivera um percentual tão grande de votos texanos como o ex-vice de Barack Obama.

Carter, a bem da verdade, encerrou uma centenária série de vitórias democratas nesse estado, até então interrompida apenas em três ocasiões: por Herbert Hoover, em 1928; Dwight Eisenhower, em 1952, e Richard Nixon, em 1972.

Após seu triunfo —amparado por uma peculiar coalizão de progressistas urbanos, religiosos das zonas rurais e negros que continuavam a luta por direitos civis—, nunca mais alguém de seu partido ganharia no estado.

Em 1980, o ator/sindicalista Ronald Reagan, que atrairia votos democratas e se tornaria um dos maiores sucessos políticos do século, inauguraria uma era vermelha no estado (vermelho, nos EUA, não representa o socialismo, e sim o Partido Republicano).

É com Reagan que os republicanos passam a mirar como alvo central o eleitor que se guia por questões morais e comportamentais, algo que caiu bem ao conservador Texas. O fato de o estado ser produtor de petróleo e experimentar antes dos demais a migração da indústria manufatureira primeiro para o México e depois para a China também o tornou mais propenso ao discurso republicano das últimas quatro décadas.

Com um Bush, pai ou filho, participando de 4 das 5 eleições seguintes (a família fez do estado seu domicílio político), estava consolidada a tendência.

Mais do que outros americanos, o texano é bairrista e se orgulha disso. As menores diferenças recentes entre um republicano e um democrata no Texas se deram justamente quando o milionário texano Ross Perrot desafiou o bipartidarismo no estado e abocanhou parcela significativa de votos, deixando Bush pai com apenas 3,5 pontos sobre Bill Clinton em 1992 e Bob Dole com 5 pontos em cima do então presidente em 1996.

Pós-Bush, o candidato democrata, Barack Obama, era negro. Se há dúvida sobre o racismo sistêmico no estado basta ver as margens com que Obama perdeu para John McCain e Mitt Romney ali em 2008 e 2012: 12 e 16 pontos, respectivamente.

O perfil demográfico do estado, no entanto, tem mudado rapidamente, a exemplo do que aconteceu com o vizinho Novo México, e mais a oeste com o Arizona. São estados que viram o eleitorado latino crescer, nas últimas décadas, tornar-se cidadão e perpetuar uma segunda geração. Nos dois primeiros, já deu tempo de essa geração abraçar a política; no Texas, isso começa a acontecer agora.

Brancos já são minoria nos estratos da população até 44 anos. De 2010 a 2019, a população texana cresceu 15,3%, segundo o governo estadual, mais do que duas vezes a taxa de crescimento nacional, e 54% desse salto se calca nos latinos, segundo as mesmas estatísticas (os negros respondem por 15% e os brancos, 14%).

Diferentemente da Flórida, onde há uma tradicional comunidade cubana-americana e uma crescente comunidade venezuelana escaldada por regimes de esquerda, os latinos do Texas provêm ou descendem sobretudo de uma América Central trucidada pelas políticas antidrogas dos EUA e economias abaladas. A crise econômica nos EUA e a melhora das condições no Texas fizeram se aglutinar ali latinos que se mudaram de outros estados.

Não se subestimem ainda as cenas de horror promovidas por Trump na fronteira, com a separação de crianças migrantes de seus pais, um dos mais sinistros legados da atual gestão.

A nova demografia tem também seu componente econômico. Com o crescimento do setor de serviços e a redução das fábricas, os polos urbanos passaram a atrair mais gente do que as zonas rurais e fabris, e gente sintonizada com mudanças e diversidade, não com os valores conservadores. A fatia da população que se declara seguidora de uma religião, por exemplo, encolhe progressivamente, enquanto aquela que valoriza questões de direitos civis cresce.

Por fim, o Texas não é um monólito povoado por cowboys, como nos fizeram crer os filmes (e os Bush). Cidades como Austin, Houston, Laredo e San Antonio, com uma população jovem crescente, pulsam novidade e já elegeram, por exemplo, um dos primeiros prefeitos latinos de cidade grande do país, Julián Castro, e a primeira prefeita declaradamente lésbica, Annise Parker.

Não foi suficiente para o velho Joe Biden, mas pode ser para o próximo candidato democrata —isso, claro, desconsiderando a regra da política americana de nos surpreender com nomes impensáveis de tempos em tempos.

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