Descrição de chapéu África

Com opositor sob cerco militar, ditador de Uganda é reeleito para sexto mandato

Em meio a relatos de repressão e censura, processo eleitoral do país é alvo de críticas internacionais

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Campala | Reuters

Após o fim da apuração da eleição presidencial em Uganda neste sábado (16), Yoweri Museveni, 76, no poder há 35 anos, conquistou o sexto mandato, enquanto seu principal opositor, Bobi Wine, 38, continua cercado por militares em sua casa e mantém as acusações de fraudes no processo eleitoral.

De acordo com a Comissão Eleitoral de Uganda, Museveni obteve 58,6% dos votos contra 34,8% de Wine. Em discurso à nação após o anúncio da vitória, o ditador rejeitou as alegações de manipulação dos resultados e disse que essa eleição pode ser considerada "a mais livre de trapaças" da história do país.

Apesar do discurso de Museveni, a campanha eleitoral em Uganda foi marcada por uma série de episódios de violência contra Wine, seus apoiadores e outros candidatos da oposição. O ex-cantor pop, famoso no país por personificar os anseios de uma jovem geração que nunca viveu sob comando de outra liderança, está sob uma espécie de cerco dos militares em sua casa, nos arredores de Campala, capital de Uganda.

Apoiadores nas ruas de Campala comemoram vitória de Yoweri Museveni nas eleições presidenciais de Uganda - Baz Ratner - 16.jan.21/Reuters

"É uma eleição assumida pelos militares e pela polícia", disse Wine à Reuters em uma entrevista por telefone. Segundo o opositor, os agentes ao redor de sua casa desde quinta-feira (14) não o deixam sair.

"Isso expõe ainda mais quão ditatorial é o regime de Museveni. É uma paródia da democracia", acrescentou. Em seu perfil no Twitter, Wine classificou o que está vivendo como uma "prisão domiciliar".

"Nosso estoque de comida acabou e quando minha esposa tentou pegar comida no jardim, ela foi bloqueada e atacada pelos soldados alocados em nosso condomínio", escreveu.

De acordo com porta-vozes da polícia metropolitana de Campala e das Forças Armadas de Uganda, os agentes permanecem no local para garantir a segurança de Wine, não para prendê-lo.

As ruas da capital ugandense ficaram vazias e silenciosas após o anúncio dos resultados neste sábado (16), como se tivesse sido antecipado o toque de recolher que vigora no país desde março como medida de controle da propagação do coronavírus.

"Esses homens armados estão por toda a parte e estão prontos para matar", disse o morador Innocent Mutambi, 26, em entrevista à Reuters. "Tenho certeza de que o que eles anunciaram é falso, mas agora não podemos enfrentá-los, eles vão nos matar."

Além dos militares, apenas os apoiadores de Museveni pareciam dispostos a sair às ruas em um primeiro momento. Centenas deles dirigiram motocicletas até o centro de Campala, onde começaram a dançar portando cartazes com o rosto do ditador.

Neste domingo (17), entretanto, ao menos duas pessoas foram mortas pela polícia e outras 23 foram presas durante protestos contra o resultado das eleições, de acordo com a emissora NTV Uganda.

Em sua campanha, Museveni manteve o argumento de que sua longa experiência o torna um bom líder. Ele também prometeu continuar oferecendo estabilidade e progresso aos ugandenses e culpou a elite do país por problemas com os sistemas nacionais de educação e saúde.

Falando de uma de suas propriedades rurais e usando seu chapéu característico, disse que não está no comando de Uganda para desfrutar de uma boa vida, e sim para enfrentar desafios históricos. O ditador afirmou ainda que aqueles que tentarem impugnar sua vitória no pleito serão considerados traidores.

Representantes de diversos países e entidades internacionais manifestaram preocupação com o processo eleitoral ugandense. "Estamos profundamente preocupados com as inúmeras informações confiáveis que falam da violência das forças de segurança durante o período pré-eleitoral e das irregularidades durante as eleições", escreveu a porta-voz do departamento de Estado americano, Morgan Ortagus.

O sub-secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, James Duddridge, também manifestou preocupação com a liberdade em Uganda e classificou os bloqueios de internet ordenados por Museveni como uma "clara limitação da transparência das eleições".

Às vésperas da votação, o ditador proibiu plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp e, depois, bloqueou empresas de telecomunicações, o que gerou um "apagão" na internet do país.

Os atos, segundo o próprio Museveni, foram uma resposta ao banimento feito pelo Facebook, na última segunda-feira (11), de uma rede de contas ligadas ao Ministério da Informação de Uganda. Segundo a rede social, os perfis eram falsos e tentavam manipular o debate público e influenciar as intenções de voto.

Museveni até se desculpou pelas inconveniências causadas pelo bloqueio, mas disse que não teve escolha depois que a empresa de Mark Zuckerberg suspendeu contas que apoiavam seu partido, o Movimento de Resistência Nacional (NRM, na sigla em inglês).

"Se você quer escolher um lado contra o NRM, então esse grupo [Facebook] não deveria operar em Uganda", disse o ditador. "Não podemos tolerar esta arrogância de alguém que venha decidir por nós quem é bom e quem é mau."

Wine afirma ter provas de irregularidades na eleição gravadas em vídeo, como imagens de pessoas forçadas a votar em Museveni sob a mira das armas dos militares. O opositor disse que compartilhará o material assim que as conexões de internet forem restauradas.

Representantes da Comissão Eleitoral, entretanto, negam qualquer irregularidade no processo de votação e apuração e reforçam que, segundo a lei de Uganda, cabe a Wine o ônus da prova —ou seja, ele é quem precisa apresentar evidências concretas de que o pleito foi ilegítimo.

A maior parte dos observadores internacionais não pôde enviar representantes a Uganda após ter credenciais negadas por autoridades locais, o que reforça os argumentos de falta de transparência no pleito. A coalização Africa Elections Watch, entretanto, enviou mais de 2.000 observadores a 146 distritos do país e afirmou que encontrou irregularidades como abertura tardia na maioria das seções eleitorais, cédulas de voto perdidas e urnas abertas ilegalmente.

Tibor Nagy, principal diplomata do Departamento de Estado americano para a África, afirmou em uma publicação no Twitter que o processo eleitoral em Uganda foi "fundamentalmente falho". Ele citou os relatos de fraude e a negação de credenciamento a observadores, além dos episódios de violência contra membros da oposição e a prisão de ativistas da sociedade civil.

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