Negligência da comunidade de saúde ajudou os antivacina, diz especialista

Para coordenadora de projeto de confiança em vacinas de universidade britânica, extremistas souberam explorar dúvidas do público

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Bruxelas

A comunidade internacional de saúde foi negligente ao ignorar as restrições das pessoas às vacinas, afirmou nesta segunda (25) a especialista em risco e decisão Heidi Larson, no Fórum Econômico Mundial. Professora de antropologia da LSHTM (Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres), Larson coordena também o projeto de confiança em vacinas da instituição.

Segundo ela, teorias da conspiração e movimentos antivacina encontraram espaço para crescer porque se dispuseram a prestar atenção nos medos das pessoas e explorá-los, enquanto cientistas e políticos tratavam a hesitação como ignorância.

Autora do livro “Stuck: How Vaccine Rumors Start - And Why They Don't Go away” (“Emperrado: como rumores sobre vacina começam e por que não desaparecem”, lançado no ano passado e ainda sem tradução para o português), ela diz que a hesitação em relação à vacina é normal na psicologia humana: “Autoridades e cientistas pesam os custos e benefícios da vacinação, mas o público compara dois riscos, o da vacina e o da doença”.

Um homem e uma mulher empurram uma cadeira de rodas para entrar em edifício que tem na frente uma grande placa azul avisando que é um centro de vacinação
Público chega a centro de vacinação aberto pelo governo britânico em Blackpool - Jason Cairnduff/Reuters

Larson, que também assessora redes sociais no combate a informações falsas, diz que esse trabalho ficou mais difícil porque os ativistas contra a vacina mudaram de estratégia. “Em vez de simplesmente publicar um post mentiroso, eles fazem perguntas que aumentam a insegurança das pessoas, ou endossam mensagens que expressam ceticismo”, diz ela.

Para o CEO do instituto de pesquisas Ipsos, Ben Page, outro erro é acreditar que basta divulgar informação científica e esperar que as pessoas tomem decisões racionais. “A comunicação precisa se basear em emoção. É preciso contar histórias, adicionar emoção aos fatos, e usar como mensageiros pessoas que já tenham a confiança do público”, afirmou.

A recomendação vai na mesma direção da de outros especialistas em ciência do comportamento, como a do grupo que assessora a OMS, que publicou em dezembro um guia para aumentar a cobertura de vacinas.

Segundo Larson, as pesquisas mostram que a adesão às vacinas contra Covid-19 está profundamente ligada à confiança nos líderes políticos e de saúde, e a importância dessa conexão é crescente porque a confiança nas autoridades não é mais o padrão, como era em gerações anteriores.

No combate ao Sars-Cov-2, outros fatores contribuíram para a insegurança do público, como o uso de tecnologias, a rapidez no lançamento de imunizantes e os recentes problemas de distribuição.

Com o progresso das campanhas de vacinação, porém, a resistência à vacina está caindo em muitos países, de acordo com Ben Page. “No Reino Unido, 6 milhões já tomaram a injeção e, sem notícias de reações indesejadas, a confiança nos imunizantes aumentou. Podemos estar começando a virar a esquina”, diz ele.

Pesquisa recente do instituto YouGov também indicou forte crescimento na porcentagem de pessoas que querem tomar a vacina em nove países europeus.

Para Larson e Page, uma resposta bem-sucedida à pandemia de coronavírus pode ser uma oportunidade para reverter a perda de confiança do público na política e nos governantes.


O QUE A CIÊNCIA COMPORTAMENTAL SUGERE PARA ELEVAR A ADESÃO A VACINAS

AMBIENTE (aumentam a adesão de quem não têm restrição prévia)

  • Local - quanto mais próximo, conhecido, conveniente e confiável for, maior a aceitação. Na atual pandemia, é importante evitar aglomeração e contágio

  • Custo da vacinação - evitar a necessidade de gastos para locomoção e horários que atrapalhem o trabalho das pessoas

  • Tempo gasto - permitir agendamento, evitar filas, ampliar horários

  • Tratamento - preparo dos profissionais de saúde para acolher, dar segurança e responder a dúvidas tanto sobre a doença quanto sobre as vacinas

  • Informação - divulgar mensagens didáticas, acessíveis e claras

  • Lembretes - envio de emails, mensagens de texto ou mensagens telefônicas para lembrar os pacientes de que estão prestes a tomar uma vacina

  • Padrões - tornar vacinas a regra, de modo que seja preciso se manifestar caso a pessoa não deseje tomá-la

INFLUÊNCIA SOCIAL (ajudam a convencer quem está em dúvida)

  • Visibilidade positiva - reforçar que a maioria quer se vacinar, em vez de focar a minoria que recusa os imunizantes. Divulgar cenas de pessoas sendo vacinadas e colocar postos de vacinação em locais visíveis
  • Janela aberta - enfatizar mudanças de posição a favor da vacina; ouvir que os outros estão cada vez mais aderindo a um comportamento induz as pessoas a fazer o mesmo
  • Argumentos - treinar profissionais de saúde para reconhecer motivos de resistência à vacina e desanuviá-la; pesquisas mostram também que eles são mais propensos a recomendar a imunização quando foram vacinados
  • Referências - amplificar o apoio de formadores de opinião - líderes religiosos, cientistas conhecidos, líderes comunitários
  • Linguagem - priorizar narrativas pessoais em vez de argumentos gerais baseados em estatísticas
  • Propósitos - ressaltar que a vacinação tem efeito coletivo e protege os mais vulneráveis

MOTIVAÇÃO (evita que quem está em dúvida desista)

  • Antecipação - a confiança na vacina precisa ser construída antes que as pessoas formem uma opinião contra. Isso passa por administrar expectativas e esclarecer dúvidas com transparência, inclusive sobre efeitos adversos, bem antes do início da vacinação

REGULAÇÃO (para quem resiste às vacinas)

  • Requisito obrigatório - tornar a vacinação uma condição para viagens, benefícios, trabalho ou estudo. Pesquisas mostram que estratégias que tentam mudar a opinião da pessoa têm poucos resultados

O QUE DIFICULTA A VACINAÇÃO:

  • medo de contágio no local de vacinação
  • influência de formadores de opinião contrários à vacinação
  • opinião contrária sobre a vacina em grupos do qual a pessoa participa (igreja, empresa, clubes, roda familiar ou de amigos)
  • visibilidade excessiva de pessoas ou teorias contrárias à vacina

Fontes: Psychological Science e grupo de consultoria técnica em percepções e ciências comportamentais para a saúde da OMS

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