Opositor de Putin volta à Rússia e é preso no aeroporto em Moscou

Alexei Navalni estava na Alemanha, após tratamento por envenenamento na Sibéria

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São Paulo

O opositor russo Alexei Navalni voltou neste domingo à Rússia, 150 dias depois de ser envenenado na Sibéria e levado para tratamento na Alemanha.

Navalni chegou ao aeroporto de Cheremetievo, um dos três principais de Moscou, às 20h15 (14h15 em Brasília). Seu avião vindo de Berlim iria pousar em Vnukovo, outro aeródromo da capital a 55 km dali, mas foi desviado a 15 minutos da chegada.

Não houve nenhuma explicação para o fato, apesar de parecer óbvia. A empresa Pobeda, que fazia o voo, afirmou que houve problemas técnicos em três de seus voos —uma desculpa. Navalni deixou o avião e falou, segundo sites russos, com pessoas na fila da imigração. Queixou-se do desvio, "que colocou pessoas em risco", e se disse "absolutamente feliz".

Ao chegar à cabine, foi detido ao apresentar seus documentos. Havia grupos de oficiais do Serviço Penitenciário Federal da Rússia à espera de Navalni em ambos os aeroportos, segundo a mídia russa.

 O opositor Navalni dentro do avião da companhia Pobeda, antes do voo que o levou de Berlim a Moscou
O opositor Navalni dentro do avião da companhia Pobeda, antes do voo que o levou de Berlim a Moscou - Polina Ivanova/Reuters

Em dezembro, o serviço havia dito que seria "obrigado" a deter Navalni porque sua saída prolongada do país violava os termos de uma sentença por fraude suspensa em 2014. O opositor, que teve alta em setembro, diz que o processo é persecutório.

Ele ficará detido até ser levado para uma audiência. Além disso, a Justiça russa abriu um caso criminal contra Navalni, acusando o seu Fundo Anticorrupção de receber doações ilegais e desviar até R$ 25 milhões para favorecer o ativista.

As opacas finanças da organização sempre estiveram na mira de investigadores, embora a disposição contra o opositor seja clara. Para quem esperava uma volta ao estilo da chegada de Vladimir Lênin do exílio em 1917, na estação Finlândia de Petrogrado, contudo, o evento foi anticlimático.

Policiais russos prendem apoiador de Navalni no aeroporto de Vnukovo, nos arredores de Moscou
Policiais russos prendem apoiador de Navalni no aeroporto de Vnukovo, nos arredores de Moscou - Natalia Kolesnikova/AFP

O terminal de Vnukovo estava sob forte proteção policial devido à presença de apoiadores de Navalni, que foram impedidos de entrar no prédio. Eles enfrentaram o frio de 20 graus negativos no aeroporto, que fica 30 km a sudoeste da capital. Em Cheremetievo, não havia ninguém esperando Navalni além dos oficiais.

Houve ao menos 53 prisões de ativistas, já que a concentração era proibida por lei, segundo o site de monitoramento de abusos legais OVD-Info, mas sem grandes enfrentamentos. Havia dezenas de apoiadores de Navalni, que atenderam seu chamado para ser recebido.

O ativista, que é advogado e blogueiro, acusa o presidente Vladimir Putin diretamente pela tentativa de assassinato, algo que o líder russo nega.

Em abril de 1917, levado sob proteção da Alemanha imperial, inimiga da Rússia na Primeira Guerra Mundial, Lênin desembarcou na atual São Petersburgo e começou a operar o golpe bolchevista de outubro daquele ano, que levou à fundação da União Soviética em 1922.

A analogia exagerada com Navalni, que animou opositores russos, tinha uma tinta democrática: a volta do opositor visa criar um momento político em favor de candidatos contrários ao governo de Putin na eleição parlamentar de setembro.

O opositor, que nunca teve apoio considerável segundo pesquisas independentes, ganhou notoriedade a partir de 2017, quando mobilizou dezenas de milhares contra o Kremlin com uso intensivo de internet.

Aos poucos, desenhou uma estratégia eleitoral, entre uma prisão e outra. Conta com o sucesso relativo nos pleitos locais do ano passado para tentar galvanizar o sentimento anti-Kremlin para quaisquer candidatos que não sejam do partido de sustentação do regime, o Rússia Unida.

Foi trabalhando para um desses candidatos locais, na cidade siberiana de Tomsk, que Navalni foi envenenado. Após uma escaramuça legal, seus aliados e a noiva o levaram para Berlim para tratamento.

Ele quase morreu, e os médicos indicaram que ele fora envenenado com o agente neurotóxico Novitchok (novato, em russo), desenvolvido pelos soviéticos e conhecido como uma arma da antiga KGB.

Em dezembro, reportagem da rede americana CNN dizia que Navalni estava sendo seguido por agentes do FSB, principal serviço secreto russo e sucessor da KGB. Putin tripudiou: disse que se a Rússia quisesse matá-lo, o teria feito.

Depois, Navalni ainda pregou uma peça no FSB, ligando para um dos agentes que estariam a cargo de monitorá-lo como se fosse um superior. Descobriu que ele tinha plantado o veneno em sua cueca no hotel em Tomsk, algo negado pelo serviço secreto.

A Rússia não quis investigar o envenenamento, alegando que Navalni deixou o país e não colaborou, apesar de ele ter sido levado para a Alemanha em coma.

O caso deteriorou a boa relação de Putin com Angela Merkel e gerou ameaças de cancelamento de negócios energéticos, mas aos poucos a temperatura baixou. Os alemães precisam do gás russo e investem num megaprojeto no mar do Norte para dobrar sua capacidade de abastecimento.

O episódio ecoou outro caso famoso, no qual o ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha foram envenenados com o Novitchok no Reino Unido, em 2018. Uma intensa disputa diplomática entre Londres e Moscou abriu um fosso entre os países.

O futuro de Navalni também poderá influenciar o início do relacionamento entre Putin e Joe Biden, o novo presidente americano que assume na quarta (20). Eles têm uma lista de lavandeira grande para tentar acertar a dinâmica entre as duas maiores potências nucleares do mundo.

O assessor de Segurança Nacional do novo presidente americano, Jake Sullivan, criticou a prisão do opositor neste domingo e pediu a sua liberação, enquanto o governo de Donald Trump disse que "condenam veementemente" a detenção.

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e os governos de Itália, França e Canadá também solicitaram a libertação imediata de Nalvani. “A prisão de Navalni é um assunto muito sério, que nos preocupa. Pedimos a sua libertação imediata. E esperamos que os seus direitos sejam respeitados”, escreveu o chanceler italiano, Luigi Di Maio, em uma rede social.

A Lituânia solicitou a "discussão de novas sanções" contra a Rússia, e a Polônia pediu "resposta rápida".

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