Descrição de chapéu The New York Times

Quem são os vândalos que invadiram o Congresso dos EUA

Nacionalistas brancos e seguidores de teorias da conspiração estavam presentes

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Sabrina Tavernise Matthew Rosenberg
Washington | The New York Times

Havia nacionalistas brancos infames e conhecidos teóricos da conspiração que espalharam visões sombrias sobre satanistas pedófilos dirigindo o país. Outros foram mais anônimos, pessoas que viajaram de Indiana e da Carolina do Sul para atender ao chamado do presidente Donald Trump para que mostrassem seu apoio. Uma pessoa, um deputado da Virgínia Ocidental, tinha sido eleito em novembro.

Todos eles convergiram na quarta-feira (6) para o terreno do Capitólio, sede do Congresso dos Estados Unidos em Washington, onde centenas de baderneiros se atiraram contra as barreiras, pularam janelas e passaram por portas, e então percorreram os corredores com uma alegre sensação de dessacralização, porque, durante algumas horas de grande tensão, acreditaram ter desalojado as elites que diziam odiar.

Manifestantes tiram selfies na Rotunda do Capitólio - Saul Loeb - 6.jan.21/AFP

"Queremos mostrar a esses políticos que nós estamos no comando, e não eles", disse um operário da construção civil de Indianapolis, 40, que se identificou apenas como Aaron. Ele não quis dar seu sobrenome, dizendo: "Não sou tão burro". E acrescentou: "Nós temos a força".

Enquanto o país percorre os estilhaços do que aconteceu em Washington na quarta, o que entra em foco na invasão do Capitólio é uma constelação misturada de apoiadores radicais de Trump: um grupo majoritariamente branco, muitos armados com bastões, escudos e spray químico; alguns carregavam bandeiras confederadas e usavam fantasias de pele e chifres inspirados no QAnon; eram na maioria homens, mas também havia mulheres.

Os que invadiram o Capitólio eram apenas uma fração dos milhares de apoiadores de Trump que foram a Washington para protestar contra a certificação da vitória de Joe Biden contra Trump, em novembro. Sua ação ocorreu com uma energia confusa e frenética, alimentada pelas palavras ditas por Trump minutos antes e o fervor da multidão atrás deles.

O Departamento de Polícia Metropolitana de Washington disse que não fez novas detenções na quinta ligadas ao tumulto, durante o qual uma mulher foi morta a tiros pela Polícia do Capitólio e um policial do Capitólio sofreu ferimentos dos quais veio a morrer mais tarde. O policial, Brian Sicknick, morreu por volta das 21h30 de quinta, disse a Polícia do Capitólio em um comunicado. Ele estava no órgão desde 2008.

Sicknick estava reagindo aos tumultos na quarta e "foi ferido enquanto se envolvia fisicamente com os manifestantes", disse o comunicado da agência. Mais tarde, ele desmaiou ao voltar para o escritório de sua divisão e foi levado ao hospital. Canais de notícias relataram prematuramente sua morte no início do dia, enquanto ele estava aparentemente recebendo cuidados médicos.

Na quarta, a Polícia Metropolitana deteve 68 pessoas, mais 14 recolhidas pela Polícia do Capitólio durante o tumulto. Dezenas de outras ainda eram procuradas pelas autoridades federais.

Seu número incluía um ativista pelo porte de armas de 60 anos, do Arkansas, que foi fotografado sentado no gabinete da presidente da Câmara, Nancy Pelosi; homens em roupas militares tirando selfies na Rotunda; e uma mulher no plenário da Câmara carregando uma placa sobre crianças inspirada na QAnon.

Alguns dos que se destacaram da multidão pareciam demonstrar espanto diante do que viam. Comentaram a opulência do prédio e dos escritórios do Capitólio, qualidade que parecia confirmar suas suspeitas sobre a corrupção em Washington.

"É, vejam todos esses móveis chiques que eles têm", disse um homem com um abrigo de inverno e chapéu vermelho, parado no lado oeste do Capitólio e espiando pelo vidro as mesas vazias, telas de computador e cadeiras ergonômicas. Várias pessoas bateram nas janelas com os punhos, inclusive um homem que gritou: "Sirvam o café!". Um homem bateu a cabeça, sem ver a camada externa de vidro, de tão limpa.

Enquanto as pessoas corriam para dentro, houve uma estranha mistura de confusão e excitação, e a quase total falta de presença policial no início ampliou a sensação de terra sem lei.

Eles olhavam para um lugar de riqueza e beleza, enfeitado com arte e mármore, um domínio dos poderosos, e por um curto tempo na tarde de quarta os rebeldes estiveram no controle. Sentiram que, por uma vez, não podiam ser ignorados.

Aaron, o trabalhador de Indianapolis, e seus dois amigos tinham ouvido pessoas falarem sobre ir ao gabinete de Pelosi. Depois de entrarem, decidiram encontrar o gabinete do senador Chuck Schumer. Ambos são democratas. "Queríamos dizer algumas coisas" a Schumer, disse ele. "Ele é provavelmente o cara mais corrupto aqui. Você não ouve falar muito sobre ele. Mas é escorregadio. Dá para ver isso."

Mas não encontraram a sala de Schumer. Ele disse que perguntaram a um policial do Capitólio, que tentou dirigi-los. Mas pareciam não ter chegado perto do gabinete do líder da minoria. Acabaram fumando alguns cigarros dentro do edifício —"Podemos fumar em nossa casa", disse Aaron—, e um de seus amigos, que não quis dar seu nome, brincou que tinha ido ao banheiro e não puxou a descarga.

Uma mulher de casaco estava sentada num sofá numa saleta com tapete azul e viu um homem rasgar um pergaminho com letras chinesas pendurado da parede. "Não queremos merda chinesa", a mulher disse.

Ali perto, seis homens se sentaram em uma grande escrivaninha de madeira. Um abajur com cúpula branca foi derrubado e se quebrou. Alguém fumava maconha. "Esta é a sala do fumo!", disse um rapaz.

Na Cripta, pessoas circularam tirando fotos das estátuas e de si próprias com seus telefones. Um homem segurava um bastão de selfie, como um turista. Uma mulher de jeans largos e jaqueta azul entoava slogans em um megafone, enquanto um homem de camiseta preta que dizia "Not Today Liberal" (hoje não, progressista) corria em torno das colunas centrais no que parecia uma frenética volta da vitória.

Enquanto as autoridades tentam identificar os participantes, alguns serão mais fáceis do que outros.

O grupo incluía algumas figuras conhecidas da direita conspiratória, como Jack Angeli, que promoveu as falsas alegações da QAnon de que Trump foi eleito para salvar os EUA dos burocratas do Estado profundo e de democratas importantes que adoram Satã e abusam de crianças.

Ele foi fotografado sentado no Congresso com um capacete viking e peles. Angeli, conhecido como "Q Shaman", tem sido uma figura constante nos protestos pró-Trump no Arizona desde a eleição, e há indícios de que ele e outros ativistas de direita planejavam provocar um confronto com as autoridades antes do movimento de quarta-feira.

Também havia líderes dos Proud Boys, grupo de extrema direita cujos membros adotaram opiniões misóginas e anti-imigrantes, como Nick Ochs, candidato fracassado a deputado pelo Havaí e membro de um coletivo chamado "Assassinem a Mídia".

Chris Hood e membros de seu Clube Nacional Socialista, um grupo neonazista, postaram no Telegram fotos diante do Capitólio na quarta. E os Three Percenters, grupo armado de direita, foram vistos se reunindo na Freedom Plaza em Washington na noite de terça, a maioria usando capacetes e coletes de Kevlar enfeitados com o símbolo do grupo, o numeral romano III (3).

O grupo saiu de uma multidão maior, dezenas de milhares dos apoiadores mais leais de Trump, muitos dos quais tinham dirigido a noite toda ou tomado ônibus com amigos e vizinhos para vê-lo falar e participar de um dia que muitos esperavam que enfim trouxesse algumas respostas para meses de falsas afirmações de que a eleição foi roubada. Vários entrevistados disseram que nunca estiveram em Washington antes.

Em entrevistas na quarta, manifestantes na multidão maior expressaram a sensação de que alguma coisa ia acontecer —algo maior que eles. O que seria exatamente ninguém sabia dizer. Antes que o Capitólio fosse invadido, alguns sugeriram sombriamente sobre violência e a ameaça de uma guerra civil.

Mas quando pressionados sobre o que isso significava eles tendiam a se esquivar, dizendo simplesmente que, se chamados, serviriam ao seu lado em um conflito.

Quando os que invadiram o Capitólio ressurgiram mais tarde, depois do saque, muitos foram recebidos como heróis em retorno. "Sim, paramos a votação!", gritou um homem de jaqueta azul-marinho com zíper, quando saiu, de mãos para cima, passando por uma porta de madeira amarela alta, enquanto as pessoas lá fora gritavam e aplaudiam. "Assassinem a mídia" foi rabiscado em tinta preta na outra folha da porta.

Muitos disseram que não tentariam entrar, mas simpatizavam com os que o fizeram.

"Eu não vou entrar lá, mas, sim, estou de acordo", disse Lisa Todd, 56, professora colegial de Raleigh, na Carolina do Norte. Ela estava com três amigas, todas professoras.

Outros manifestaram certo arrependimento. Invadir o Capitólio "provavelmente não foi a melhor coisa a fazer", disse Eric Dark, 43, motorista de caminhão de Braman, em Oklahoma, alvo de gás lacrimogêneo quando chegou ao alto da escada do prédio e não conseguiu entrar.

Ele estava de pé com Brian Hobbs, prefeito de Newkirk, Oklahoma, perto do topo dos degraus no lado oeste do prédio por volta de 16h30, quando os policiais em trajes antitumulto começaram a se aproximar para expulsar os milhares de pessoas que se reuniram. Poderia ter sido muito pior, disse ele. "Tínhamos gente suficiente; poderíamos ter derrubado aquele edifício tijolo por tijolo", afirmou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves .

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