Papa Francisco questiona venda de armas a terroristas após viagem histórica ao Iraque

Pontífice repreende fabricantes de armamentos e faz apelo por fraternidade como resposta a guerras

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cidade do Vaticano | Reuters

Depois de dizer que voltou de sua viagem inédita ao Iraque com "a alma cheia de gratidão", o papa Francisco fez um discurso questionando fabricantes de armas do mundo todo sobre suas responsabilidades no fornecimento de armamentos a grupos extremistas.

"Perguntei-me [durante a viagem]: quem vendeu as armas aos terroristas? Quem vende armas aos terroristas que hoje fazem massacres em outros lugares como, por exemplo, na África?", questionou o pontífice, quebrando o protocolo ao deixar de se ater ao pronunciamento previamente preparado.

"Esta é uma pergunta que eu gostaria que alguém respondesse", acrescentou Francisco que, no passado, disse que fabricantes e traficantes de armas teriam que responder a Deus um dia.

O papa Francisco em missa celebrada em um estádio esportivo em Arbil, durante visita ao Iraque - Safin Hamed - 7.mar.21/AFP

No último domingo (7), Francisco visitou Mossul, cidade iraquiana reduzida a escombros desde que foi ocupada pelo grupo terrorista Estado Islâmico (EI), que torturou seguidores de outras religiões enquanto manteve o controle da região por três anos, de 2014 a 2017.

Em meio às ruínas de casas e igreja, o pontífice fez uma oração pelos mortos no conflito e repetiu aquele que foi um dos principais temas de sua viagem —extremismo e violência não são tolerados pela religião.

“A guerra é sempre o monstro que, na medida em que os tempos mudam, transforma-se e continua a devorar a humanidade", afirmou o papa nesta quarta, em sua audiência semanal transmitida do Palácio Apostólico do Vaticano pela internet devido à pandemia de coronavírus. "Mas a resposta à guerra não é outra guerra, e a resposta às armas não são outras armas."

Para Francisco, a solução precisa ser a fraternidade, um ideal que representa um desafio para o mundo inteiro. "Seremos capazes de criar fraternidade entre nós, de criar uma cultura de irmãos? Ou continuaremos com a lógica iniciada por Caim?", questionou o líder da Igreja Católica.

De acordo com o livro de Gênesis, Caim, filho de Adão, foi amaldiçoado por Deus e condenado a ser um homem errante pela Terra depois de ter matado seu irmão, Abel, por ciúmes.

Francisco descreveu como "inesquecível" seu encontro, no último sábado (6), com o principal clérigo muçulmano xiita do Iraque, o grande aiatolá Ali Al-Sistani. O compromisso foi considerado uma tentativa de fortalecer o diálogo entre a Igreja Católica e o Islã.

Em sua visita, o papa procurou dar apoio aos cristãos no país de maioria xiita, exortou os líderes iraquianos a proteger todos os direitos das minorias e enviou uma mensagem de que ele próprio está de volta ao cenário global depois de um ano sem sair do Vaticano devido à pandemia.

Ao final da conversa entre os líderes, que durou cerca de 1 hora e foi realizada a portas fechadas, Al-Sistani declarou seu compromisso com a segurança dos cristãos no país, onde eles devem viver como todos os iraquianos, "em paz e coexistência".

"O povo iraquiano tem o direito de viver em paz, tem o direito de recuperar sua dignidade. Suas raízes religiosas e culturais são milenares: a Mesopotâmia é o berço da civilização", disse Francisco, nesta quarta.

Atualmente, mais de 95% dos iraquianos são muçulmanos, enquanto apenas 1% se identifica com as diferentes vertentes do cristianismo. Apesar disso, a visita de Francisco ao país, um plano que seus dois últimos antecessores não conseguiram tirar do papel, teve um peso simbólico que, segundo o próprio pontífice, representava "um dever com uma terra tão martirizada".

O momento escolhido pelo líder católico, porém, foi alvo de diversas objeções. De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, o Iraque vive hoje um de seus piores momentos da pandemia.

Em 4 de janeiro, a média móvel de novas infecções por coronavírus era de 834,4 ao dia. Dois meses depois, o número registrado foi de 4.233,1 —o que equivale a um aumento de mais de 407% nos casos confirmados da doença. Até esta quarta-feira, o país soma mais de 740 mil casos e 13.645 mortos.

As autoridades impuseram uma série de restrições para tentar impedir aglomerações durante a visita papal, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e a limitação de público em um estádio onde Francisco rezou uma missa no domingo (7).

Em vários momentos, entretanto, as regras foram ignoradas por parte da população, que via na presença do papa uma oportunidade única que superava o risco de contaminação.

"Não estamos pensando em coronavírus em um momento como este. Temos Deus do nosso lado porque o papa está aqui!", disse a professora Gladys Koff, 33, cercada por seus alunos adolescentes, junto com as pelo menos 10 mil pessoas que compareceram ao estádio em Arbil, capital do Curdistão, região parcialmente autônoma em relação ao governo central do Iraque.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.