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Com vacinação da Covid acelerada, Sérvia atrai turistas em busca de doses

País oferece imunizantes de cinco fabricantes e enfrenta hesitação de seus moradores

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São Paulo

Com vacinas de cinco fabricantes diferentes e doses suficientes para seus quase 7 milhões de habitantes, a Sérvia tem se destacado com uma campanha de imunização contra a Covid-19 num continente em que vários países enfrentam dificuldades com o fornecimento dos imunizantes.

E isso com uma economia muito menor —o PIB per capita do país dos Balcãs corresponde a 21,2% do valor da União Europeia e a 17,5% do número do Reino Unido, líder na região.

Os britânicos ocupam a primeira posição na quantidade de doses aplicadas a cada 100 habitantes na Europa, com uma taxa de 59, segundo dados do Our World in Data até esta quarta (14). Mas a Sérvia figura entre os seis primeiros no continente, com um índice de 42,3.

Enfermeira aplica dose de vacina contra a Covid-19 em centro de saúde na cidade de Rudna Glava, na Sérvia
Enfermeira aplica dose de vacina contra a Covid-19 em centro de saúde na cidade de Rudna Glava, na Sérvia - Zorana Jevtic - 6.abr.21/Reuters

O governo sérvio diz já ter garantido 15 milhões de doses —das quais já aplicou quase 2,7 milhões.

E enquanto os europeus travam uma batalha para garantir que haja vacinas suficientes —a quantidade de doses distribuídas aos países membros da UE equivale a menos de um quarto da população do bloco—, os sérvios possuem um cardápio de escolha de cinco fabricantes, de diferentes países.

Cabe à pessoa que vai receber a vacina escolher, em formulário disponível no site do governo, se prefere a da Pfizer/BioNtech, a Sputnik V, a da Moderna, a da Sinopharm ou da AstraZeneca.

A abundância vem de uma decisão do presidente Aleksandar Vucic de não apostar em um só fornecedor. Ele comprou vacinas europeias, americanas, russas e chinesas e ainda assinou acordos para produzir as duas últimas no país. A variedade tem ajudado a lidar com o ceticismo da população quanto às vacinas.

O país é um terreno fértil de teorias da conspiração —41,5% dos sérvios afirmam acreditar em alguma das histórias sem embasamento científico ligadas à Covid-19, segundo um estudo de outubro do ano passado do Biepag (Grupo Consultivo dos Balcãs na Europa, na sigla em inglês).

Entre elas estão a de que o vírus foi desenvolvido em um laboratório chinês e a de que Bill Gates está usando a doença para forçar uma vacina com um microchip capaz de rastrear as pessoas. A pesquisa também mediu, antes de as doses estarem disponíveis, a aceitação às vacinas. Na Sérvia, cerca de 50% dos entrevistados disseram que certamente ou provavelmente não aceitariam ser imunizados.

Para especialistas, a variedade ajuda nessa questão. “Se as pessoas preferem as potências orientais, como China ou Rússia, ou as ocidentais, como a UE e os EUA, isso influencia na escolha da vacina”, disse o professor associado na Faculdade de Ciências Políticas de Belgrado Milan Krstic ao jornal The Guardian.

Ainda assim, o país vê mais doses disponíveis do que cadastros para recebê-las, e há regiões com uma forte resistência, como Novi Pazar, cidade de maioria muçulmana localizada em uma área rural a 267 km da capital. Lá, a taxa de vacinação está bem abaixo da média nacional, e apenas 8 doses haviam sido administradas a cada 100 habitantes no fim de março, segundo o Guardian.

Sefadil Spahic, chefe do centro de saúde pública regional, disse à agência Reuters que fóruns online e rumores questionando a segurança e a eficácia da vacina minaram a campanha de imunização na cidade. Ele relatou que há inclusive trabalhadores da área da saúde que dizem coisas negativas sobre as injeções.

Além disso, o imã Muhamed Demirovic afirmou que alguns estudiosos islâmicos estavam relutantes em promover as vacinas. “Com base nas informações científicas e nos princípios da Sharia [lei islâmica], não estamos em posição de determinar ou dizer às pessoas se a vacinação é obrigatória ou está proibida.”

A hesitação levou a uma súplica do presidente sérvio para que a população se vacine. “Eu estou implorando a vocês, liguem para se vacinar”, afirmou Vucic durante pronunciamento no mês de março. “Temos [as injeções] e teremos muito mais. Eu estou implorando a vocês como um deus, tomem.”

Enquanto os sérvios hesitam, milhares de estrangeiros têm visitado o país para serem imunizados. Como não há impedimentos para estrangeiros se vacinarem, e o próprio formulário de cadastro do governo contempla não sérvios e não residentes, moradores de países vizinhos e de outros lugares da Europa têm ido para lá receber as injeções. Assim que soube que a Sérvia vacinava estrangeiros gratuitamente, Elma partiu de carro da vizinha Bósnia com a mãe e o irmão. Ao chegar, encontrou centenas de conterrâneos, assim como pessoas vindas de Montenegro, Albânia e Macedônia do Norte, todos atrás das doses.

“Vim aqui porque as vacinas não vão chegar à Bósnia”, afirmou ela, que não quis informar o sobrenome, à Reuters. “Depois vão chegar, mas será muito tarde.” Segundo a agência de notícias, a Sérvia tem doado vacinas para Bósnia, Montenegro e Macedônia do Norte desde janeiro. O psiquiatra alemão que mora na Suíça Daniel Bindernagel também aproveitou a vacinação sérvia. Ele viajou após se cadastrar no site do governo para receber o imunizante. “Eu tentei na Suíça e na Alemanha. Sou médico e não consegui.”

Elma e Daniel são dois entre milhares. O site de notícias árabe Al Jazeera publicou que, apenas no primeiro fim de semana de abril, 22 mil estrangeiros foram vacinados na Sérvia. A aplicação de tantas doses foi um movimento pragmático, já que havia entre 20 mil e 25 mil injeções da AstraZeneca que venceriam no início de abril, segundo afirmou a primeira-ministra Ana Brnabic.

A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford tem sido fortemente rejeitada pelos sérvios —e sua reputação na Europa também enfrenta obstáculos.

Enquanto vacina sua população, a Sérvia enfrenta uma alta de casos e mortes por coronavírus. Em dois meses, o país passou de uma média móvel de infecções de 1.670 para cerca de 4.000. As mortes seguiram o mesmo movimento, subindo de 14 no início de fevereiro para por volta de 40 no início de abril.

Ivan Kostic, cirurgião na cidade de Cacak (a 141 km de Belgrado), afirmou à revista britânica The Economist que muitos sérvios não respeitam medidas de precaução, como o uso de máscaras e as restrições a aglomerações, em especial quem já recebeu a primeira dose.

Diferentemente de outros países europeus, não houve longos lockdowns adotados na Sérvia. E, apesar de hoje colher os louros de uma campanha de vacinação avançada, no ano passado o presidente enfrentou pressão popular por sua gestão da pandemia.

Manifestante fazem protesto pacífico em Belgrado, na frente do Parlamento da Sérvia
Manifestante fazem protesto pacífico em Belgrado, na frente do Parlamento da Sérvia - Oliver Bunic - 9.jul.20/AFP

As autoridades impuseram medidas rígidas de bloqueio nos estágios iniciais do surto, mas depois retiraram todas as restrições quando o país se aproximava da eleição parlamentar. Passado o pleito, o presidente reimpôs três dias de confinamento total em Belgrado, o que motivou a revolta popular em julho.

Muitos acusaram o governo de fraudar os dados oficiais e de minimizar o risco para realizar a eleição.

Com Reuters

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