'Estou pronto para morrer', diz morador de cidade atacada pelo Taleban no Afeganistão

População está em pânico, conta porta-voz do governo de Herat, terceiro maior município do país

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São Paulo

Sob ataque dos insurgentes do Taleban e diante da ameaça de voltar ao domínio do grupo fundamentalista após 20 anos, moradores de Herat, a terceira maior cidade do Afeganistão, estão em pânico, temendo um massacre iminente.

Quem conta é Jaelany Farhad, porta-voz do governo local, ele próprio um provável alvo de assassinato caso o grupo consiga tomar o poder na região. “Imaginar o Taleban controlando Herat é intolerável e insuportável”, disse ele, que respondeu às perguntas da Folha por áudio para driblar as dificuldades de conexão local.

“Quem se lembra do período de cinco anos que eles governaram sabe como é. O regime interfere em cada parte e em cada detalhe do nosso dia a dia. A presença das mulheres é proibida em escolas e escritórios; homens não podem escolher seu corte de cabelo nem se barbear. Não há liberdade.”

Soldados que combatem o Taleban fazem guarda em um distrito da província de Herat
Soldados que combatem o Taleban fazem guarda em um distrito da província de Herat - Hoshang Hashimi - 31.jul.21/AFP

Situada no oeste do país, a cerca de 800 quilômetros da capital e perto da fronteira com o Irã, Herat é uma das três capitais provinciais a que foram alvo de um ataque coordenado do Taleban neste fim de semana, em uma de suas piores ofensivas em muito tempo.


As outras cidades são Kandahar e Lashkar Gah. Nesta última, a capital da província de Helmand (sudoeste do país), os combates deixaram ao menos 40 mortos e mais de 100 feridos de segunda (2) para terça (3), e o Exército pediu que os 200 mil moradores deixem suas casas.

Em Herat, os talebans tentaram tomar o aeroporto internacional, situado a 10 km da cidade, na semana passada. Metade da população ficou sem luz após os combates danificarem a rede de eletricidade, e um guarda que patrulhava uma instalação da ONU nos arredores morreu em um ataque. O governo retomou o controle dos arredores do aeroporto no sábado (31).

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Com a ajuda de uma milícia popular voluntária, os militares também retomaram alguns vilarejos próximos —onde os insurgentes haviam invadido casas de civis para transformá-las em bases de ataque, segundo denúncias— e impediram que eles chegassem ao centro da cidade. Mas a ofensiva continua, especialmente à noite.

Uma fonte do governo disse à rede Al Jazeera que o Taleban tem cerca de mil soldados em Herat no momento. Segundo o ministério da Defesa, dezenas deles foram mortos nas batalhas do fim de semana.

Enquanto isso, a capital está em suspenso, com lojas e escolas fechadas e “a confiança da população seriamente comprometida”, segundo Jaelany Farhad.

“Os moradores estão em pânico, especialmente os mais jovens, que nunca viveram uma guerra. Eles nunca nem ouviram um som de tiro e agora de repente podem ser atacados por canhões e tanques. Estão aterrorizados.”

Segundo o jornal britânico The Guardian, funcionários públicos estão escondendo documentos para evitar que o Taleban os destrua ou utilize para identificar e atacar quem trabalha para o governo, no caso de uma invasão.

O Taleban comandou o Afeganistão por meio de um regime brutal de 1996 a 2001, quando foi desalojado do poder pela invasão liderada pelos EUA após o 11 de Setembro.

Em maio deste ano, encorajado pelo anúncio de que as tropas estrangeiras sairiam do país até 31 de agosto, o grupo extremista vem avançando sobre o território afegão e reconquistando diversas áreas controladas pelo governo do presidente Ashraf Ghani, que foi eleito democraticamente e tem apoio de países do Ocidente. De zonas rurais e vilarejos, os talebans passaram a atacar também cidades maiores, como Herat.

“Se eles ganharem, vai ser um massacre. Uma catástrofe humanitária. Nós, afegãos, esperamos que a comunidade internacional ajude a parar esses ataques”, diz Farhad.

Nesta sexta, o Taleban assassinou o jornalista que ocupa o cargo correspondente ao de Farhad no governo nacional, em Cabul. Dezenas de ativistas, jornalistas, burocratas, juízes e figuras públicas que lutaram para manter o atual regime foram mortos pelos insurgentes, em uma tentativa de silenciar vozes dissidentes no país em guerra.

O porta-voz do governo de Herat afirma que está disposto a lutar até o fim para evitar a tomada da cidade. “Ninguém quer o Taleban de novo. Pessoalmente, como jornalista e funcionário público, estou pronto para lutar e ser morto para impedir que eles entrem na cidade.”

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