Descrição de chapéu terrorismo Rússia Brics

Biden adianta retirada americana do Afeganistão, e Rússia e China ocupam vácuo

Presidente anuncia fim da missão para 31 de agosto; Moscou fala em ação militar, e Pequim se une ao Paquistão

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São Paulo

Temendo o aumento da instabilidade com o risco de uma guerra civil generalizada no Afeganistão, Rússia e China trabalham para ocupar o vácuo deixado pela retirada norte-americana do país do sul asiático. Potências regionais, Turquia e Irã também buscam estabelecer mais influência.

Nesta quinta-feira (8), o presidente americano, Joe Biden, anunciou o "fim da missão" no país em 31 de agosto, dez dias antes do previsto. Na semana passada, as forças americanas desocuparam após duas décadas a base aérea de Bagram, a principal do país.

Militar afegão faz guarda sozinho em Qala-i-Naw, capital da conflagrada província de Badghis
Militar afegão faz guarda sozinho em Qala-i-Naw, capital da conflagrada província de Badghis - AFP

Os EUA invadiram o Afeganistão em 2001 para derrubar o grupo fundamentalista Taleban, que governava desde 1996 a maior parte do país e deu guarida à rede Al Qaeda, responsável pelos ataques do 11 de setembro daquele ano contra Nova York e Washington.

Biden voltou a dizer que os objetivos eram evitar mais ataques a solo americano bolados no país e a neutralização de Osama bin Laden, o líder da Al Qaeda que só foi morto em 2011. "Nós alcançamos esses objetivos, foi para isso que fomos. Não fomos ao Afeganistão para construir uma nação", disse, afirmando que isso cabe aos afegãos.

Com a decisão de Biden de encerrar a presença no país, o Taleban, que nunca deixou de existir e vinha ganhando força, está próximo de reconquistar o poder, à força ou por acordos, uma vez que participou das negociações para a retirada ocidental.​

Segundo o governo afegão, 15 das 34 capitais regionais do país estão sob risco de serem tomadas. A atividade em torno de uma delas, Mazar-i-Sharif, trouxe Moscou para o tabuleiro afegão 32 anos depois de fazer sua própria retirada —os soviéticos ocuparam o país por dez anos. No fim de semana, forças afegãs tiveram de recuar de ataques talebans perto da fronteira do Tadjiquistão, país vizinho e principal aliado de Vladimir Putin na Ásia Central. Cerca de mil soldados entraram e saíram de território tadjique várias vezes.

Na quarta (7), Moscou respondeu. "Se o Tadjiquistão for atacado, vamos honrar nossos compromissos", disse o chanceler Serguei Lavrov. No caso, o de defesa territorial do aliado, sob os termos da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, entidade eurasiana comandada pelo Kremlin.

Ele confirmou que a Rússia deverá ativar uma base na fronteira afegã-tadjique para reforçar a segurança local. Moscou tem 6.000 soldados baseados na ex-república soviética.

São dois fatores a mover Lavrov. Primeiro, a oportunidade política de sugerir a estabilização de uma região e culpar os rivais Estados Unidos e Otan (aliança militar ocidental), cujos membros também estão deixando o Afeganistão, pela confusão. Segundo, a necessidade real de ver o Tadjiquistão estável, já que integra uma fronteira vital no xadrez da Ásia Central, uma das áreas que garantem profundidade estratégica a Moscou ante a China e elementos radicais islâmicos.

Também nesta quinta, o Reino Unido completou sua retirada de forças do Afeganistão, onde perdeu 457 soldados nos 20 anos de presença militar —ante 2.300 americanas (mais 4.000 mercenários) e um cômputo total de 160 mil pessoas ao todo, segundo a Universidade Brown (EUA).

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Mais relevante, contudo, foi a fala de Nick Carter, chefe do Estado-Maior da Defesa britânica, que apontou o risco óbvio de uma guerra civil. Segundo ele, "as forças de segurança podem se fragmentar em linhas étnicas e tribais", como ocorreu no conflito após a saída soviética, que desaguou na ascensão do Taleban.

A consideração é especialmente dura para os EUA, que investiram milhões para treinar e equipar as Forças Armadas afegãs, que contam até com aviões de ataque brasileiros Super Tucano doados pelos americanos. Isso tudo fora o temor da volta das práticas medievais de opressão a mulheres e minorias que marcou o regime taleban encerrado em 2001.

Além da Rússia, outras potências com interesses na região se mobilizam. Nesta quinta, a China afirmou que a crise afegã merece sua atenção em conjunto com o Paquistão, vizinho que ajudou a organizar o Taleban nos anos 1990 porque via a oportunidade de ter um aliado a oeste contra a rival Índia.

"[China e Paquistão] devem defender a paz regional juntos. Os problemas no Afeganistão são problemas práticos que enfrentamos. A China, assim como o Paquistão, busca apoiar os partidos afegãos para encontrar uma solução por meio do diálogo", afirmou o chanceler Wang Yi.

Com a saída americana, a crise afegã preocupa a ditadura comunista por ser um fator de instabilidade numa região na qual ela tem expandido influência econômica, por meio da iniciativa Cinturão e Rota.

O Paquistão é um cliente de Pequim, tendo substituído Washington como principal fornecedor de armas e integrado o vizinho a um corredor econômico no oceano Índico. Já os EUA se aproximaram mais da Índia, que tem contenciosos graves com os chineses, tendo ido às vias de fato numa escaramuça em 2020.

O Taleban resiste aos chineses, que já desenharam planos para absorver o Afeganistão à sua esfera de influência, prometendo inclusive uma rodovia moderna ligando Cabul a Peshawar, a capital das regiões tribais paquistanesas onde o grupo fundamentalista brotou.

Não são só grandes potências de olho no país. A Turquia, em linha com a política expansionista de Recep Tayyip Erdogan, negocia para ser o responsável pela segurança do aeroporto de Cabul. Empresas turcas já têm forte presença por lá. E o Irã, que divide a língua com o segundo principal grupo étnico afegão, os tadjiques, mantém forte influência naquela comunidade, dominante na região noroeste do país.

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