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Estátua de 1ª mulher com diploma universitário provoca controvérsia na Itália

Vereadores de Pádua propõem mover obra que homenageia Elena Piscopia para praça onde há 78 monumentos masculinos

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BAURU (SP)

Setenta e oito estátuas estão distribuídas na Prato della Valle, a maior praça da Itália e uma das maiores de toda a Europa. Os monumentos homenageiam personalidades como o cientista Galileu Galilei, o poeta Francesco Petrarca, o escultor Antonio Canova e vários papas.

Todos as figuras celebradas têm alguma ligação com Pádua, seja por terem nascido, vivido ou desenvolvido laços com a cidade no norte da Itália. E todos são homens.

Estátuas em Prato della Valle, maior praça da Itália e uma das maiores da Europa, na cidade de Pádua - Manuel Romano/NurPhoto - 10.set.21/Xinhua

O déficit na representação feminina não é uma exclusividade de Pádua. Em toda a Itália, de acordo com levantamento da Mi Riconosci, associação italiana de profissionais do setor de patrimônio cultural, há apenas 148 estátuas representando mulheres no país, sejam elas figuras reais, lendárias ou anônimas —como uma camponesa guerreira "sexy" erguida em Sapri.

A partir desse censo de estátuas, influenciados pela onda global que busca rever a representação de figuras históricas, Margherita Colonnello e Simone Pillitteri, vereadores de centro-esquerda de Pádua, propuseram que a praça seja o novo lar de uma escultura em homenagem a Elena Lucrezia Cornaro Piscopia (1646-1684), a primeira mulher no mundo a receber um diploma universitário.

"Talvez nem todos saibam que as figuras a quem as efígies de pedra são dedicadas sejam todas, sem exceção, de homens", escreveu a dupla em uma moção apresentada ao Legislativo de Pádua.

Retrato de Elena Piscopia (1646-1684) - Divulgação/Wikimedia

Piscopia nasceu em Veneza, filha de um nobre e de uma camponesa. Conta a enciclopédia Brittanica que ela começou a receber aulas de grego e de latim aos sete anos de idade e, mais tarde, tornou-se fluente também em francês, espanhol e hebraico. Além de poliglota, Piscopia estudou matemática, astronomia, filosofia, música e teologia, área em que se especializou. Aos 26, foi recomendada por um de seus tutores à Universidade de Pádua. A ideia era que a instituição concedesse a ela o título de doutora em teologia.

À época, o bispo de Pádua, que também respondia pela universidade, apoiou a solicitação, mas só porque entendeu que o que ela buscava era o doutorado em filosofia. Quando o cardeal Gregorio Barbarigo soube que o objetivo era o diploma em teologia, negou o pedido, porque Piscopia era uma mulher.

Ainda que contrariada, ela seguiu nos estudos de filosofia e conseguiu o título de doutorado na área em 1678. Na defesa de sua tese, Piscopia teve que esmiuçar, em latim, dois textos de Aristóteles escolhidos aleatoriamente —o que fez com maestria, tornando-se a primeira doutora do mundo.

Segundo a Brittanica, Piscopia viveu mais seis anos após conquistar o diploma, período no qual continuou a se dedicar aos estudos acadêmicos e a ações religiosas destinadas aos pobres. Quando morreu, aos 38, seu funeral foi marcado por cerimônias em Veneza, Pádua, Siena e Roma. Apesar do pioneirismo e das ligações com Pádua, Piscopia não ganhou uma estátua na Prato della Valle. Pelo menos não até agora.

Projeção da estátua de Elena Piscopia se movida para a Prato della Valle, em Pádua, na Itália - Reprodução/Reuters

Quando foi construída, no século 18, a praça tinha 88 esculturas. Dez delas foram destruídas quando Napoleão conquistou Veneza. Oito foram substituídas por obeliscos e dois pedestais permanecem vazios —é sobre um deles que os vereadores querem posicionar a estátua em homenagem a Piscopia.

Para Federica Arcoraci, historiadora da arte ligada à Mi Riconosci, a formação exclusivamente masculina da Prato della Valle tem um impacto na imaginação coletiva. "Obviamente, isso foi fruto de uma tendência particular da história. Mas hoje é possível fazer um projeto que esteja conectado com a história da praça em sua totalidade", disse ao jornal britânico The Guardian.

A historiadora explica ainda que o projeto original da praça em Pádua proibia estátuas de santos, de pessoas vivas e de pessoas sem vínculo com a cidade —nunca houve restrição a mulheres.

Mesmo assim, há quem se oponha a ceder um dos pedestais vazios à memória de Piscopia. Carlo Fumian, professor de história da Universidade de Pádua, descreveu a ideia como "fora de contexto". Para ele, o projeto é "caro e bizarro", além de "um pouco moderno, mas culturalmente inconsistente".

"Mover monumentos como se fossem [peças de] Lego é um jogo perigoso e pouco inteligente", disse Fumian ao jornal local Il Mattino di Padova. "Em vez disso, devemos ajudar as pessoas a descobrir a [estátua] original, triunfantemente sentada na universidade."

Estátua de Elena Piscopia em exposição na Universidade de Pádua, na Itália - Joe Shlabotnik

O professor faz referência ao monumento já erigido em homenagem a Piscopia. A estátua foi construída a pedido do pai da acadêmica em 1684, mesmo ano de sua morte. Quase um século depois, em 1773, foi doada à Universidade de Pádua, onde segue em exposição no Palazzo Bo, sede histórica da instituição.

Outros opositores à ideia de colocar Piscopia na praça alegam que os pedestais devem permanecer vazios porque representam o momento histórico da invasão da cidade pelas tropas de Napoleão. Segundo o Guardian, o superintendente do patrimônio cultural de Pádua não descarta a ideia de homenagear uma mulher na maior praça do país, mas, nesse caso, preferiria reverenciar uma figura feminina mais recente.

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