Descrição de chapéu Financial Times Ásia

Jovens na Tailândia vestem crop-top para zombar da monarquia, que se irrita

Peça, usada pelo rei Maha Vajiralongkorn no exterior, torna-se símbolo de protesto contra o governo

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John Reed
Bancoc (Tailândia) | Financial Times

No auge dos protestos pró-democracia na Tailândia, jovens ativistas organizaram um falso desfile de moda brega numa rua de Silom, bairro de Bancoc conhecido como centro da vida noturna gay.

Um dos modelos que deslizaram pelo tapete vermelho em 29 de outubro de 2020 foi Sainam, 16, com um crop-top preto, peça para ginástica que o rei Maha Vajiralongkorn foi fotografado usando em suas estadas na Alemanha e na Suíça.

Mulher e homem de crop-top e máscara, com mensagens de protesto escritas na barriga
O ativista Parit 'Pinguim' Chiwarak, à dir., acusado de crime lesa-majestade por usar crop-top em sinal de protesto - Matthew Tostevin - 20.dez.20/Reuters

A Passarela do Povo deveria ser uma provocação satírica à filha do rei, a princesa Sirivannavari Nariratana, estilista que apresentava um desfile na mesma noite em outra parte de Bancoc. Foi uma das muitas manifestações organizadas no segundo semestre de 2020, quando jovens ativistas fizeram história, exigindo limites ao poder do rei, cujo papel na ordem constitucional raramente é contestado em público.

Os ativistas estavam testando os limites da dura lei de lesa-majestade do reino, que considera um crime punível com até 15 anos de prisão "difamar, insultar ou ameaçar" membros da família real.

Pouco mais de um ano depois, Sainam —seus advogados não divulgam o sobrenome dele em razão de sua idade— é uma das dezenas de pessoas acusadas de lesa-majestade pelo desfile de moda e um outro incidente em que foi acusado de pichar com spray um retrato do rei.

Jatuphon Saeung, 22, uma participante do desfile, foi indiciada depois de posar com um terno rosa e bolsa clutch que pareciam as usadas pela mulher do rei, a rainha Suthida.

As acusações fazem parte da repressão à dissidência política e à livre expressão na Tailândia em uma escala que não se via há anos e que aumentou nos últimos meses, segundo grupos de direitos humanos. Desde novembro, o Tribunal Constitucional da Tailândia efetivamente proibiu o debate sobre a reforma da monarquia, e a autoridade de comunicação do país advertiu a mídia a não comentar o assunto.

As autoridades negaram fiança a alguns ativistas e revogaram os passaportes de outros. O governo do primeiro-ministro Prayuth Chan-ocha, monarquista e apoiado pelos militares, aprovou um projeto de lei sobre organizações não governamentais que poderá obstruir ou impedir grupos da sociedade civil de trabalharem na Tailândia, segundo a Anistia Internacional.

"O nível de opressão atingiu um novo pico", disse Sunai Phasuk, pesquisador da Human Rights Watch. "Isto não é só sobre visar ativistas ou ONGs, grupos de direitos humanos ou a mídia; trata-se de fechar completamente o espaço cívico."

Um porta-voz do governo disse que a lei das ONGs precisará respeitar a Constituição e acrescentou que eles compreendem as preocupações dos grupos cívicos, mas há necessidade de "prestação de contas e transparência" nesse setor. O porta-voz não respondeu a perguntas sobre os processos de lesa-majestade ou advertências à mídia.

A associação Advogados Tailandeses pelos Direitos Humanos, que representa algumas das pessoas acusadas, inclusive crianças, disse ter lidado com 164 casos envolvendo 168 indivíduos no último ano, o maior número que já atendeu. "Antes tínhamos casos de pessoas destacadas, mas não em número tão grande", disse o advogado Sirikan Charoensiri. "E as pessoas que estão sendo acusadas são jovens."

Segundo grupos de direitos humanos e ativistas, os protestos em que os manifestantes usaram as blusas curtas parecem ter tocado um nervo. Sete pessoas, incluindo o líder de protestos Parit Chiwarak, conhecido como "Pinguim", e dois jovens de 17 anos também foram acusados de lesa-majestade depois de usarem crop-tops em outro protesto em dezembro de 2020 em um shopping center de Bancoc.

"É muito difícil dizer por que essa forma de indumentária pode ser um insulto ou difamação ao rei", disse Yingcheep Atchanont, diretor da ONG tailandesa iLaw. Nos primeiros anos do reinado de Vajiralongkorn, que sucedeu a seu pai, Bhumibol Adulyadej, em 2016, não foram feitas acusações desse crime.

Mas isso mudou em 2020, depois que os jovens ativistas chocaram os tailandeses tradicionais exigindo a renúncia de Prayuth, assim como a imposição de limites ao poder da monarquia e aos fundos pagos pelos contribuintes que a sustentam.

Em outubro daquele ano, manifestantes marcharam diante da embaixada alemã em Bancoc para pedir que Berlim abrisse uma investigação sobre se o rei estava governando a Tailândia do território alemão.

Além de suas exigências políticas, os líderes dos protestos também imitaram ou zombaram da realeza em algumas manifestações. Pinguim vestiu trajes que pareciam zombar da rainha Suthida e da rainha-mãe, Sirikit, enquanto manifestantes usando crop-tops apareceram com frequência em comícios.

O rei é visto em público em seu país em uniformes especiais ou de terno. Mas fotógrafos captaram o monarca, entusiasta do ciclismo, usando o top curto na Europa. Os tailandeses compartilharam amplamente as fotos, embora alguns monarquistas afirmassem que as imagens eram forjadas.

Enquanto promotores tailandeses que reprimem a suposta difamação real não afirmaram que usar top-crop é crime, acusaram os manifestantes de zombar ou insultar o rei ou outros membros da família real. Participantes do ato no shopping center escreveram slogans antimonarquistas em suas barrigas e costas.

Em novembro, as autoridades deportaram Yan Marchal, um francês há muito tempo residente na Tailândia, descrevendo-o como um perigo para a população. Falante de tailandês, Marchal postou vídeos satíricos em que zombava de Prayuth e de outras figuras tailandesas, incluindo um em que ele se exibia comicamente num crop top e fazia referência às longas estadas do rei na Alemanha.

"Documentamos questões de liberdade de expressão há mais de dez anos", disse Yingcheep, da iLaw. "Podemos dizer que o último ano foi o mais desafiador que já tivemos."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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