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Sergio Duarte

Nova Guerra Fria pode gerar ponto de inflexão em prol do reforço da segurança global

Não faltam atritos, mas EUA, China e Rússia têm sabido evitar atos que levem ao rompimento do instável equilíbrio existente

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Sergio Duarte

Embaixador, foi alto representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento. É presidente das Conferências Pugwash sobre Ciência e Assuntos Mundiais

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, até a dissolução da União Soviética, em 1989, o mundo se tornou refém do enfrentamento ideológico a que se chamou Guerra Fria e que por vezes ameaçou derivar para um conflito nuclear catastrófico.

A hostilidade e a desconfiança mútuas entre os Estados Unidos e a URSS provocaram uma acirrada competição em busca de influência política, além de uma corrida armamentista que prossegue até hoje. Pode-se dizer que a Guerra Fria original não terminou —apenas se modificou, com a crescente rivalidade entre Pequim e Washington a partir do final da década de 1970.

O presidente dos EUA, Joe Biden, à esq., durante videoconferência com o líder chinês, Xi Jinping
O presidente dos EUA, Joe Biden, à esq., durante videoconferência com o líder chinês, Xi Jinping - Mandel Ngan - 15.nov.21/AFP

Há mais diferenças do que semelhanças entre as situações acima descritas. O antagonismo EUA-URSS se baseava em uma profunda e irreconciliável dicotomia ideológica. Ambos buscavam supremacia militar e apoio político e econômico em um mundo bipolar que já não existe no ambiente globalizado de hoje.

O Pacto de Varsóvia desapareceu, e a Otan se metamorfoseou, avançando para o leste. As atuais divergências entre EUA e Rússia são preponderantemente políticas e com a China, econômicas.

O poderio bélico atual da Rússia e dos EUA pode ser considerado equivalente, enquanto o da emergente potência asiática é quantitativa e qualitativamente inferior. Os americanos possuem um total de 5.550 ogivas nucleares, das quais 1.700 em posição de tiro, enquanto a Rússia tem 6.257 ogivas, com 1.600 prontas para disparo. Estima-se que a China disponha de cerca de 300 a 400.

A Guerra Fria da segunda metade do século 20 se exprimia na acumulação de megatons, enquanto os três atuais participantes parecem privilegiar a preservação de uma ordem internacional controlável que ofereça —ao menos por enquanto— mais vantagens do que riscos. Não faltam provocações e atritos, mas cada qual tem sabido evitar atitudes que possam levar ao rompimento do instável equilíbrio existente.

Embora sejam ainda a nação mais poderosa do globo, os EUA parecem haver compreendido ser impossível atuar de maneira hegemônica no cenário mundial, como ocorreu no final do século 20.

Um entendimento viável e duradouro com China e Rússia será essencial para o tratamento de questões regionais e globais de crucial importância, como a eventual desnuclearização da península coreana, a nova realidade no Afeganistão e os perigos de proliferação nuclear no Oriente Médio e alhures.

O êxito na negociação e adoção de normas e padrões internacionais de conduta que fortaleçam a paz e a segurança, porém, depende necessariamente do esforço coletivo. Desconfiança e hostilidade entre os protagonistas levarão fatalmente a um mundo mais perigoso e menos capaz de promover a busca de soluções comuns para problemas comuns.

Essa tarefa requer visão, moderação e acima de tudo comportamento racional por parte dos líderes mundiais, assim como estímulo e cooperação dos demais países e da sociedade civil, evitando atritos desnecessários, priorizando interesses convergentes e levando em consideração os objetivos e aspirações maiores da comunidade internacional.

A evolução da nova Guerra Fria poderá gerar um ponto de inflexão em prol do reforço da segurança de toda a humanidade. Nesse contexto, um novo paradigma de segurança mundial terá de ser não discriminatório, a fim de proporcionar garantias para todos, não apenas a uns poucos países armados.

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