Peso da monarquia britânica na política mudou, e apoio caiu entre jovens

Pesquisa do YouGov mostrou, porém, que 83% dos britânicos tinham opinião positiva sobre a rainha Elizabeth 2ª

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Bruxelas

Qual a importância da monarquia britânica? É a coluna que sustenta a estabilidade política britânica? Um totem simbólico que assegura a unidade da população? Um instrumento de marketing cultural? A última remanescência de um passado imperial? Faz sentido ainda hoje?

Sim, faz sentido, mas cada vez menos, a julgar por pesquisas recentes. Na média da população adulta, 61% dos britânicos disseram em abril de 2021 ao instituto YouGov que preferiam manter um monarca como chefe de Estado, contra 24% dos que gostariam de eleger seu representante institucional.

A rainha Elizabeth 2ª assiste a cerimônia militar no Castelo de Windsor
A rainha Elizabeth 2ª assiste a cerimônia militar no Castelo de Windsor - Chris Jackson - 12.jun.21/AFP

Os pró-monarquia haviam se reduzido levemente em relação aos 65% que deram resposta semelhante em 2019, mas ainda era o dobro dos republicanos. Não é simples, porém, determinar a parcela dessas respostas influenciada pela popularidade da rainha Elizabeth 2º, que completa 70 anos no cargo neste domingo (6). Em novembro de 2021, ela tinha taxa de aprovação muito superior à de seus sucessores.

Os que diziam ter opinião positiva sobre a rainha eram 83%, enquanto 60% diziam o mesmo do sucessor imediato, o príncipe Charles. E, embora a rainha tivesse 95 anos à época da sondagem, quase dois terços (64%) queriam que ela ficasse no cargo até o fim da vida —um quinto (19%) preferia que ela renunciasse.

Mesmo com todo apoio a Elizabeth 2ª, a pesquisa do YouGov detectou uma virada inédita na opinião dos mais jovens. Entre os britânicos de 18 a 24 anos, a parcela dos que preferem um chefe de Estado eleito (41%) superou a dos que apoiam um monarca (31%). Quando a mesma pergunta foi feita em 2019, os jovens pró-monarquia eram 46%, e os que preferiam a via eleitoral, apenas 26%.

Se a relação custo-benefício também estiver por trás da escolha pelo regime político, a tendência de desapreço progressivo à monarquia pode indicar que os ganhos percebidos não parecem compensar os gastos, ainda que eles já tenham sofrido um corte em 2010.

Por ano, cada contribuinte britânico paga 58 centavos de dólar (R$ 3,09) para sustentar a família real, um financiamento questionado por parte da população. A maioria aceita custear as despesas da rainha, do príncipe Charles e da família do príncipe William, mas é contra a mesada dada a outros parentes.

Já o lado dos ganhos é mais difícil de medir, e o debate envolve historiadores, cientistas sociais e até psicanalistas, mas faltam estudos empíricos que testem hipóteses e embasem conclusões, afirmam Richard Rose e Dennis Kavanagh, autores de "A Monarquia na Cultura Política Contemporânea".

Na obra, dos anos 1970, eles usam pesquisas quantitativas e análise histórica para explorar algumas das hipóteses mais comuns. Segundo os cientistas sociais, a monarquia perdeu importância institucional nas nações ocidentais, nas quais o chefe de governo não precisa mais ser comissionado por um soberano.

Pesquisas de opinião que mostram aprovação alta a um rei ou a uma rainha também não são a melhor forma de entender a importância que a população dá à monarquia, argumentam Rose e Kavanagh. O melhor, nesses casos, é comparar a relevância atribuída a diferentes cargos.

No levantamento apresentado por eles, o cargo de primeiro-ministro é citado como muito importante por 59% dos britânicos, enquanto só 22% dizem o mesmo sobre o posto de monarca. Somadas as porcentagens de muito importante e importante, o premiê aparece com 91%, e a rainha, com 54%, atrás dos parlamentares (90%) e dos funcionários públicos graduados (80%).

Num ranking de 12 instituições com influência na opinião dos cidadãos, a família real aparecia em décimo, atrás de sindicatos, igrejas, políticos e da imprensa, entre outros.

Por outro lado, os britânicos davam à rainha a melhor avaliação sobre o desempenho de suas funções. Eram 88% os que consideravam que ela realizava bem suas tarefas, contra 61% dos que tinham a mesma opinião do premiê. "Em outras palavras, a rainha é um bom ator em um papel menos relevante da peça. Isso é melhor que atuar mal em um papel de protagonista", afirmam os autores.

Eles argumentam também que mudanças na sociedade alteraram o peso político da monarquia. "O desaparecimento de uma classe servil aconteceu ao mesmo tempo em que a educação se universalizou pela massa e cresceram demandas de governo representativo no mundo ocidental."

Enquanto a população se emancipou, os reis que permaneceram abriram mão de poder e se afastaram de figuras do século 19, a quem se devia obediência absoluta. Na Europa, desde 1850, só sete monarquias sobreviveram continuamente: Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Suécia e Reino Unido.

Treze desapareceram para dar lugar a repúblicas —Albânia, Áustria-Hungria, Bulgária, Alemanha, França, Grécia, Islândia, Portugal, Itália, Romênia, Turquia e Iugoslávia— e oito países foram criados já sob sistema republicano: a antiga Tchecoslováquia, Estônia, Letônia, Lituânia, Finlândia, Irlanda, Polônia e Suíça.

A monarquia espanhola foi a única a recuperar seu papel à frente do Estado durante o século 20.

Isso mostra, segundo Rose e Kavanagh, que a monarquia não garante mais estabilidade política a um país nem é por si um sistema mais duradouro. Também contestam a hipótese de que o rei seja um totem que permite à população reafirmar sua identidade: "O nacionalismo é um laço de união mais forte que a monarquia; por isso monarquias multinacionais implodiram".

De acordo com os autores, os Estados em que a monarquia sobreviveu foram aqueles em que os soberanos abriram mão do poder Executivo, algo que acompanha a história do Reino Unido desde o estabelecimento da monarquia constitucional, no século 17.

Ao dar esse passo atrás e se abster nas crises, os monarcas britânicos ficavam protegidos das consequências de seus desfechos, para o bem e para o mal. "Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quando só o canal da Mancha impediu uma conquista de Hitler, a figura que preencheu o vazio institucional e simbolizou a unidade nacional não foi real, mas [o primeiro-ministro] Winston Churchill."

Nesse novo papel contemporâneo, a importância da monarquia migrou para a atuação cerimonial, a filantropia e a representação de um modelo, uma família inatingível, como a de um conto de fadas, escreveu o historiador Andrzej Olechnowicz, da Universidade de Durham, na Inglaterra.

Para isso, ela depende fundamentalmente de como essas facetas reverberam na mídia, algo que Elizabeth 2ª percebeu desde cedo e soube aproveitar desde sua coroação, em 1953. A monarca decidiu que ela seria televisionada, levando milhares de famílias a comprarem seu primeiro aparelho, escreveu Victoria Larchenko em capítulo sobre a família real britânica nas mídias sociais, no livro "Cultura Pop na Europa".

As antenas reais não perderam a sintonia ao longo das décadas. O site oficial da monarquia britânica foi lançado em 1997, com um discurso da rainha na Kingsbury High School de Londres, e em outubro de 2014 ela postou seu primeiro tuíte em frente a 600 visitantes na abertura da exposição "A Era da Informação".

Sob a hashtag #TheQueenTweets, a mensagem em inglês ocupou 135 caracteres: "É um prazer inaugurar a mostra 'A Era da Informação' hoje no Science Museum e espero que as pessoas gostem de visitá-la. Elizabeth R". Além do Twitter, a família real tem uma ou mais contas no Facebook, no Flickr, no Instagram, no YouTube, no Google Plus e no Linkedin, somando milhões de seguidores.

Se a sobrevivência da monarquia estiver de alguma forma ligada à popularidade nas redes sociais, os herdeiros podem estar no caminho certo. As contas do palácio de Kensington, onde vive o segundo na linha de sucessão, o príncipe William, e sua mulher, Kate, estão hoje entre as mais populares da realeza.

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