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Gabriel Boric assume no Chile com críticas da esquerda e sob aura da tradição

Posse do esquerdista terá presença de Mourão, Dilma, Fernández e outros líderes; ditadores não foram convidados

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Buenos Aires

Entre as sólidas tradições cerimoniais para a posse do novo presidente, grandes desafios e uma onda de críticas por parte de seus próprios eleitores, Gabriel Boric assume o comando do Chile nesta sexta-feira (11).

Boric enfrenta duras críticas de parte da esquerda que o elegeu por um conjunto de fatores, como montar um gabinete de ministros de centro-esquerda, mais moderado, defender um ritmo gradual para as reformas tributária e da Previdência e não dar garantias imediatas de libertação aos chamados "presos políticos" —pessoas privadas de liberdade durante os protestos de 2019 e nos conflitos por terra no sul do país.

"Sem dúvida, [os eleitores de esquerda] serão aqueles que farão mais cobranças nesse início de governo", diz à Folha a analista política Claudia Heiss. "Para ganhar a eleição, Boric foi ao centro o máximo que pôde e assim perdeu espaço na esquerda. Terá de mostrar vontade de implementar mudanças rapidamente, ao mesmo tempo que enfrenta os problemas que herda."

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, acena para imprensa e admiradores no intervalo de uma das suas reuniões nesta quinta (10), véspera da sua posse - Ivan Alvarado/Reuters

Um dos temas que não poderá esperar é o do estado de exceção, que militarizou o sul e o norte do país em outubro de 2021 e cujo prazo está por vencer.

No sul, a situação com os grupos mapuches parece ter se acalmado, mas ao norte, na região de Iquique, a tensão persiste. A nova ministra do Interior, Izkia Siches, manifestou a possibilidade de levar ao Congresso uma proposta de renovação da medida na região onde há enfrentamentos devido à chegada contínua de imigrantes em situação irregular.

"Se Boric assume e de cara envia ao Congresso o pedido de usar um recurso duro, como os que usou [Sebastián] Piñera, haverá protestos. Se for necessário mandar os 'carabineros' para reprimir protestos por isso, esse governo terá começado mal, pelo menos em relação a suas promessas", afirma Heiss.

Mas nem tudo será problema nesta sexta. Santiago se prepara para uma noite de festa popular na Alameda (principal avenida da capital) depois da cerimônia protocolar que ocorre durante o dia na cidade de Valparaíso, onde funciona o Congresso chileno.

Boric, 36, assume a Presidência depois de vencer no segundo turno o ultradireitista José Antonio Kast por 55,87% a 44,13% em 19 de dezembro.

A passagem da faixa presidencial ocorre no Salão de Honra do Congresso, seguindo a tradição estabelecida em 1990, quando o ditador Augusto Pinochet entregou o poder a Patricio Aylwin.

Enquanto Boric passará a noite anterior à posse em Valparaíso, o atual presidente, Piñera, chegará à cidade no seu tradicional Ford Galaxie, aberto, de onde poderá cumprimentar os chilenos presentes. O carro foi um presente da Rainha Elizabeth 2ª, do Reino Unido, e já transportou, além de mandatários, o ditador cubano Fidel Castro, o poeta Pablo Neruda e a primeira-ministra indiana Indira Gandhi.

Entre diversos chefes de Estado, estarão presentes o rei Felipe 6º, da Espanha, o argentino Alberto Fernández, o equatoriano Guillermo Lasso, o paraguaio Mario Abdo Benítez, o boliviano Luis Arce e o uruguaio Lacalle Pou. O Brasil será representado por Hamilton Mourão. O vice-presidente brasileiro foi recebido por Boric em Santiago nesta quinta-feira.

O vice-presidente do Brasil, Hamilton Mourão, e o presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, durante reunião em Santiago - Presidência do Chile/Divulgação - 10.mar.22/Reuters

Os ditadores da Nicarágua, Daniel Ortega, e da Venezuela, Nicolás Maduro, bem como o líder do regime cubano, Miguel Díaz-Canel, não foram convidados.

Estarão presentes alguns convidados que representam uma esquerda que Boric admira. Um deles é o candidato líder nas preferências na Colômbia, Gustavo Petro, o ex-vice-presidente da Bolívia Alvaro García Linera, representantes da Frente Ampla uruguaia, o espanhol Íñigo Erregon e dissidentes do sandinismo, como os escritores Sergio Ramírez e Gioconda Belli.

A ex-presidente brasileira Dilma Rousseff também está entre os confirmados na lista divulgada pelo cerimonial, bem como o trabalhista britânico Jeremy Corbyn.

Em visitas de delegações, eleito ganha um Pokémon

Tanto Boric como Piñera receberam ao longo do dia as diversas delegações que viajaram a Santiago para a posse. Mourão, aliás, se encontrou também com o presidente que deixa o posto nesta sexta.

Um dos pontos altos dos encontros do eleito se deu com o ministro das Relações Exteriores japonês, Kiyoshi Odawara, que presenteou Boric com pelúcias dos personagens do desenho "Pokémon". Em suas redes sociais, o político já havia dito ser fã da série e do monstrinho Squirtle, uma espécie de tartaruga.

Mais tarde, o chileno foi às redes agradecer o presente, com um vídeo do momento em que recebeu o Pokémon.

Rua Órfãos, entre Liberdade e Esperança

Enquanto isso, em Santiago, a casa escolhida pelo presidente eleito para viver com sua companheira, Irina Karamanos, é fonte de atenção e atrai pessoas que querem tirar selfies.

Como o Chile não possui uma residência oficial para o presidente, foi necessário buscar um novo imóvel, uma vez que a casa original de Boric fica em Punta Arenas, no sul do país.

Boric e Karamanos vão morar no bairro central e popular de Yungay, no centro. Uma comuna histórica em que as ruas são de pedra, não de asfalto, e a maioria das construções data do século 19. É um lugar agitado, com bares, restaurantes e praças. Também há perto da nova morada de Boric uma loja de discos de vinil, da qual o presidente eleito já se fez freguês.

O endereço é quase poético: a rua Huérfanos (órfãos) fica entre as ruas Libertad e Esperanza.

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