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Guerra na Ucrânia: Conflito já danificou ao menos 80 locais culturais, diz Unesco

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São Paulo

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A guerra na Ucrânia provocou danos totais ou parciais em pelo menos 80 locais de valor histórico, cultural ou religioso no país, informa a Unesco em um levantamento preliminar atualizado até a última quarta-feira (6).

São museus, teatros, igrejas, monumentos e outras estruturas situadas em oito regiões do país e que foram atingidas direta ou indiretamente pelos ataques desde o início da invasão russa, em 24 de fevereiro.

O balanço, fornecido à Folha pelo braço da ONU para educação e cultura, lista os locais danificados que a entidade conseguiu confirmar após a checagem de denúncias recebidas principalmente de autoridades do governo ucraniano.

As informações foram cruzadas com outras de órgãos das Nações Unidas, agências de notícias e ONGs. "Nossos especialistas se baseiam em fotos, vídeos, imagens de satélite e qualquer outro documento que possa ajudar a provar a veracidade da destruição", explicou à reportagem o escritório da Unesco, com sede em Paris.

Até agora, a entidade computa estragos em 36 prédios religiosos, 27 históricos, dez monumentos, seis museus e uma biblioteca.

O maior número de instalações afetadas está na região de Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana e reconhecida pela Unesco como Cidade Criativa para a Música.

Entenda: Situada no leste ucraniano, Kharkiv vem sendo um dos alvos preferenciais das forças de Vladimir Putin na tentativa de dominar a região.

  • A cidade foi bombardeada 66 vezes num período de 24 horas, conforme divulgou o Ministério das Relações Exteriores ucraniano em seu boletim de guerra no domingo.

Na região de Kharkiv, a Unesco cita entre os 22 locais culturais danificados o memorial de Drobitski Yar, uma homenagem aos judeus ucranianos assassinados no local durante a ocupação nazista da União Soviética, na Segunda Guerra Mundial. Lá, uma escultura no formato de um candelabro está queimada e teve os braços partidos após um ataque atribuído à Rússia no último dia 26.

Também estão na lista as sedes do Museu de Arte e do Teatro Acadêmico Nacional de Ópera e Balé de Kharkiv. A Unesco não detalha o grau dos estragos em cada local e afirma que uma análise mais aprofundada será feita antes da divulgação da lista definitiva.

Ainda no leste, um dos episódios mais emblemáticos da destruição e da tragédia humanitária causadas pelo conflito, que se aproxima de 50 dias, é o teatro de Mariupol. A Ucrânia estima que cerca de 300 pessoas que tentavam se proteger das tropas russas no local morreram após um ataque aéreo em 16 de março. O Kremlin nega a ação.

Na região de Kiev, o Museu de História Local de Ivankiv foi atingido em 27 de fevereiro. O prédio abrigava obras da renomada pintora Maria Primachenko (1909-1997), uma das principais do país. O Ministério da Defesa ucraniano declarou que 25 trabalhos da artista foram incendiados, mas não há confirmação por outras fontes. Ao todo, foram registrados danos em 13 instalações na capital e seus arredores.

A Unesco ressalta que nenhum dos locais identificados até agora é classificado como Patrimônio Mundial, reconhecimento máximo do órgão da ONU. Nessa categoria, a Ucrânia possui:

  • 6 locais reconhecidos como Patrimônio Cultural Mundial;

  • 1 local reconhecido como Patrimônio Natural Mundial;

  • 4 citações na lista de Patrimônio Cultural Imaterial ou Intangível, que engloba saberes, tradições e outras práticas representativas de um povo.

Crime de guerra

A proteção dos bens culturais em conflitos armados é amparada por normas internacionais como a Convenção de Haia de 1954, criada no contexto da análise da destruição causada pela Segunda Guerra.

Pelo acordo, assinado por Rússia e Ucrânia, os países se comprometeram a:

  • em conflito, respeitar os bens culturais situados tanto em seu próprio território quanto no território do adversário;

  • em tempo de paz, preparar a salvaguarda dos bens culturais situados em seu próprio território contra as consequências previsíveis de um conflito armado.

Outra norma importante é o Estatuto de Roma (1998), que rege o TPI (Tribunal Penal Internacional). O texto inclui entre os elementos que configuram crimes de guerra promover ataques intencionais contra edifícios dedicados à religião, educação, arte, ciência e monumentos históricos que não sejam objetivos militares.

E já houve caso de condenação por danos ao patrimônio histórico mundial.

  • Em uma decisão histórica em 2016, o TPI sentenciou a nove anos de prisão um membro do grupo extremista Ansar al Dine por ter liderado ataques que destruíram mausoléus e danificaram uma mesquita no Mali.

Perdas intangíveis

A pesquisadora Izabela Tamaso, professora da UFG (Universidade Federal de Goiás) e especialista em preservação do patrimônio, lembra que a importância dos bens culturais vai além do reconhecimento oficial de entidades como a Unesco ou o próprio governo ucraniano.

"São patrimônios afetivos que estão sendo destruídos", diz. Prova disso é a mobilização de ucranianos que fizeram barricadas para proteger estátuas e prédios. "É muito representativo de como um povo identifica o que é um patrimônio para si e tenta protegê-lo como se fosse a própria vida."

Tamaso, membro do Conselho Consultivo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), diz que a maior perda relacionada ao patrimônio cultural em tempos de guerra é sobre os bens intangíveis —como tradições, saberes e ofícios que deixam de serem transmitidos em razão da morte de povos ou até pelo deslocamento de sua população.

Mais de 4,6 milhões de pessoas deixaram a Ucrânia desde o início da invasão, segundo a ONU, e outros 7,1 milhões que tiveram de se deslocar internamente para fugir do conflito.

"Sobre um bem material reside um bem intangível, e todo bem intangível só existe com suporte da materialidade. Na guerra, a gente perde esse conjunto", afirma a pesquisadora.

Para auxiliar na redução da perda desses bens intangíveis, a iniciativa Backup Ukraine disponibilizou uma plataforma para que objetos possam ser escaneados em 3D e salvos online, preservando sua memória mesmo que sejam destruídos.

O objetivo do projeto, realizado em colaboração com o Comitê Nacional Dinamarquês da Unesco, a Blue Shield Denmark, a Polycam (que detém a tecnologia) e o grupo de mídia Vice, ​é colocar a tecnologia nas mãos dos cidadãos ucranianos para que possam "capturar qualquer coisa que eles julguem culturalmente significante". Há imagens de esculturas, murais e até mesmo ruas, assim como carros e tanques destruídos.

No momento, a captura de trabalhos públicos está limitada a um grupo de voluntários que possuem permissão das autoridades e a iniciativa não recomenda que outros civis façam as capturas, mas é possível se inscrever pelo site.

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Homem caminha em Kharkiv diante de prédio da Academia Nacional de Administração Pública, parcialmente destruído em ataque
Homem caminha em Kharkiv diante de prédio da Academia Nacional de Administração Pública, parcialmente destruído em ataque - Alkis Konstantinidis/Reuters
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