Com Petro, Colômbia abraça América Latina e esvazia de vez liderança regional do Brasil

Para Fernanda Nanci Gonçalves, vitória marca mudança significativa com retomada das relações com a Venezuela

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São Paulo | Interesse Nacional

A eleição de Gustavo Petro na Colômbia enfocou temas importantes da política regional e reserva potencial para as relações internacionais do país e da região.

Por um lado, vê-se o crescimento de uma nova onda rosa de governos alinhados à esquerda na região. Por outro, e de forma mais relevante, Petro tem defendido retomar e melhorar as relações colombianas com a Venezuela. Fala em se aproximar de outros países da América Latina e foi eleito com a promessa de dar maior atenção à questão ambiental e da Amazônia —áreas em que o Brasil já tentou exercer liderança.

"A Colômbia sempre foi um país que esteve de costas para a América Latina. Agora, não. Há uma mudança significativa no discurso, o que mostra a necessidade de promover uma mudança no projeto de inserção regional do país", diz a professora de relações internacionais Fernanda Nanci Gonçalves.

O presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, discursa após vitória no segundo turno das eleições, em Bogotá
O presidente eleito da Colômbia, Gustavo Petro, discursa após vitória no segundo turno das eleições, em Bogotá - Vannessa Jimenez - 19.jun.22/Reuters

Gonçalves é doutora em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj) e coordenadora e professora do curso de relações internacionais no Centro Universitário La Salle-RJ. Ela, que falou ao portal Interesse Nacional, viveu na Colômbia e é autora de "A Articulação entre Política Externa e Defesa no Brasil e na Colômbia: Trajetória Institucional e Autonomia Decisória".

Qual a importância da vitória de Petro para o Brasil e para a América Latina? A eleição de Petro trará uma mudança significativa para a região como um todo com a retomada das relações diplomáticas com a Venezuela, o que pode trazer novo fôlego para buscar essa maior inserção da Venezuela na região. Petro também deixou claro que vai enfatizar as relações da Colômbia com a América Latina. Pela primeira vez a Colômbia vai assumir de forma mais enfática sua identidade latino-americana. A Colômbia sempre foi um país que esteve de costas para a América Latina. E agora há uma mudança significativa no plano do discurso, o que mostra a necessidade de promover uma mudança no projeto de inserção regional do país.

Que influência a eleição dele tem especificamente sobre o Brasil? Vai depender das eleições presidenciais do Brasil. Com a chegada de Petro vemos a retomada de uma onda progressista na região. O contexto regional está mudando, não é mais o mesmo contexto de quando Jair Bolsonaro chegou à Presidência.

Além disso, vai haver uma grande mobilização da Colômbia na área ambiental, e isso deve respingar nas relações bilaterais entre os dois países. A agenda de Francia Márquez, vice-presidente eleita, e de Petro propõe um maior ativismo na área de ambiente. Além disso, Petro tem declarado um viés de se preocupar com a descarbonização da economia, tornar a economia menos dependente do petróleo, e já deixou claro que quer investir em energias limpas. Então pode haver bons desdobramentos nesse campo da cooperação na área de ambiente, principalmente ali na região da fronteira amazônica.

As primeiras análises sobre a eleição de Petro apontam para um crescente isolamento de Bolsonaro na região, mas, pelo que você diz, a questão parece ir além do isolamento e dar espaço para que países como a Colômbia assumam posições de liderança regional e deixem o Brasil sem muita força política na América Latina... O Brasil já perdeu qualquer papel de liderança regional nos últimos anos. Tivemos um papel de maior relevo durante o governo Lula, mas esse processo de esvaziamento começou no governo Dilma e piorou sob Bolsonaro. Isso fica evidente na ausência de liderança nas negociações com a Venezuela para solucionar a crise no país, na falta de uma postura proativa em relação ao ambiente.

O Brasil definitivamente está ficando cada vez mais isolado, e tem sido cada vez mais difícil para Bolsonaro ter uma postura proativa na região, porque ele não tem diálogo com esses novos líderes da América Latina. Se Lula for eleito, que é o que as pesquisas de opinião apontam hoje, com certeza vai haver um movimento de mudança na política externa brasileira, e aí há a possibilidade de haver uma retomada da cooperação dentro da região, uma agenda mais progressista, revitalização de instituições que hoje estão fadadas ao fracasso, falidas, como a própria Unasul.

E o isolamento não é só na região, mas internacionalmente. Vimos isso no caso da morte do jornalista britânico [Dom Phillips] e do indigenista [Bruno Araújo Pereira], que revela a falta de interesse por uma política ambiental do governo. E aí, quando se tem um presidente recém-eleito na região, como Petro, propondo essa pauta ambiental e regional, ele ganha pontos com outros países mais desenvolvidos.

A aceleração desse movimento de esquerda na América Latina pode ter influência na eleição no Brasil? Não há uma ligação direta. É muito mais uma questão movida por um contexto doméstico e conjuntural do que propriamente um movimento da esquerda que está se fortalecendo de forma transnacional.

Como ficam os movimentos de direita e extrema direita na região em meio a essa onda progressista? Na Colômbia, o movimento conservador de direita que vai fazer oposição a Petro é formado pelos partidos mais tradicionais, pois [o populista Rodolfo] Hernández não tem base de apoio no Congresso e não vai ter força, até porque ele, que se vendeu como um outsider, tinha pouca articulação política para combater Petro. Por outro lado, Petro já convidou a oposição para o diálogo e disse que a ideia não é excluir os outros partidos. Quer promover uma política de paz, conciliatória dos diferentes setores políticos.

Essa nova onda rosa está tendo uma postura muito mais pragmática do que no passado? É uma esquerda menos ideológica e muito mais pragmática. A trajetória dessa nova esquerda é diferente, faz com que eles tenham que ser, de fato, mais pragmáticos. Além disso, enfrentam um período de crise econômica e política. Ser contestatório num período de crise não abriria tantas oportunidades para os países.

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