Número de casamentos se multiplica na Ucrânia desde início da guerra

Noivos relatam sentimento de incerteza sobre futuro e vontade de celebrar a vida, apesar do cotidiano do conflito

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Anna Koriagina
Kiev | AFP

No dia de seu casamento, Tetiana, 31, quase caiu da cama devido aos estrondos de foguetes russos que caíram perto de sua casa, na região central da Ucrânia. "No começo pensei que fosse um trovão, mas o céu estava claro, e me dei conta que era um bombardeio", disse ela à agência de notícias AFP.

Surpresa com a destruição provocada pelas explosões antes do amanhecer e decidida a continuar com sua cerimônia, a designer e seu marido, Taras, casaram-se seis horas mais tarde naquele dia.

A professora de ioga Daria Steniukova, 31, posa em ensaio para seu casamento no apartamento onde morava e que foi atingido por ataques russos em Vinnitsia - Oleksandr Demianiv - 16.jul.22/AFP

Tetiana, que pediu que seu nome fosse trocado para não ser identificada, explica o motivo de não desistir: "Inicialmente pensei que deveríamos cancelar, mas meu noivo disse que deveríamos continuar; a guerra não precisa arruinar nossos planos, temos o direito de formar nossa família e viver uma vida plena."

Esse matrimônio faz parte da explosão casamenteira na Ucrânia após a invasão russa. Taras pediu a mão de Tetiana, sua vizinha desde os seis anos, no ano passado. Eles planejavam o casamento na primavera.

"Em maio, vimos que o conflito poderia durar muito tempo e decidimos não adiar a vida, pois, como a guerra revelou, mais tarde podemos não voltar", diz. Na região de Poltava, onde Tetiana e Taras firmaram a união, houve 1.600 casamentos nas primeiras seis semanas desde a ofensiva russa, em 24 de fevereiro.

A guerra continua

O aumento na capital é ainda mais acentuado. São 9.120 casamentos registrados nos primeiros cinco meses, número sete vezes maior que os 1.110 casamentos ocorridos no mesmo período de 2021.

"Casar durante a guerra é o passo mais valente e difícil que pode ser tomado, pois não sabemos o que vai acontecer", diz Vitali, 25. A intenção dele é casar com Anastasia, 22, antes de ir para a guerra. Casais têm aproveitado a simplificação das burocracias, que permitem o casamento imediato sem a longa espera.

​Vitali e Anastasia possuíam vagas noções sobre como oficializar o compromisso e descobriram tudo antes do casamento. "A guerra continua, é melhor casar agora", diz o noivo.

Desde o início de março, Vitali Tcharnikh, um funcionário público, realiza cerimônias consecutivas e vê seu serviço como uma contribuição. "Posso ajudar meu país apoiando emocionalmente os ucranianos."

Mensagem desafiadora

O movimento não é incomum. No auge da Segunda Guerra Mundial, em 1942, os EUA registraram 1,8 milhão de casamentos em um ano, um aumento de 83% em comparação à década anterior.

Vitali diz haver um aumento nos casamentos dos soldados na Ucrânia. "Em tempos tão difíceis, não sabemos o que faremos no dia de amanhã, então estão ansiosos para casar o quanto antes possível."

A professora de ioga Daria Steniukova, 31, planejava se casar com Vitalii Zavalniuk, 30, mas a guerra estourou um dia antes. Um míssil russo devastou sua cidade, Vinnitsia, e deixou 26 mortos. Além de seu apartamento, o cartório também foi danificado.

"Ficamos impactados, mas decidimos seguir em frente. Não iríamos desistir. Minha casa estava em ruínas, mas nossas vidas, não", relata. Steniukova diz que nenhum dos cartórios tinha espaço, "mas decidimos continuar, embora tenham nos dito ser impossível".

"Estávamos prontos para esperar o dia todo, mas nos atenderam rapidamente: nos casamos três minutos depois de chegar", acrescenta a professora. A união foi marcada de uma maneira não habitual, porém chamativa, com fotos tiradas no apartamento bombardeado da noiva.

"Foi uma mensagem desafiadora para todo mundo, para dizer o quão fortes nós, ucranianos, somos. Estamos prontos para nos casar, mesmo com foguetes voando sobre nossas cabeças."

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