PEC que amplia indicação política para embaixadores é alvo de crítica unânime em debate no Senado

Políticos e especialistas apontam 'desmonte do Estado' e inconstitucionalidade em projeto de Alcolumbre

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Brasília

A PEC dos embaixadores, como ficou conhecida a proposta de emenda à Constituição que abre caminho para políticos virarem embaixadores sem perderem o mandato, foi alvo unânime de críticas durante audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta terça-feira (5).

Para o ex-chanceler Aloysio Nunes, a proposta integra um conjunto de medidas tomadas no governo Jair Bolsonaro que promove o desmonte do Estado brasileiro. "Uma mudança constitucional dessa natureza cria um dano permanente à política externa brasileira e a uma prerrogativa essencial do presidente da República, que é falar com plena autoridade em nome do Brasil [por meio de seus embaixadores]", disse.

Nunes defende que a PEC tem problemas no mérito e na constitucionalidade e causa confusão ao desestimular diplomatas que entram na carreira dispostos a alcançar o posto de embaixador. "[A PEC promove] a diluição de fronteira entre Poderes, o que não deve ser admitido pela CCJ", concluiu.

Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília - Roque de Sá - 15.out.20/Agência Senado

A audiência contou ainda com a participação de diplomatas, professores de relações internacionais e pesquisadores, incluindo Mathias Alencastro, colunista da Folha. Todos se manifestaram contra a PEC.

A diretora do Instituto Rio Branco, Gilvania Maria de Oliveira, representou o chanceler Carlos França, que está em viagem. Para ela, a possibilidade que a PEC quer abrir já foi enterrada na Constituinte de 1988.

"Esse assunto foi tema de debate em 1987 e 1988 e consideramos, com todo respeito ao excelentíssimo senador Davi Alcolumbre, que há temas sensíveis e problemáticos em elementos de constitucionalidade", avaliou. Alcolumbre (União Brasil-AP), não participou do debate, apesar de ser o presidente da CCJ.

O vice-presidente do Conselho Curador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), José Alfredo Lima, disse que o embaixador-político pode enfrentar conflitos de interesses, uma vez que terá de prezar pelas demandas da política externa brasileira e atender aos anseios dos eleitores do estado que o elegeu. "Gostaria de recordar o preceito bíblico de que não se deve servir a dois senhores", afirmou.

O senador Esperidião Amin (PP-SC), por sua vez, disse que a proposta não atende ao interesse público, atenta contra a separação entre os Poderes e pode servir como moeda de troca para o presidente da República. "O que se comenta é que o objetivo é arrumar mais uma boquinha para o parlamentar", disse.

A discussão sobre a proposta que amplia os poderes de políticos sobre embaixadas tem a simpatia de Bolsonaro. No início do governo, o presidente tentou escalar o filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para chefiar a embaixada do Brasil nos EUA. Em 2019, o deputado disse que tinha, entre suas qualificações, a experiência de um intercâmbio no país e que "fritou hambúrguer no frio do [estado do] Maine".

Para o professor de relações internacionais Guilherme Casarões, da FGV, as tentativas de nomeação de Eduardo e do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella para a embaixada da África do Sul seriam facilitadas pela PEC discutida pelo Senado. "Em ambos os casos, ficava muito claro o interesse paroquial ali colocado. E isso, do ponto de vista da representação do Brasil no exterior, causa um prejuízo indelével à imagem do país. Tanto os processos quanto as consequências dessa PEC seriam muito prejudiciais."

A presidente da Associação e Sindicato dos Diplomatas Brasileiros, embaixadora Maria Celina Rodrigues, disse que a PEC fere uma das bases do princípio da separação dos Poderes.

"Eu me questiono muito se nós estamos debatendo questões que já foram resolvidas pelos constituintes. Eles acharam por bem não haver esse trânsito entre os dois Poderes. Será que eles não tinham razão?", disse.

No fim da audiência, a relatora da PEC no Senado, Daniella Ribeiro (PSD-PB), reclamou da falta de empenho do chanceler na discussão da proposta. Segundo ela, os dois se falaram uma única vez, por telefone, e a conversa não deixou claro o posicionamento do Itamaraty. "Desde março, quando fui designada relatora, em nenhum instante fui procurada presencialmente. Faço questão de dizer isso pela falta de empenho do Itamaraty, pela necessidade de fortalecer os argumentos da diplomacia brasileira."

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