Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mathias Alencastro

Boiada diplomática do Senado atinge Itamaraty e ameaça coesão territorial

Indicação de aventureiros às embaixadas em nada ajuda a diplomacia a superar desafio da modernização

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tem boiada para tudo, até para a política externa. Em clima de fim de feira do governo Bolsonaro, um grupo de senadores liderado por Davi Alcolumbre (União Brasil - AP) lançou uma proposta de emenda constitucional que autoriza parlamentares a assumirem embaixadas sem terem de renunciar a seus mandatos. A medida criaria, entre outros absurdos, uma figura jurídica quase colonial que ameaçaria a coesão territorial.

Imagine-se, por exemplo, um deputado ou senador assumindo a embaixada brasileira de um país que partilha fronteira com o Estado pelo qual ele foi eleito. A partir de capitais vizinhas, eles atuariam como representantes plurinacionais que colocariam as prioridades de suas bases regionais à frente das diretrizes nacionais. O problema poderia até ganhar contornos globais. Uma vez nomeado embaixador em Paris, o senador Alcolumbre viraria uma espécie de grão-senhor do Amapá e da Guiana Francesa.

O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) durante sessão no Congresso, em Brasília - Pedro Ladeira - 3.mar.20/Folhapress

Pelo tom descabido do texto de apresentação da emenda constitucional, que ousa mencionar uma suposta "discriminação odiosa" a seu respeito, os senadores tentam apresentar a tentativa de liberalizar o cargo de embaixador como parte de um combate mais amplo contra o corporativismo do Itamaraty. Uma tentativa rasteira de aproveitar a politização do cargo diplomático no Brasil e no mundo.

Como é conhecido, o Itamaraty teve de lidar com a indicação do filho do presidente para Washington logo no início do governo Bolsonaro. Nos Estados Unidos, a função de embaixador foi tão desvalorizada nos anos Obama e Trump que personalidades como a produtora de "A Bela e a Fera" e "o comentarista político mais influente do Twitter" assumiram as representações em Budapeste e Berlim.

A baderna deixou o processo de nomeações para embaixadas num impasse. Depois de dois anos de mandato e às vésperas da Cúpula das Américas, a administração Biden ainda luta para confirmar os seus enviados no Brasil, no Panamá e em El Salvador.

Na França, Emmanuel Macron teve boa ideia de inaugurar o seu segundo mandato com uma reforma dos serviços exteriores. Agora, os funcionários do Quai d’Orsay, a sede da diplomacia francesa, ameaçam fazer greve em plena Guerra da Ucrânia.

Em todas as democracias liberais predomina a ideia de que o aparelho diplomático deve reconhecer os governos subnacionais e a sociedade civil como atores plenos da política externa. Mas, com raras e notáveis exceções, a indicação de aventureiros às embaixadas em nada ajuda a diplomacia a superar o desafio da modernização.

Se o Itamaraty não quer ficar exposto às investidas políticas, ele deve assumir a iniciativa da sua transformação. O ano de 2022 será histórico para a política nacional, com o lançamento de mais de 50 candidaturas apoiadas pela iniciativa Quilombo nos Parlamentos. Para acompanhar essas mudanças, o Itamaraty precisa expandir dramaticamente o programa de ação afirmativa, assim como as iniciativas pela igualdade de gênero. A repactuação entre diplomacia e sociedade é a primeira etapa da reinserção internacional do Brasil depois da infâmia bolsonarista.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.