Espanha aperta cerco legal contra abuso sexual e diz que 'só sim é sim'

Texto criminaliza assédio de rua e estabelece uso de drogas como agravante

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Ana Beatriz Farias
Madri | RFI

A Lei Orgânica de Garantia Integral da Liberdade Sexual, amplamente difundida como "Só Sim É Sim", foi aprovada definitivamente depois de passar pelo Congresso espanhol nesta quinta-feira (25).

Uma das principais mudanças apresentadas pelo texto se refere ao que define a violência sexual: a vontade de ambas as partes tem que ser demonstrada de forma livre, voluntária e clara para que a interação seja considerada lícita.

O conjunto de normas põe o foco da violência sexual na falta de consentimento e tipifica como delito o assédio de rua, além de categorizar a submissão química como agravante.

Manifestante segura cartaz com a mensagem "Sim, é estupro", durante protesto em Madri
Manifestante segura cartaz com a mensagem "Sim, é estupro", durante protesto em Madri - Gabriel Bouys -26.abr.18/AFP

A comprovação de que houve falta de consentimento passa a categorizar o delito, não sendo necessária, por exemplo, a demonstração de que a vítima fez uso da força para tentar se livrar do agressor.

A lei é considerada vanguardista e coloca a Espanha em local de destaque no que diz respeito à luta contra a violência sexual e pela igualdade de gênero, sendo um dos mais importantes projetos levados a cabo pelo Ministério de Igualdade do País.

Na ocasião da aprovação, a ministra Irene Monteiro, chefe da pasta, comemorou o avanço legal: "É um dia de vitória depois de muitos anos de luta […] Por fim, nosso país reconhece, por lei, que o consentimento é o que tem que estar no centro de todas nossas relações sexuais".

Agora que a norma saiu do Congresso dos Deputados, com 205 votos a favor, 141 contra e 3 abstenções, só falta a sanção do rei para que o texto final possa ser publicado no Boletim Oficial do Estado. Passada a publicação, a lei deve começar a vigorar nas próximas semanas.

Atenção integral

Além de mudar a perspectiva e o olhar sobre a violência sexual —uma vez que a vítima já não tem que provar que seu "não é não", por ser estabelecido que o que tem que ficar claro é a permissão de ambas as partes—, a nova lei estabelece outras transformações que visam a garantia de direitos. A submissão química, por exemplo, se torna expressamente um agravante.

O "assédio sexual de rua" passa a ser delito leve, com três possibilidades de pena. A violência sexual "através de telas" é incluída na lei e a má conduta digital também deve ser penalizada.

Medidas que passam pela educação sexual obrigatória para agressores, por ajudas econômicas para as vítimas e pela abertura de centros de atenção 24 horas também estão previstas no texto.

"Reconhecemos todas as violências sexuais como violências contra as mulheres, violências machistas e, portanto, o Estado proporciona um itinerário de atenção integral e de reparação para todas as mulheres que são vítimas de violências sexuais", ressaltou a ministra da Igualdade.

Longa caminhada

Muitos movimentos de ativismo, populares e políticos se desenvolveram nos últimos anos para que o texto final da lei "Só Sim É Sim" tenha sido aprovado nesta quinta.

Um dos marcos que podem ser considerados como vértices dessa história foi uma agressão sexual sofrida por uma jovem de 18 anos, praticada de forma grupal, por cinco homens, na cidade de Pamplona, no norte da Espanha.

O crime, que ficou conhecido como Caso da Manada, provocou imensa comoção social e trouxe à tona discussões sobre temas como consentimento e a diferença entre abuso e violação. Decisões judiciais foram amplamente questionadas e diferentes entidades, desde tribunais locais até a Organização das Nações Unidas, atuaram diante do ocorrido.

Durante o percurso feito de lá até aqui, marcado pela luta pela garantia de direitos, algumas frases viraram emblemáticas na Espanha. "Irmã, eu, sim, acredito em você", "Não é abuso, é estupro" e "Só sim é sim" ganharam as ruas e as redes.

No ambiente virtual, o nome popular da lei virou a hashtag #SoloSíEsSí, por meio da qual se pode acompanhar a repercussão nacional causada pela aprovação da norma, que passa por trâmites legislativos há mais de um ano, mas que tem, em sua raiz, problemáticas históricas datadas de muito antes disso.

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