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William Ruto é declarado presidente do Quênia, mas até órgão eleitoral contesta resultado

Seis dias após votação, cerimônia é marcada por brigas; vice é opositor do atual mandatário

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Nairóbi | Reuters

A comissão eleitoral do Quênia anunciou nesta segunda-feira (15) William Ruto, 55, como o novo presidente do país em meio a uma cerimônia marcada por brigas e contestação dos resultados —feitas por autoridades do próprio órgão eleitoral. Ruto, hoje vice-presidente, obteve 50,49% dos votos, contra 48,5% de Raila Odinga.

O líder da Aliança Kwanza do Quênia vinha aparecendo à frente em algumas sondagens divulgadas após a ida dos quenianos às urnas, na última terça-feira (9). O caos no anúncio oficial dos resultados, porém, se instalou antes mesmo da divulgação, com a vice-presidente da comissão eleitoral e três outros comissários repudiando os trabalhos do órgão.

"Não podemos nos responsabilizar pelos resultados a serem anunciados devido à natureza opaca do processo", disse Juliana Cherera em entrevista coletiva.

William Ruto, opositor e atual vice-presidente do Quênia, após ser declarado vencedor das eleições presidenciais nesta segunda (15) - Thomas Mukoya - 15.ago.22/Reuters

Diplomatas e observadores internacionais chegaram a ser retirados da sala de apuração na qual o presidente da comissão eleitoral se preparava para anunciar o vencedor.

O Quênia tem um histórico de violência pós-eleitoral, e o lento progresso da comissão na contagem dos votos alimentou temores de novas contestações, que disparassem cenas como as que se seguiram aos pleitos presidenciais de 2007 e 2017.

Em declaração após a divulgação dos resultados, Ruto chamou a comissão eleitoral de heroica e disse que o órgão surpreendeu a todos. Segundo ele, não houve perdedores nas eleição, a qual teria focado mais em questões que importam ao país do que em configurações étnicas. "O povo queniano ganhou porque levantamos a barra política", afirmou.

Odinga não compareceu ao anúncio. Sua vice, Martha Karua, tuitou mais tarde "que a disputa não acaba enquanto não termina". O líder do partido reforçou que continuaria a cobrar uma "apuração livre e confiável".

Antes de anunciar Ruto como vencedor, o presidente da comissão eleitoral, Wafula Chebukati, disse que dois dos sete comissários, além do chefe do Executivo da comissão eleitoral, haviam sido feridos —ele não especificou em que situação isso teria ocorrido.

Em Kisumu, reduto de Odinga no oeste do país, a reação foi imediata. Nuvens negras de fumaça se ergueram ao redor de uma rotatória enquanto as pessoas queimavam pilhas de pneus. Em meio a gritos de "Chebukati deve ir!" e "Sem Raila, sem paz!", motoqueiros buzinavam ao som de vuvuzelas.

As Nações Unidas exortaram os candidatos a recorrer a canais legais "para enfrentar quaisquer desafios que possam surgir". A embaixada americana pediu que as partes trabalhem unidas e peçam a seus apoiadores para evitar a violência.

O cenário para a sucessão de Uhuru Kenyatta, 60, que deixa o poder após dez anos, já vinha se desenhando conturbado. Ruto rompeu com o mandatário logo após as últimas eleições, sob alegações mútuas de corrupção e traição.

Os dois haviam sido acusados de crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional, em Haia, por suposto incentivo e financiamento da violência após o pleito de 2007. Naquele ano, conflitos étnicos se espalharam após a divulgação do resultado e mais de 1.100 pessoas morreram, com 600 mil tendo que sair de casa em meio a um cenário de quase uma guerra civil.

Dez anos depois, Kenyatta viu sua eleição ser questionada e a Suprema Corte ordenar um novo pleito, que confirmou a vitória. A disputa deste ano pode ainda ser decidida na Justiça, que convocaria nova votação em 60 dias.

​Nascido no vale do Rift, William Ruto teve como bandeira de campanha o fato de não ser de uma família tradicional na política queniana, ao contrário de seus rivais. Apresentando-se como ameaça ao sistema, o atual vice-presidente buscou representar a aspiração de pessoas comuns por ter conseguido ficar rico mesmo não sendo filho de ninguém importante. Sua riqueza vem de plantações de milho.

Em uma das principais economias do leste da África, a crise financeira foi o principal tema do pleito. Além das consequências da Covid-19, o Quênia sofre hoje com desemprego elevado e inflação dos alimentos e combustíveis, tendência potencializada globalmente pela Guerra da Ucrânia. A proposta de Ruto para movimentar a economia envolve injetar dinheiro no agronegócio —principal setor do país.

Outro tema de campanha de Ruto era a dívida externa, atrelada principalmente a empréstimos da China. Para lidar com a influência do país asiático, o provável eleito ameaçou deportar chineses donos de pequenos negócios de varejo.

Outro desafio tem relação com a crise climática: o norte do país passou pela pior seca em 40 anos, o que deixou mais de 4 milhões de pessoas em estado de insegurança alimentar.

Colaborou Pedro Lovisi

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