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A guerra na Ucrânia, que já provocou o deslocamento de 4 milhões de refugiados, tem sido responsável por outro grave problema humanitário: o aumento da fome.
Não ter o que comer é uma realidade para a população de áreas cercadas e atacadas pela Rússia, na invasão iniciada há 36 dias. Moscou tem sido acusada de cortar o fornecimento de água e energia —necessária para o aquecimento no inverno— e de dificultar a entrada de alimentos e de ajuda humanitária.
Como a Folha mostrou, moradores de cidades sitiadas como Mariupol, no leste, dividiam uma sopa rala e tiveram de derreter neve para ter o que beber. A população disputa comida e combustível, e lojas e farmácias estão sendo saqueadas, relatou a Cruz Vermelha.
A produção agrícola, importante atividade econômica do país, não escapa de ataques. Tropas russas apreenderam e destruíram máquinas, fertilizantes, sementes e estoques de combustível. A Ucrânia deve semear menos da metade do que previa para esta estação.
Algumas estimativas mostram o impacto da guerra para segurança alimentar nacional:
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45% da população da Ucrânia está preocupada em ter o suficiente para comer, alerta o Programa Mundial de Alimentos, órgão de assistência da ONU;
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a escassez de comida é sentida ou esperada para os próximos três meses em mais de 40% das áreas pesquisadas pela FAO, agência da ONU para alimentação e agricultura.
Memória: a crise desperta o trauma de outra grande tragédia ucraniana, o Holodomor, a "grande fome", que matou ao menos 3 milhões de pessoas em 1932 e 1933. Até hoje não está claro se o episódio foi uma consequência da crise econômica ou se foi uma política deliberada do regime de Josef Stálin para forçar agricultores a entregar suas terras para a coletivização.
Mas a crise de abastecimento no país considerado um dos "celeiros" do mundo traz consequências também para a segurança alimentar global.
O conflito envolvendo Rússia e Ucrânia pode elevar em até 13,1 milhões o número de pessoas subnutridas no mundo. As regiões mais afetadas seriam Ásia-Pacífico, África Subsaariana, Oriente Médio e Norte da África, segundo a FAO.
O impacto está relacionado à desestabilização na oferta internacional de cereais, óleos vegetais e combustíveis, o que eleva o preço dos alimentos, como explicamos aqui.
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Ucrânia e Rússia são responsáveis por um terço das exportações mundiais de trigo;
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Em países como Eritreia, Turquia, Somália e Tanzânia, a dependência das importações de trigo das duas nações envolvidas na guerra passa de 60%.
"Esse celeiro está sendo bombardeado", resumiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, no último dia 14.
Não se perca
E quais são os outros possíveis impactos da guerra para questões de ordem mundial? Apresentamos três:
- Pobreza: Aumento no preço dos alimentos e da energia causado pela guerra e pelas sanções à Rússia deve atrasar a recuperação econômica dos países no pós-pandemia. Só na América Latina 13 milhões de pessoas que deixariam a pobreza devem continuar nela em razão dos impactos do conflito, estima o Banco Mundial
- Transição energética: A Europa anunciou planos para reduzir a sua dependência do gás e do petróleo russos. Há pressão para que essa alternativa seja "limpa", com fontes de energia renováveis, o que pode acelerar as metas de redução da emissão de gases poluentes. Mas o aumento do consumo de carvão como opção de curto prazo pode frustrar esse plano. Episódio do podcast Café da Manhã aprofunda a discussão
- Ordem econômica: Como abordamos aqui, a nova união de potências ocidentais contra a Rússia, com a aplicação de sanções, pode selar a aliança russa com a China e fortalecer Pequim como alternativa de mercado e de transações financeiras. Nesse cenário a longo prazo, os chineses Cips e o yuan competiriam com o Swift e o dólar
O que aconteceu nesta quinta (31)
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Reino Unido anunciou sanções contra mídias estatais russas acusadas de desinformação;
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Ucrânia acusou Rússia de ataque em Dnipro, zona de assistência humanitária;
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Kremlin rebateu acusação da Casa Branca de que Putin está mal assessorado sobre a guerra;
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Premiê italiano disse que Putin afirmou em conversa que não é hora de cessar-fogo.
Imagem do dia
O que ver e ouvir para entender o conflito
Veja imagens do estrago em cidades ucranianas e uma declaração de Putin nestes vídeos da TV Folha.
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