Descrição de chapéu The New York Times África

Morte de Elizabeth 2ª reacende lembrança sobre violência colonial britânica na África

Nova geração lamenta que rainha nunca tenha pedido desculpa por abusos do Império Britânico

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Abdi Latif Dahir Lynsey Chutel Elian Peltier
Nairóbi | The New York Times

Embora a rainha Elizabeth 2ª tenha sido venerada por muitos na África, sua morte também reacendeu uma discussão diferente —algo que envolve o legado do Império Britânico e a brutalidade com que a monarquia tratou pessoas em suas antigas colônias.

Alguns integrantes de uma geração mais jovem de africanos que cresceram num mundo pós-colonial lamentam que a rainha nunca tenha encarado de frente as sequelas tenebrosas do colonialismo nem apresentado um pedido formal de desculpas.

Eles dizem que querem aproveitar o momento para chamar a atenção para a opressão e os horrores sofridos por seus pais e avós em nome do Império britânico e para pedir a devolução das joias da Coroa —diamantes raros e enormes— levadas da África.

Rainha Elizabeth 2ª durante visita a Abuja, na Nigéria - Ian Jones - 4.dez.03/AFP

"Você pode encarar a monarquia pela perspectiva do chá da tarde, dos trajes bonitos e das obras de caridade", diz a advogada queniana Alice Mugo, 34. "Mas também há um lado condenável, e ignorá-lo é desonesto."

Mugo conta que há pouco tempo encontrou o chamado "passe de movimento" de sua avó, um documento emitido quando o governo colonial britânico do Quênia declarou estado de emergência para ajudar a reprimir a rebelião anticolonial Mau-Mau; os passes restringiam os deslocamentos livres.

Elizabeth era jovem e estava fazendo uma viagem oficial ao país em 1952 quando foi informada da morte de seu pai e de que ela se tornaria rainha. A repressão aos quenianos, que começou meses depois de ela ascender ao trono, levou à criação de um sistema extenso de campos de detenção e a casos de tortura, estupros, castração e assassinato de dezenas de milhares de pessoas.

As pessoas que choram a morte da rainha, diz Mugo, não têm consciência de como o governo dela roubou milhões de pessoas de suas liberdades básicas.

Visões semelhantes foram expressas pelo partido político sul-africano Combatentes da Liberdade Econômica, que disse em comunicado à imprensa que não choraria a rainha "porque a morte dela recorda um período muito trágico desse país e da história africana".

A discussão sobre como os africanos devem encarar a rainha viralizou quando a nigeriana Uju Anya, professora na Universidade Carnegie-Mellon, tuitou desejando à rainha dor "lancinante" em seu leito de morte por ter liderado um "império ladrão, estuprador e genocida". Quando foi criticada —incluindo pela própria universidade e por Jeff Bezos, fundador da Amazon—, Anya reafirmou o que dissera.

"Se alguém espera que eu expresse qualquer coisa que não seja desdém pela rainha, pode continuar a esperar —isso não vai acontecer nunca."

Para algumas pessoas na África, Elizabeth foi uma figura admirável que representou a continuidade e o equilíbrio num mundo em transformação. Em Gana, homenagens à Maa Lizzy foram compartilhadas no Twitter.

"Ao longo dos anos, observando como ela se comportava e vendo seu engajamento com as causas com as quais se comprometeu aos 25 anos, aprendi a admirá-la", diz Yemi Adamolekum, diretora da Enough is Enough Nigeria, rede de organizações que promovem a boa governança. "Ela continuou a trabalhar para isso a vida inteira, e acho que há muito o que admirar nisso."

Líderes africanos expressaram pesar pela morte da rainha e ofereceram condolências ao Reino Unido e à família real. Os presidentes do Quênia e de Gana ordenaram que as bandeiras sejam hasteadas a meio mastro nos próximos dias, atraindo críticas nas redes sociais.

Muhammadu Buhari, presidente da Nigéria, escreveu no Twitter que "a história da Nigéria moderna nunca será completa sem um capítulo sobre a rainha Elizabeth 2ª, uma personalidade global de estatura enorme e uma líder ímpar".

William Ruto, presidente eleito do Quênia, descreveu como admirável a liderança da rainha à frente da Commonwealth. A associação, que nasceu dos resquícios do Império Britânico mas já perdeu muito de sua glória passada, ainda assim atraiu membros novos como Ruanda, Gabão e Togo, que não têm vínculos coloniais com o Reino Unido.

Para Naledi Mashishi, 27, cuja avó sul-africana foi obrigada a cantar o hino britânico "God Save the Queen" diariamente na escola, Elizabeth 2ª será para sempre o rosto do império e de seu legado amargo.

Na esteira da morte da rainha, Mashishi uniu sua voz à de grande número de sul-africanos jovens que reivindicam a devolução ao país dos diamantes que formam parte das joias da Coroa. Cortadas do Cullinan, descoberto na África do Sul em 1905 e considerado o maior diamante encontrado, as pedras preciosas raras adornam o topo da coroa de Estado imperial e do cetro soberano, ambos usados na coroação do monarca do Reino Unido.

O diamante foi dado de presente ao rei Edward 7º pelo governo africâner depois da Guerra Sul-Africana, também conhecida como a Guerra Anglo-Boer. Mas sul-africanos negros questionam o direito que o governo da minoria teria de dar de presente uma pedra preciosa encontrada numa época em que os negros eram sujeitos à exploração brutal. Em seu 21º aniversário, em 1947, a rainha fez um discurso na Cidade do Cabo, que vivia sob segregação racial, jurando que se dedicaria a servir à Commonwealth.

"Acho que há algo de muito falso em se dizer que a rainha ou a família real atual não têm nada a ver com o passado", diz Mashishi. "Enquanto isso eles continuam a usar joias roubadas, sem se preocupar."

Mas, segundo observadores, com a morte da rainha as discussões difíceis sobre as ações passadas do Império Britânico na África só vão continuar a ganhar força. "O que está em jogo é muito mais do que os diamantes", diz Lebohang Pheko, economista e pesquisadora-sênior no think tank sul-africano Trade Collective. "Não haverá mais conversas fáceis em torno disso."

Tradução de Clara Allain

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