Jogos, lockdown e Xi lançaram olhares do mundo sobre a China em 2022

Edição da newsletter analisa acontecimentos que marcaram ano

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Igor Patrick
Washington

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As Olimpíadas de Inverno

Quando iniciou a candidatura para sediar as Olimpíadas de Inverno, a China ainda surfava no estrondoso sucesso advindo da edição de verão, em 2008. Os Jogos marcaram um ponto de virada, apresentando o país como uma grande potência política e econômica. A despeito da pouca neve na capital, receber a versão de inverno parecia algo óbvio para a liderança do Partido Comunista, e a escolha do COI por Pequim, em 2015, tornou a cidade a primeira a sediar ambas as edições do principal evento esportivo na história.

O mundo de 2022, porém, mostrou-se bem mais desafiador que o de 2008. Contra a China, pesa uma crescente desconfiança ocidental capitaneada pelos EUA, acusações de violação aos direitos humanos de minorias étnicas, erosão de liberdades individuais e uma pandemia que, embora controlada, isolaria sua população do resto do globo por quase três anos.

Sui Wenjing e Han Cong, da China, celebram medalha nos Jogos de Inverno de Pequim
Sui Wenjing e Han Cong, da China, celebram medalha nos Jogos de Inverno de Pequim - Xinhua/Cao Can

Com a rígida política de Covid zero, Pequim sediou os Jogos sem o brilho e o entusiasmo de 14 anos atrás. Atletas, jornalistas, comissões técnicas e oficiais dos comitês olímpicos foram isolados numa bolha distante da capital, e a população, proibida de acompanhar as competições. As fronteiras fechadas também impediram a chegada de torcedores estrangeiros –um desavisado poderia facilmente caminhar pelas ruas da capital em fevereiro sem perceber que a cidade recebia as Olimpíadas de Inverno.

O que mais importou: Jogos Olímpicos atraem a atenção de todo o planeta, mas para o país-sede o grau de prestígio pode ser medido pela quantidade de chefes de Estado que participaram da cerimônia de abertura.

No caso da China, vários líderes ocidentais decidiram boicotar o evento, e o único presidente de peso a visitar o país foi o russo Vladimir Putin. Ele se encontrou com Xi Jinping e usou a reunião para negar rumores de que pretendia invadir a Ucrânia (algo que a Rússia descumpriria no dia 24 do mesmo mês).

Lockdown em Xangai

O plano inicial era simples: com a proliferação de casos de Covid em Xangai em março, metade da cidade ficaria em lockdown por cinco dias para testes em massa e isolamento de infectados, enquanto a outra metade passaria pelo mesmo processo na semana seguinte. O volume de diagnósticos mudou o cenário, e o confinamento atingiu a principal metrópole chinesa, trancando seus mais de 26 milhões de habitantes por quase dois meses.

Quem se preparou para ficar em casa por menos de uma semana se viu isolado, sem comida, levando a uma situação caótica. Nas redes sociais, pipocaram vídeos de chineses se rebelando contra as restrições, gritando palavras de ordem contra a quarentena, queixando-se de fome e se recusando a realizar os testes PCR diários.

Para conter a circulação de pessoas, o governo contou com drones, robôs e dezenas de milhares de policiais e voluntários, testando a paciência da população. Já naquela época, chineses reclamaram de regras aparentemente aleatórias (incluindo o sacrifício de animais de estimação de infectados e o envio de crianças com coronavírus para instalações de quarentena insalubres) e apontaram os riscos da política de Covid zero descentralizada, com condomínios bloqueando saídas de emergência para evitar deslocamentos.

O lockdown chegou ao fim com festas e fogos de artifício no início de junho, marcando o segundo mais longo confinamento de uma cidade chinesa desde o surto inicial em Wuhan.

O que mais importou: A experiência em Xangai deu os primeiros sinais de que a população estava ficando de saco cheio das políticas de controle ao vírus. Os números de infectados e de mortos foram baixos na comparação com o resto do mundo, mas houve um alto custo econômico e de saúde mental aos residentes e trabalhadores imigrantes.

Xangai foi palco do primeiro grande surto da variante ômicron no país e serviu como alerta ao Partido Comunista quanto à falência da Covid zero. A política vigoraria até o fim do ano, fazendo sangrar a economia e levando a tragédias pontuais que enfureceram a sociedade.

Xi Jinping garante terceiro mandato

Quando conseguiu eliminar o limite de reeleições da Constituição chinesa, em 2018, Xi Jinping sinalizou com antecedência que romperia com a transição de poder e se manteria no cargo de líder da China. Assim, os anos seguintes serviram mais para consolidar seu poder no partido e observar quem era fiel a ele e, assim, digno de promoção ao Comitê Permanente do Politburo, órgão decisório mais importante da hierarquia burocrática.

Não foi surpresa, em outubro, quando Xi caminhou pelo Grande Salão do Povo ao lado dos seus homens —Li Qiang, Cai Qi, Ding Xuexiang, Li Xi, Zhao Leji e Wang Huning— para anunciar a recondução ao cargo, tornando-se o político mais importante da China desde Mao Tse-tung. A lista dos oficiais a ocupar os demais cargos de liderança, sem quaisquer figuras de oposição, também denota sua força.

Pouquíssimos oficiais na história do país seriam capazes de manejar tão habilmente as estruturas partidárias, eliminando praticamente todas as grandes facções que em anos pregressos dominaram a política chinesa. Xi conquistou o feito e deve reinar absoluto enquanto julgar necessário (ou viável).

O que mais importou: Comparado a composições anteriores, o Comitê Permanente do Politburo a ascender à cúpula do poder ao lado de Xi é menos experiente, habilidoso e diverso. Li Qiang, ex-secretário-geral de Xangai e possivelmente o novo premiê chinês a partir do ano que vem, por exemplo, não tem exposição nacional, e Cai Qi sempre foi considerado um político de menor brilho.

O fato de terem sido indicados para compor o terceiro mandato, avaliam especialistas, é sinal inequívoco de que, para Xi, lealdade passou a contar mais que competência e mérito.

O fracasso da Covid zero e a reabertura da China

Em novembro, a morte de dez pessoas em um incêndio em Xinjiang, no sudoeste da China, despertou a fúria da população e serviu de combustível para protestos em proporções não vistas no país desde 1989.

Bloqueios em um prédio em Urumqi, capital da província, impediram que moradores escapassem e dificultaram a passagem de equipamento para que bombeiros controlassem as chamas. Portas trancadas e placas de metal tinham sido posicionadas para restringir a circulação de pessoas e evitar casos de Covid na região.

Em poucos dias, dezenas de manifestações espontâneas pipocaram no país, em sua maioria pelo fim da Covid zero e, em poucos atos, a renúncia de Xi. Quem protestava erguia folhas em branco, referência à censura à qual a população está submetida.

Coincidência ou não, a China flexibilizou restrições em seguida, desativando plataformas de rastreio de contato, acabando com a obrigatoriedade de testes frequentes, fechando laboratórios para a coleta de amostras e desmontando barreiras de circulação interna.

O resultado foi uma explosão de casos de Covid que, neste momento, abala a parca infraestrutura hospitalar do país. Segundo estatísticas extraoficiais, ao menos 278 milhões de pessoas já contraíram o vírus desde o início de dezembro na China, com cerca de 5.000 mortes diárias (o governo nega ambos os números).

O que mais importou: O Partido Comunista certamente entendia que a Covid zero não era mais econômica e sanitariamente sustentável, e a reabertura aconteceria em algum futuro próximo. Os protestos, contudo, aceleraram os planos, e o fim abrupto pegou muita gente de surpresa. A China tem baixo número de leitos de UTI, e o sistema hospitalar não está preparado para um fluxo tão grande de doentes, a maioria não vacinada.

Enquanto terminamos esta edição da newsletter, infectologistas preveem que a onda atual de Covid no país só deve arrefecer no fim de março, colocando uma sombra sob o comportamento da China no ano que vem.

Fique de olho em 2023

  • A circulação descontrolada da Covid na China vai levar ao surgimento de novas variantes do coronavírus?
  • Qual será o impacto mundial com a reabertura das fronteiras do país e o retorno do turismo chinês?
  • Como o Partido Comunista (em especial Xi) se comportará diante de uma economia debilitada, de cadeias de produção comprometidas e da pressão política em 2023?
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