Lula celebra com Fernández retomada de 'relação truncada' em meio a críticas a Bolsonaro

Brasileiro e argentino fizeram reunião bilateral na véspera da Cúpula da Celac, que marca retorno de laços

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Buenos Aires

Em sua primeira viagem ao exterior desde que assumiu a Presidência pela terceira vez, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com seu homólogo argentino, Alberto Fernández, em Buenos Aires, onde reforçou o discurso de retomada de relações na América Latina, algo que prometia desde a campanha eleitoral.

Na mesma toada, Fernández disse que o encontro com o petista, na Casa Rosada, nesta segunda (23), representa o início de um laço estratégico mais profundo que "durará muitas décadas". As falas foram permeadas por elogios ao brasileiro e críticas a Jair Bolsonaro (PL) e a seu antecessor, Maurício Macri.

"Vi como [Lula] liderou políticas públicas que tiraram milhões de pessoas da pobreza", afirmou Fernández, acrescentando que "não vai deixar que nenhum fascista no Brasil se aposse da soberania popular", referindo-se ao ataque golpista às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no último dia 8.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao lado de seu homólogo argentino, Alberto Fernández, na Casa Rosada, em Buenos Aires - Ricardo Stuckert/Divulgação

"Nossos povos só querem bem-estar e justiça", prosseguiu o líder argentino. "O Brasil teve de atravessar Bolsonaro, e a Argentina teve de atravessar Macri; agora é o momento de entrar numa nova etapa."

Lula chegou a pedir desculpas pelo que chamou de grosserias e ofensas do ex-presidente, "a quem trato como genocida, pela falta de cuidado e de responsabilidade na pandemia", a Fernández. Nos quatros anos em que Bolsonaro ficou no poder, a relação com a Argentina foi marcada por rusgas, agravadas pelo fato de o argentino ter visitado Lula na prisão, um gesto que o presidente brasileiro disse que "não esquecerá".

Outro aspecto a abalar a relação com Fernández foi a torcida declarada de Bolsonaro por Mauricio Macri, derrotado no pleito de 2019. Agora é Lula quem percorre esse caminho, ao pedir, ao lado do atual presidente do país vizinho, que a Argentina "não permita a vitória da extrema direita nas eleições de 2023".

Lula afirmou ainda que, no período de seus dois outros mandatos, a América Latina chegou perto do "sonho dos libertadores" como nunca antes e que a reaproximação entre os dois países é uma "retomada de relação que jamais deveria ter sido truncada".

O petista acrescentou que o Brasil não tem motivos para ter rusgas com outras nações da região. "Pela primeira vez na minha vida torci para a Argentina", disse ele, referindo-se à final da Copa do Qatar, entre Argentina e França. "Mas agora chega, é a vez do Brasil."

Ao comentar a possível criação de uma moeda comum, Lula confirmou que os países trabalham no projeto e que, se dependesse dele, seria bom "não ser necessário ter sempre o dólar como referência".

Já em relação à possibilidade de que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) volte a financiar obras em outros países da América Latina, o petista afirmou que esse cenário seria "motivo de orgulho" e que o Brasil tem o dever de ajudar vizinhos. Lula disse ainda que, se empresários brasileiros mostrarem esforço, voltará "a criar condições de financiamento de um gasoduto".

As delegações dos dois países assinaram ainda uma série de acordos de cooperação, em áreas como saúde, defesa, ciência e tecnologia, integração financeira e cooperação na Antártida.

Além da visita ao presidente argentino, a assessoria de Lula também havia dito que o petista teria um encontro bilateral com o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro. Mas a reunião, que seria a primeira entre os líderes dos países desde que reataram os laços diplomáticos, rompidos em 2020 por Bolsonaro, foi cancelada poucas horas depois por, segundo a equipe do presidente brasileiro, decisão de Caracas.

Questionado sobre o cancelamento, Fernández afirmou que "todos os países estão convidados" para a Cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) e que os líderes de Cuba e Venezuela são bem-vindos. Horas depois das declarações, o regime de Caracas emitiu um comunicado confirmando a ida do chanceler Yvan Gil para o encontro e justificando a ausência do ditador.

O texto acusa "um plano elaborado no seio da direita neofascista cujo objetivo é levar a cabo uma série de agressões contra a delegação" venezuelana. Patricia Bullrich, da oposição a Fernández, havia pedido que fosse emitida uma ordem de prisão contra Maduro no caso de ele entrar no país.

Lula fez críticas à oposição da Venezuela e disse que, ao reconhecer Juan Guaidó como presidente interino, "se fez uma coisa abominável com a democracia". O petista também defendeu o fim do embargo econômico contra Cuba. "Eles querem ter o modelo deles, e nós temos que ajudar naquilo que pudermos."

Uma das primeiras medidas do Itamaraty no atual governo Lula foi anunciar o retorno do Brasil à Celac, colegiado que Bolsonaro havia abandonado em 2020.

O petista chegou à Casa Rosada, sede da Presidência da Argentina, às 11h para o encontro com Fernández. Ambos estavam acompanhados das primeiras-damas.

Antes, o brasileiro participou de uma cerimônia de entrega de flores em homenagem ao general José de San Martín, herói da independência local. À noite, os líderes brasileiro e argentino assistiram juntos a uma apresentação no Centro Cultural Kirchner, numa nova demonstração da retomada das relações entre os dois principais parceiros do Mercosul após o isolamento imposto por Bolsonaro.

O ex-presidente boliviano Evo Morales também compareceu ao evento.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.