Descrição de chapéu Folha Mulher machismo

Para cada mulher no comando de órgãos como a ONU houve 7 homens, aponta pesquisa

Levantamento da GWL Voices mostra que equidade de gênero também é alvo distante em órgãos multilaterais

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São Paulo

Em 2016, um número recorde de mulheres concorreu à Secretaria-Geral da ONU. Eram 7 dos 13 candidatos ao posto, mas nenhuma delas ganhou —o eleito foi o português António Guterres. Mas três das concorrentes, a argentina Susana Malcorra, a búlgara Irina Bokova e a neozelandesa Helen Clark, decidiram se juntar para discutir a atuação feminina em organismos multilaterais.

A argentina Susana Malcorra, a búlgara Irina Bokova e a neozelandesa Helen Clark, fundadoras da organização GWL Voices for Change and Inclusion - AFP e Xinhua

O resultado dessa união foi a criação da GWL Voices for Change and Inclusion, quatro anos atrás. Reunindo 52 líderes femininas de todo o mundo, a iniciativa lançou neste mês seu primeiro estudo, que contabiliza a quantidade de mulheres em postos de comando de 33 entidades multilaterais desde 1945. A lista inclui não só as diversas agências da ONU como também organizações como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização Mundial do Comércio (OMC).

O relatório mostra que, de um total de 382 líderes que essas entidades já tiveram, 335 eram homens e 47 eram mulheres —ou seja, elas só estiveram no comando em 12% das vezes. Além disso, mesmo que a presença feminina na chefia de instituições do tipo tenha crescido a partir dos anos 1990, hoje só um terço das organizações mapeadas são conduzidas por mulheres.

Para cada mulher que liderou órgãos multilaterais, há 7 homens

  1. De 382 líderes de órgãos multilaterais, 335 eram homens e 47, mulheres

  2. No total, mulheres só estiveram à frente dessas entidades 12% das vezes em 78 anos

  3. Apesar de progressos recentes, só um terço dessas organizações são comandadas por mulheres hoje

Os dados não chegam a surpreender, uma vez que refletem em certa medida proporções registradas em outras áreas. Malcorra afirma, porém, que a GWL optou por compilá-los justamente para deixar que o baixo número de mulheres falasse por si mesmo.

"O intuito não é apontar culpados. Nossa proposta é analisar o panorama e mostrar que algo precisa ser feito para além da retórica", diz. Ela já passou por diversas agências da ONU e foi ministra de Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto da Argentina entre 2016 e 2017, na gestão Maurício Macri.

Malcorra acrescenta que o relatório lançado este mês é o primeiro de outros dois estudos a serem publicados ainda este ano, aferindo a quantidade de mulheres em postos de chefia de segundo e terceiro escalão e nas equipes que representam seus Estados-membros nesses mesmos organismos. Juntos, os três estudos formariam uma espécie de "grande sistema de monitoramento", nas palavras dela.

Além de números, a pesquisa inicial também permite entrever o perfil dos organismos que registraram mais líderes mulheres ao longo de sua história, mais relacionados a temas feminizados, como infância, educação e direitos humanos.

Já as entidades que lidam com temas como finanças e trabalho costumam ter menos mulheres no topo. Das 33 instituições analisadas, 13 nunca tiveram liderança feminina, sendo quatro delas alguns dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo —o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento e a Organização para o Desenvolvimento Industrial da ONU. Outras cinco só foram dirigidas por mulheres uma única vez em sua história.

Malcorra afirma que o motivo para essa ausência é simples: "preconceito". Mas a solução também é simples, segundo a argentina. Implementar abordagens sistemáticas que permitam que políticas de equidade de gênero sejam duradouras e não pontuais, reconhecendo a necessidade de que cerca de metade da população mundial seja devidamente representada nessas instituições.

Ela dá como exemplo a Assembleia-Geral da ONU, órgão multilateral com a maior quantidade de membros do mundo. As eleições para a Presidência da agência já têm como critério a rotatividade geográfica —no próximo pleito, em setembro, a liderança necessariamente será da América Latina e Caribe, por exemplo. A GWL recomenda que a esse requisito seja acrescentado o da rotatividade de gênero. O órgão só teve presidentes mulheres quatro vezes desde a sua fundação.

A cofundadora da GWL acrescenta que outra das bandeiras da organização é o fortalecimento do próprio sistema multilateral, que vinha perdendo importância antes da eclosão da pandemia e da Guerra da Ucrânia. Para ela, esse sistema é central para a manutenção dos direitos das mulheres pelo mundo, uma vez que organismos multilaterais têm o poder de pressionar Estados de diversas maneiras. Quando esse sistema se enfraquece, muitas nações se sentem mais livres para avançar sobre esses direitos, com frequência sob o argumento de que eles vão contra um conceito tradicional de família.

A argentina cita o caso do Afeganistão, onde mulheres têm perdido acesso à educação e ao trabalho —mas observa que a supressão de direitos não é exclusiva do país, e foi vista nos Estados Unidos no ano passado, quando a Suprema Corte decidiu que o aborto é inconstitucional, e no próprio Brasil no governo de Jair Bolsonaro. "Direitos femininos são direitos humanos. Esta é uma questão muito ampla, que requer não só discussões, mas ações", diz.


Quem são as fundadoras do GWL Voices

Helen Clark, 73
Primeira-ministra da Nova Zelândia de 1999 a 2008 e diretora do Programa de Desenvolvimento da ONU entre 2009 e 2017

Irina Bokova, 70
Ex-ministra das Relações Exteriores da Bulgária, comandou a Unesco entre 2009 e 2017

Susana Malcorra, 68
Ministra das Relações Exteriores da Argentina entre 2016 e 2017 e chefe de gabinete do secretário-geral da ONU entre 2012 e 2015

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