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Reforma judicial que colocou Israel em ebulição é, em parte, produção americana

Dois cidadãos dos EUA atuam há anos no país do Oriente Médio para empurrar governo em direção conservadora e à direita

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David Segal Isabel Kershner
Jerusalém e Tel Aviv | The New York Times

Como parte de um "dia nacional de resistência", um grupo de reservistas do Exército foi para o escritório de um grupo de intelectuais em Jerusalém e bloqueou a porta principal com sacos de areia e rolos de arame farpado. Lá fora, cidadãos realizaram uma manifestação ruidosa, agitando dezenas de cartazes.

"O Fórum de Políticas Kohelet está escondido nas sombras", gritou um orador, de pé em cima de um carro. "Mas estamos atrás deles e não vamos deixá-los vencer!"

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O escritório do grupo Kohelet em Jerusalém - Avishag Shaar-Yashuv - 26.fev.2023/The New York Times

Há anos, o Kohelet produz documentos de posicionamento para tentar empurrar a política do governo de Israel para uma nova direção. Desde janeiro, tornou-se mais conhecido como um dos principais arquitetos da proposta de reforma judicial que mergulhou Israel numa crise sobre o futuro de sua democracia.

Se o plano der certo, será uma vitória impressionante não apenas para o grupo de pensadores, mas também para as pessoas que o promovem: dois homens do bairro de Queens, em Nova York.

O primeiro é Moshe Koppel, 66, doutor em matemática que cresceu em Nova York e se mudou para Israel em 1980. Ele fundou o Kohelet em 2012 e tem elaborado leis e produzido trabalhos sobre políticas conservadoras com uma lista de acadêmicos que chega a 160 membros.

"Não quero parecer arrogante", disse ele à revista judaica ortodoxa Ami em 2019, "mas, de certa forma, somos o cérebro da direita israelense."

Moshe Koppel, cientista da computação americano-israelense e ativista político - Reprodução/@koheletpolicyforum9126 no Youtube

O Kohelet não é obrigado a divulgar os nomes de doadores individuais e, durante anos, Koppel evitou perguntas sobre financiamento. Mas uma fonte de dinheiro é outro nova-iorquino: Arthur Dantchik, 65, um multibilionário que doou milhões para o Kohelet. Ele não retornou uma ligação feita pela reportagem para comentar o caso.

Dinheiro e ideias americanas têm desempenhado papel constante na política israelense. Consultores americanos são uma característica habitual nas campanhas eleitorais, e o Israel Hayom, jornal diário gratuito apoiado por americanos, é o mais lido do país.

Até recentemente, porém, poucos sabiam que as propostas judiciais que abalavam Israel eram em grande parte uma produção americana.

O plano, que estimulou centenas de milhares de israelenses a realizar protestos semanais, daria ao governo um controle muito maior sobre a seleção de juízes e tornaria mais difícil para a Suprema Corte derrubar as leis aprovadas pelos legisladores.

As negociações, que incluíram o Kohelet, para uma versão reduzida da revisão judicial, que agradaria a uma faixa mais ampla do público, parecem estar à espera. O governo está determinado a levar pelo menos algumas de suas propostas ao Parlamento até o início de abril.

Os oponentes da reforma dizem que os tribunais são tudo o que impede Israel de se transformar num país sem controle sobre o poder do governo e sem proteção para as minorias. Koppel e seus aliados acreditam que a verdadeira ameaça à democracia são os juízes ativistas, que, segundo ele, agora operam praticamente sem restrições.

Embora proeminente nos círculos políticos conservadores de Israel há anos, Koppel tem se dedicado a ter o perfil mais discreto possível. "Descobri que você faz muito mais coisas", disse ele durante uma rara entrevista na sede do Kohelet, "se deixar que outros levem o crédito do que se insistir em anunciar sua contribuição".

Dantchik permaneceu durante décadas tão invisível quanto um homem com sua fortuna pode ser. Com um patrimônio líquido estimado em US$ 7,2 bilhões, ele ocupa posição mais alta na lista da Forbes 400 do que magnatas famosos como Mark Cuban e George Soros.

Ele é cofundador do Susquehanna International Group, uma potência financeira privada com sede num subúrbio da Filadélfia e escritórios em todo o mundo. A empresa nunca aceitou investidores externos, limitando o que é necessário divulgar publicamente sobre os mercados em que atua –ações, criptomoedas e apostas esportivas.

"Eles são tão silenciosos quanto um rato de igreja", diz Paul Rowady, da Alphacution, grupo de pesquisa especializado em empresas comerciais proprietárias. "Esses caras não gostam de falar e não querem ninguém em seus negócios."

A conexão de Dantchik com o Kohelet foi publicada pela primeira vez num artigo no jornal israelense Haaretz, com base em relatórios do Bloco Democrático, organização sem fins lucrativos que monitora grupos de direita.

"Passamos meses procurando uma pista que nos levasse às origens do dinheiro", diz Ran Cohen, diretor do grupo. "Era um labirinto de empresas e instituições beneficentes americanas não transparentes."

A pesquisa do grupo descobriu que os fundos para o Kohelet vieram por meio de uma organização beneficente chamada Fórum de Política dos Amigos Americanos do Kohelet, originalmente baseada em Bala Cynwyd, o mesmo subúrbio da Susquehanna.

Dois dos diretores da organização sem fins lucrativos são cunhados de Koppel. O terceiro, Amir Goldman, trabalha na Susquehanna Growth Equity, um braço de private equity da Susquehanna International.

Depois que o Haaretz publicou o artigo, em 2021, o Bloco Democrático descobriu que o principal canal de fundos para o Kohelet mudou.

Um relatório de divulgação financeira arquivado pela organização em abril daquele ano mostrou que mais de 90% de sua receita de US$ 7,2 milhões vieram do Fundo Central de Israel, organização familiar sem fins lucrativos que doou US$ 55 milhões para mais de 500 causas relacionadas a Israel em 2021, de acordo com seu site.

No papel, Dantchik e Koppel têm muito em comum, principalmente uma paixão compartilhada por Israel e ideias libertárias. Koppel se interessou por política há 20 anos, quando começou a participar de audiências do Comitê de Constituição, Lei e Justiça do Knesset, o Parlamento israelense. Na entrevista, Koppel disse que aprendeu rapidamente que os políticos ocupados e com poucos assessores são gratos a qualquer pessoa disposta a ajudar a redigir a legislação.

"Essa pessoa tem muito poder, a pessoa com a caneta", disse Koppel.

Parlamentares começam a chegar no Knesset, em Israel, para uma sessão - Ahmad Gharabli - 27.jun.2022/AFP

Depois de algumas tentativas fracassadas de escrever uma Constituição formal para Israel, ele formou o Kohelet –palavra hebraica para Eclesiastes, um livro da Bíblia– há mais de uma década.

Desde o início, o Kohelet mirou nos pilares ideológicos erguidos pelos fundadores socialistas de Israel. O grupo promove o familiar menu libertário de governo pequeno, mercados livres e educação privatizada. Nas últimas décadas, Israel se afastou da regulamentação e enfatizou sua hospitalidade aos empresários. Mas o libertarianismo do Kohelet parece para muitos israelenses uma intrusão estrangeira.

Descrevendo as políticas do Kohelet como uma importação americana, Gilad Kariv, legislador do Partido Trabalhista e ex-presidente do Comitê de Constituição, Lei e Justiça, diz: "Eles não estão apenas recebendo sua contribuição financeira dos EUA, mas estão trazendo uma filosofia de extrema direita, neoconservadora".

Logo após a entrevista de Koppel, as tensões em Israel entraram em ebulição, e o presidente recentemente alertou sobre a possibilidade real de uma guerra civil.

Um orador do protesto diante do Kohelet este mês denunciou americanos ricos que exportam ideias para Israel "diretamente das margens delirantes do Partido Republicano".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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