Jornalismo latino-americano viveu paradoxo durante pandemia, conclui estudo

Setor teve que lidar com alta demanda por informação enquanto sofria precarização do trabalho e súbita queda de investimentos

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Buenos Aires

Enquanto o mundo parava, o jornalismo teve que aquecer as máquinas. O setor viveu uma combinação particular e paradoxal durante a pandemia de Covid-19 na América Latina, concluiu um estudo publicado recentemente pela Associação de Entidades Jornalísticas Argentinas (Adepa).

Ao mesmo tempo em que lidava com uma demanda de informações e um ritmo de produção sem precedentes, sofria súbita queda de investimentos, piora nas condições de trabalho e importante reestruturação na forma de atuar virtualmente.

"Houve uma resposta bastante imediata considerando as condições", analisa o diretor executivo da organização, Andrés D´Alessandro. Para ele, o jornalismo não teve como fazer uma pausa naquela época para refletir sobre as mudanças, e foi isso que a entidade tentou fazer agora.

Redação da Folha em março de 2020, com a maior parte dos profissionais em home office
Redação da Folha em março de 2020, com a maior parte dos profissionais em home office - Gabriel Cabral - 26.mar.20/Folhapress

O estudo "Transformações e Aprendizados dos Meios de Comunicação Ibero-Americanos no Pós-Pandemia", relatório de 170 páginas realizado em conjunto com a ONG Infociudadana, revisou no último ano centenas de publicações sobre mídia durante a crise sanitária, compilou dados públicos e entrevistou funcionários do setor na região.

A partir dessa análise, detectou que a diminuição dos investimentos em publicidade foi geral e fatal em muitos casos. Causou o fechamento de veículos menores e uma queda significativa na venda de publicações impressas, por exemplo, que costumam depender mais desse tipo de financiamento.

A consultora PwC estima uma diminuição de 21% do valor investido no papel de 2019 a 2021 na América Latina, o que contribuiu para uma queda de 16% na circulação. Somou-se a isso um temor dos assinantes no início por achar que a transmissão se dava pelo contato com superfícies, o que depois foi descartado.

O impacto da perda de financiamento foi visível nas Redações, principalmente na demissão de funcionários e na deterioração das condições de trabalho de quem ficou. Só no Peru, foram mais de 500 demitidos até outubro de 2020, apontou um relatório do Instituto Reuters.

Ao mesmo tempo, a busca por informações sobre o assunto subia vertiginosamente. "Com muito pouco combustível, alimentada por energias alternativas provenientes do compromisso dos jornalistas e do sacrifício de empresários de mídia, o motor informativo continuou funcionando", escreveu Daniel Dessein, presidente da Adepa.

O grande volume de dados a serem processados foi uma dificuldade adicional, especialmente para meios que não tinham equipes especializadas. Mas essa lacuna foi rapidamente preenchida por instituições acadêmicas e novas plataformas, como o "Our World in Data", da Universidade de Oxford, em um importante alinhamento entre imprensa e sociedade.

Uma característica comum entre os países latino-americanos analisados é que nenhum governo implementou medidas específicas para ajudar o setor jornalístico. As empresas se beneficiaram, porém, de políticas gerais como redução de impostos, de jornadas e de salários, como ocorreu no Brasil.

Outro paradoxo destacado pela pesquisa foi o enquadramento do jornalismo como essencial apenas na teoria. "Os jornalistas eram considerados essenciais, mas não contavam com o apoio de políticas públicas que lhes permitissem exercer essa essencialidade de forma plena e sem riscos para suas vidas", diz a cientista social Adriana Amado, presidente da ONG Infociudadana.

O máximo foi a permissão de circulação em alguns países onde houve restrições gerais, como Colômbia, Bolívia, Panamá e Paraguai. Mas, no geral, o grupo não teve acesso prioritário à vacinação como as equipes de saúde, segurança e educação, e registrou altas taxas de mortes.

A mudança para o trabalho virtual foi a mais relevante no período, segundo os entrevistados. Nesse aspecto a pesquisa destaca o caso brasileiro, citando que houve uma adaptação rápida das Redações, mas isso causou dificuldades para os funcionários que não tinham conexões estáveis ou estrutura suficiente em casa.

"Boa parte disso ficou como aprendizado. Várias Redações seguem em formato híbrido ou usando dispositivos de teletrabalho", diz Andrés D'Alessandro, da Adepa. Ele cita ainda os impactos da falta de contato humano: "O jornalismo é uma atividade de pessoas, de comunicação, é uma construção coletiva."

Apesar de todas as adversidades, conclui o estudo, o jornalismo profissional foi a principal fonte de informação dos latino-americanos na pandemia. Os pesquisadores contestam o termo "infodemia", metáfora usada pela Organização Mundial da Saúde para alertar sobre a desinformação que se espalhava rapidamente durante a crise.

A maior parte das populações, afirmam, acatou as medidas de segurança e aderiu rapidamente à vacinação. "Há vários estudos mostrando que, nem na semana em que os lockdowns começaram, a desinformação superou o volume de informação. Isso quer dizer que ao longo de todo 2020 houve mais informação de qualidade que desinformação", diz Adriana Amado.

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