Lula chama encontro com Maduro de momento histórico que revive política externa

Ditador da Venezuela está em Brasília para visita oficial e encontro com outros líderes sul-americanos

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Brasília

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que a visita do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, a Brasília, nesta segunda-feira (29), é um "momento histórico" que "reflete uma política externa séria".

"Depois de oito anos, o presidente Maduro volta a visitar o Brasil, e nós recuperamos o direito de fazer política de relações internacionais com a seriedade que sempre fizemos, sobretudo com os países que fazem fronteira com o Brasil", disse o petista. Lula deu a declaração à imprensa ao lado do ditador.

O presidente também chamou de "equívocos" as decisões que impediram a vinda de Maduro e de outras autoridades venezuelanas ao Brasil nos últimos anos, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), e defendeu a Venezuela na disputa com os EUA, ao dizer que "bloqueios econômicos são piores que a guerra".

Lula recebe o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em Brasília
Lula recebe o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress

O líder venezuelano realiza visita oficial ao Brasil, anunciada de última hora pelo governo brasileiro. Ele participa nesta terça-feira (30) de encontro proposto por Lula com presidentes da América do Sul, na tentativa de retomar planos de integração das nações da região.

Ambos os líderes deram uma declaração ao término das primeiras reuniões de trabalho. O petista disse que o ditador venezuelano era bem-vindo e lamentou o tempo em que as relações entre Brasil e Venezuela foram obstruídas, após a imposição de proibições do ingresso de altas autoridades do país caribenho.

"A Venezuela sempre foi parceiro excepcional, mas em razão das contingências políticas, dos equívocos, o presidente Maduro ficou oito anos sem vir ao Brasil. E o Brasil ficou muito tempo sem ir à Venezuela."

O presidente ainda chamou de "narrativa" a visão de que a Venezuela virou uma ditadura e acrescentou que ele e o assessor especial Celso Amorim buscam explicar ao mundo que a situação não é essa.

"Cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudarem de opinião. É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E a sua narrativa vai ser infinitamente melhor do que o que eles têm contado contra você. Está nas suas mãos construir a sua narrativa e virar esse jogo, para que a gente possa vencer definitivamente, e a Venezuela voltar a ser um país soberano, onde somente seu povo, por meio de votação livre, diga quem é que vai governar esse país", afirmou Lula.

Durante seu discurso, o brasileiro ainda deu uma guinada para criticar potências ocidentais. Em particular, mirou os EUA e lamentou duramente as sanções impostas por Washington a Caracas. Nesse momento, Lula afirmou que bloqueios comerciais e financeiros têm efeito pior que o de guerras.

"É culpa dele [de Maduro não ter dólares para arcar com suas exportações]? Não. É culpa dos EUA, que fizeram um bloqueio extremamente exagerado. Sempre acho que o bloqueio é pior do que uma guerra. A guerra, normalmente, morre soldado que está em batalha. Mas o bloqueio mata criança, mata mulheres, mata pessoas que não têm nada a ver com a disputa ideológica que está em jogo", afirmou.

Autoridades brasileiras então prometeram trabalhar com Caracas para saldar a dívida com o Brasil, além de abrir a possibilidade para uma cooperação energética, com a venda de energia venezuelana.

Após a reunião com Maduro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), afirmou que será constituído um grupo de trabalho para estudar a dívida do país caribenho. "E, a partir dessa consolidação dos números, [vamos] reprogramar o pagamento. Cuido da relação com o Tesouro, e Minas e Energia cuidará da questão da energia para Roraima. Mas a encomenda é essa, consolidação da dívida e reprogramação."

Maduro também destacou a possibilidade de uma cooperação no setor energético e confirmou o interesse de vender energia ao Brasil. Para tal, no entanto, afirmou ser necessário um investimento de cerca de US$ 4 milhões a US$ 5 milhões (entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões) para que a transmissão seja possível.

A visita oficial de Maduro só entrou na agenda de Lula na manhã desta segunda, poucas horas antes do início dos eventos —passagens de chefes de Estado costumam ser divulgadas com muita antecedência

O governo nem mesmo confirmava uma reunião bilateral entre os dois chefes de Estado, à margem do encontro com os sul-americanos. A informação, porém, circulava nos corredores do Palácio do Planalto.

Maduro chegou no meio da manhã à sede do governo e foi recebido por Lula na rampa presidencial. Os dois, então, tiveram um encontro reservado, seguido de uma reunião ampliada, com assessores e ministros dos dois lados. Da parte do Brasil, participaram, além de Lula, o vice Geraldo Alckmin, o assessor especial da Presidência Celso Amorim e os ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social), Carlos Fávaro (Agricultura) Alexandre Silveira (Minas e Energia) e o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli.

Também estiveram na reunião as primeiras-damas Rosângela Lula da Silva, a Janja, e a venezuelana Cilia Flores de Maduro. Seguiu-se, então, uma cerimônia de assinaturas. Maduro afirmou nas redes sociais que o encontro foi um "feito histórico" e uma vitória da "dignidade dos povos". "O resgate da união entre Brasil e Venezuela é o caminho que nos conduzirá até o desenvolvimento e a integração da Grande Pátria."

A agenda também previa um almoço no Palácio do Itamaraty. A última vez que o venezuelano esteve em Brasília foi em janeiro de 2015, para a posse de Dilma Rousseff, que inaugurava seu segundo mandato.

A entrada de Maduro em território brasileiro depois acabou proibida: em 2019, o governo do ex-presidente Bolsonaro editou uma portaria proibindo o ingresso de autoridades de alto escalão do país.

À época, Bolsonaro reconheceu Juan Guaidó, então líder da oposição venezuelana, como chefe de Estado legítimo do país caribenho. A portaria foi revogada no final de 2022, pouco antes da posse de Lula.

O propósito inicial da vinda de Maduro ao Brasil é a participação no encontro com 11 líderes da América do Sul, que Lula realizará nesta terça-feira (30) em Brasília —o presidente busca uma forma de integração que seja permanente e que conte com as 12 nações da região. Com exceção de Dina Boluarte, do Peru, que enfrenta impedimentos constitucionais, todos os outros 11 líderes confirmaram presença.

Ao receber Maduro, Lula ajuda a reabilitar o venezuelano na região, após anos de isolamento e de pressão contra o chavismo. Maduro também já manteve reuniões com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro.

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