Moradores da Espanha se trancam em casa à tarde para evitar calor recorde de abril

Altas temperaturas registradas mais cedo seguem longo período de seca que esgotou reservatórios

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Constant Méheut
The New York Times

A temperatura em Madri chegou a 32º na sexta-feira (28), e as escolas foram autorizadas a fechar mais cedo para evitar o calor. Está tão seco na Catalunha que as válvulas de um canal de irrigação foram fechadas por falta de água. E a polícia investiga a morte de um cavalo que puxava uma carroça de turistas quando sucumbiu à insolação em Sevilha.

Com temperaturas que passaram dos 38º no início de abril, a população da Espanha já entrou no espírito do verão, buscando sombras sempre que possível e indo à praia. Mas a chegada do calor extremo tão cedo no ano suscita temores de que não este não seja mais um fenômeno sazonal, e sim uma nova realidade, ponto.

Hotéis na cidade litorânea de Benidorm, na Espanha, registram alta ocupação; país enfrenta onda de calor com temperaturas de até 38ºC - Jose Jordan/AFP

Na quinta-feira (27), na parte continental de Córdoba, no sul do país, a temperatura chegou a 38,8º, o máximo já registrado em abril. E em várias áreas do país os termômetros têm atingido valores tipicamente veranis.

Coincidindo com uma estiagem longa que está esgotando reservatórios e ressecando os campos, o calor extremo leva as autoridades a prever um retorno precoce de desastres ligados ao calor —caso dos incêndios—, e a rever seus prognósticos.

"É realmente fora do comum", disse Cayetano Torres, porta-voz do serviço de meteorologia, falando à televisão espanhola esta semana. "Estamos espantados."

Segundo o órgão, a causa do calor excepcional é "a entrada de uma massa de ar muito quente e seco vindo do norte da África" que está parada em cima da Espanha sem se mover muito.

Mesmo os habitantes de Córdoba, acostumados a primaveras quentes, ficaram surpresos com o calor.

"Pensamos que ele chegaria mais tarde, em maio ou em junho", diz Manuel Suárez Fernández, funcionário de um bar às margens do rio Guadalquivir, por telefone. "Mas a cada ano o calor começa mais cedo que no ano anterior."

Fernández diz que quase ninguém está saindo para as ruas à tarde, para evitar os picos de temperatura. "As pessoas se fecham em casa, tomam muita água e saem ao cair da noite."

A agência meteorológica da Espanha vinha avisando havia vários dias sobre a chegada das altas temperaturas, que atingiram seus picos na quinta e na sexta.

Em Madri e nos arredores, autoridades ajudaram hospitais, escolas e centros de saúde a lidar com o calor, inclusive garantindo a presença de ar-condicionado nas instituições. Abriram as piscinas ao ar livre —atração clássica do verão da capital espanhola— um mês antes da data habitual. E aumentaram a frequência dos trens de metrôs de modo a evitar superlotação nos dias de calor escaldante.

Os moradores estão sendo aconselhados a se hidratar bem e cuidar de pessoas mais vulneráveis, como crianças e idosos.

Em Sevilha, também no sul, a prefeitura chamou médicos adicionais para atender pessoas que sofriam de problemas ligados ao calor durante a Feira de Abril. O evento, que dura uma semana, começou no domingo passado e geralmente atrai centenas de milhares de pessoas. Imagens da TV espanhola mostraram diversos visitantes da feira tentando se proteger do sol ao buscar as sombras de barracas.

O calor também está afetando países próximos da Espanha, como Marrocos, Argélia e Portugal, afirma Maximiliano Herrera, climatologista que acompanha temperaturas extremas em todo o mundo.

"Um calor dessa magnitude é muito raro numa área tão extensa e por vários dias a fio", diz Herrera, que descreveu o fenômeno como uma "onda de calor". "Centenas de estações meteorológicas estão vendo recordes ser quebrados, com temperaturas de até 5°C acima dos recordes anteriores, chegando a aproximar-se dos recordes para maio."

Vincular uma única onda de calor à mudança climática requer análises, mas cientistas não têm dúvida de que em todo o mundo elas estão ficando mais quentes, mais frequentes e mais prolongadas.

A Espanha tem sido especialmente afetada pelas temperaturas mais altas. O calor típico do verão no país hoje dura em média quase cinco semanas a mais do que era o caso no início dos anos 1980, segundo estudo divulgado essa semana pela Universidade Politécnica da Catalunha. Em 2022, a Espanha registrou o seu ano mais quente da história.

pessoas descansam na grama no parque do Retiro, no centro de Madri
Espanhóis tentam fugir do calor intenso do mês de abril; na foto, pessoas descansam na grama no parque do Retiro, no centro de Madri - Thomas Coex/AFP

As altas temperaturas atuais provavelmente vão exacerbar a situação de um país que já sofre os efeitos de uma estiagem prolongada. Depois de mais de 30 meses consecutivos de precipitação pluviométrica abaixo da média, os reservatórios operam com 50% de sua capacidade.

"O calor seco persistente desta primavera na Península Ibérica está pondo a agricultura sob pressão, e é possível que falte água no médio prazo", diz Herrera.

A Organização Nacional de Agricultores e Pecuaristas afirmou em relatório recente que a seca já provocou "perdas irreversíveis em mais de 3,5 milhões de hectares de [plantações de] cereais". A organização prevê a perda quase total das safras de trigo e de cevada em quatro regiões.

Na semana passada, o ministro da Agricultura, Luis Planas, disse que pediu assistência financeira da União Europeia, incluindo fundos emergenciais da política agrícola comum do bloco, para agricultores afetados pela seca. "Trata-se de uma circunstância excepcional", disse Planas à imprensa.

A agência meteorológica espanhola avisou que a combinação de seca e alta temperatura eleva o risco de incêndios florestais, fenômeno lamentavelmente comum no país.

No verão passado, dezenas de incêndios devastaram o território espanhol por dias, obrigando milhares de habitantes a se deslocarem e consumindo uma área recorde de 303 mil hectares, segundo dados do Sistema Europeu de Informações Primárias sobre Florestas.

Cientistas e autoridades locais agora temem que incêndios ocorram cada vez mais cedo no ano. O primeiro grande incêndio no território em 2023 se deu no mês passado.

Tradução de Clara Allain

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