Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Russos milionários vão às compras em Dubai para driblar sanções do Ocidente

País ainda importa produtos ocidentais cobiçados, com a ajuda de uma rede global de intermediários

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dubai e Nova York | The New York Times

Em uma estrada poeirenta nos arredores de Dubai, Sohrab Fani está lucrando com a resposta do Ocidente à Guerra da Ucrânia: sua loja instala aquecedores de assento em carros que estão sendo re-exportados para a Rússia.

Doze mil almofadas de aquecimento ficaram em seu depósito durante anos, disse ele, até que a invasão da Rússia e as sanções ocidentais resultantes expulsaram as montadoras americanas, europeias e japonesas do mercado russo. Agora, os russos importam esses carros via Dubai, nos Emirados Árabes Unidos —e, como os carros enviados para o Oriente Médio tendem a ser feitos para climas quentes, as lojas de acessórios como a de Fani estão fazendo bons negócios equipando-os para o inverno.

Homem grava vídeo de mulher abrindo porta de carro
Vendedores de carros em concessionária de Dubai gravam vídeo para público russo - Andrea DiCenzo - 5.mar.23/The New York Times

"Quando os russos vieram, eu vendi tudo", disse Fani, então ele encomendou vários milhares de almofadas de aquecimento para assento. "Na Rússia, eles têm sanções. Aqui não tem. Aqui tem negócio."

Mais de um ano após a invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin, as sanções ocidentais prejudicaram a economia da Rússia, mas não a paralisaram. A teia do comércio global se adaptou, permitindo que o líder russo cumprisse amplamente uma promessa importante: que a guerra não interromperia drasticamente o estilo de vida de consumo das elites russas.

A Rússia ainda importa produtos ocidentais cobiçados, com a ajuda de uma rede global de intermediários.

Em Moscou, os iPhones mais recentes estão disponíveis para entrega no mesmo dia por um preço menor que o do varejo na Europa. As lojas de departamentos ainda têm estoques de Gucci, Prada e Burberry. Sites de vendas de carros listam novos Land Rovers, Audis e BMWs.

Quase todas as principais marcas de eletrônicos, automóveis e artigos de luxo do Ocidente anunciaram no ano passado que estavam saindo da Rússia. Nem todos os seus produtos violam tecnicamente as sanções, mas o comércio com a Rússia tornou-se muito difícil diante da indignação pública, a pressão dos funcionários e restrições às exportações de semicondutores e transações financeiras.

Ainda assim, a demanda russa por itens de luxo continua forte, e negociantes em Dubai e outros lugares a estão suprindo.

"As pessoas ricas sempre continuam ricas", disse Ecaterina Condratiuc, diretora de comunicações de uma loja de carros de luxo em Dubai, que recentemente despachou um Porsche Cayenne Turbo GT de US$ 300 mil para uma concessionária russa. A guerra "não os afetou", acrescentou ela.

Em Dubai, os compradores percorrem os showrooms de um amplo mercado automotivo, barganhando por carros ocidentais —o Dodge Ram é um dos favoritos recentes— para comprar em dinheiro e enviar para a Rússia. Alguns são russos ricos que compram veículos para si próprios, ou pequenos empresários que procuram revender carros por um lucro rápido.

Em outros casos, as concessionárias de carros russas, tendo perdido suas afiliações oficiais com marcas ocidentais, estão organizando suas próprias importações, às vezes de centenas de carros por vez.

A empresa de análise russa Autostat informou que essas importações indiretas representaram 12% dos 626,3 mil carros novos de passageiros vendidos na Rússia em 2022.

Eletrônicos também seguem rotas tortuosas para o mercado russo. No antigo bairro comercial de Dubai, Deira, os atacadistas de eletrônicos têm dificuldade para contratar funcionários que falam russo.

"É um segredo aberto", disse o proprietário da Bright Zone International General Trading LLC, algumas vitrines abaixo de um atacadista de extensões de cabelo. "A concorrência é muito difícil agora para a Rússia."

O proprietário, que pediu para ser identificado apenas por seu sobrenome, Tura, disse que enviou centenas de smartphones e laptops para a Rússia no ano passado, antes das festas de fim de ano. Um potencial comprador queria uma cotação para 15 mil iPhones, disse Tura, mas aparentemente encontrou um negócio melhor em outro lugar.

Em outra loja de eletrônicos próxima, um vendedor afegão, Abdullah Ahmadzai, disse que havia chegado a Dubai menos de um ano antes e desde então aprendeu russo o suficiente para negociar com seus clientes que falam russo. Do outro lado da rua, um homem do Tadjiquistão, uma ex-república soviética, disse que ele e seu colega rapidamente encontraram emprego numa loja que vende telefones, laptops e drones.

"Todas as lojas aqui estão procurando pessoas que falam russo", disse ele. "Tivemos sorte."

Depois que muitas empresas ocidentais saíram da Rússia, o governo de Putin incentivou importações não autorizadas daqueles produtos de outros países. O Ministério do Comércio da Rússia publicou uma lista de dezenas de empresas cujos artigos podem ser importados sem o consentimento dos fabricantes, incluindo Apple, Audi, Volvo e Yamaha.

"Quem quiser trazer qualquer bem de luxo poderá fazê-lo", prometeu Putin em maio passado.

Um relatório russo estimou que essas "importações paralelas" de laptops, tablets e smartphones totalizaram US$ 1,5 bilhão no ano passado. Ao mesmo tempo, carros e eletrônicos chineses inundaram o mercado russo.

"Você pode trazer o que quiser, desde que tenha dinheiro", disse Pyotr Bakanov, um jornalista automotivo baseado em Moscou. "Todo mundo que não é preguiçoso está trazendo carros."

As novas rotas comerciais passam em grande parte por países que mantêm relações amistosas com Moscou. Analistas e autoridades ocidentais apontaram a Turquia, China e ex-repúblicas soviéticas como Armênia e Cazaquistão como países que redirecionam produtos ocidentais para a Rússia. Eles dizem que o Kremlin está aproveitando essas importações não apenas para apaziguar uma população acostumada a telefones e carros estrangeiros, mas também para obter microchips para armas usadas contra a Ucrânia.

Bakanov, como outros blogueiros e jornalistas de carros russos, entrou no negócio sozinho: ele publica anúncios no aplicativo de mensagens Telegram, oferecendo-se para importar carros "sob encomenda de qualquer parte do mundo". Ele disse que as peças de automóveis estrangeiros também estão chegando via importação paralela —algumas agora estão disponíveis na Rússia por preços mais baixos do que antes da guerra, quando eram vendidas por revendedores autorizados cobrando altos prêmios.

Os novos padrões de comércio aparecem nas estatísticas internacionais; as exportações de carros da União Europeia para a Rússia, por exemplo, caíram de 5 bilhões de euros em 2021 para cerca de 1 bilhão de euros (R$ 5,35 bilhões hoje) em 2022.

Mas as exportações da UE para o Cazaquistão quase quadruplicaram, para mais de 700 milhões de euros, e as exportações para os Emirados aumentaram cerca de 40%, para 2,4 bilhões de euros. A Armênia relata que suas importações de carros mais do que quintuplicaram no ano passado, para US$ 712 milhões.

As empresas automobilísticas ocidentais geralmente negam conhecimento de que seus carros vão para a Rússia em quantidades significativas, ou de um aumento das vendas nos Emirados.

"Não vimos nada disso", disse Jim Rowan, CEO da Volvo.

Paul Jacobson, diretor financeiro da General Motors, disse: "Não tenho conhecimento de nada indo para a Rússia".

As montadoras teriam problemas para rastrear as vendas de veículos por meio de intermediários, dizem autoridades do setor. E as autoridades americanas responsáveis pela imposição de restrições se concentraram mais em bens que podem ser usados para fins militares.

Os Emirados Árabes Unidos foram identificados como um "país de foco" pelas autoridades americanas por seu papel como centro de produtos enviados para a Rússia em violação das sanções. Os eletrônicos são uma preocupação especial, dizem as autoridades, porque seus chips podem ser reaproveitados para uso militar.

"Os Emirados Árabes Unidos têm medidas estritas que regem as licenças de importação e exportação de materiais de uso duplo para evitar sua exploração para fins militares", disse um oficial dos Emirados em um comunicado.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.