Descrição de chapéu The New York Times WhatsApp

EUA bloqueiam números de WhatsApp para dificultar governo do Talibã

Aplicativo de mensagens se converteu na coluna vertebral da administração no Afeganistão

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Christina Goldbaum Safiullah Padshah
Cabul | The New York Times

Tarde da noite, dois meses atrás, uma equipe de agentes de segurança do Talibã se reuniu na periferia da capital afegã para preparar um ataque a um esconderijo do grupo Estado Islâmico.

Com a hora se aproximando, os homens mexiam com seus fuzis automáticos enquanto seu líder, Habib Rahman Inqayad, procurava a localização exata do alvo. Ele pegou os telefones de seus colegas e chamou seus superiores, que insistiram que tinham mandado a localização do alvo para o WhatsApp dele.

Inqyad, um talibã, usa o WhatsApp em seu telefone em Cabul
Inqyad, um talibã, usa o WhatsApp em seu telefone em Cabul - Jim Huylebroek - 15.abr.23/The New York Times

Só havia um problema: o WhatsApp havia bloqueado a conta de Inqayad, para cumprir as sanções impostas pelos EUA. "Nosso único meio de comunicação é o WhatsApp —e eu não tinha acesso", disse Inqayad, 25, que o New York Times vem seguindo desde que o Talibã tomou o poder, em agosto de 2021.

Ele não é único nessa situação. Nos últimos meses, queixas de oficiais do Talibã, policiais e soldados de que suas contas de WhatsApp foram suspensas ou temporariamente desativadas se generalizaram, mostrando até que ponto a plataforma se converteu na coluna vertebral do governo emergente do Talibã.

Essas interrupções também ressaltam as consequências de longo alcance da imposição de sanções internacionais sobre um governo que se tornou um dos mais isolados do mundo.

Há anos os EUA criminalizam qualquer tipo de apoio ao Talibã. Por isso o WhatsApp, pertencente ao Facebook, vasculha os nomes, as descrições e as fotos de perfil de grupos no aplicativo para identificar usuários que pertençam ao Talibã e assim bloquear suas contas, segundo um porta-voz da empresa.

A política está em vigor desde que as punições dos EUA foram impostas, mais de duas décadas atrás.

Mesmo quando o Talibã era uma insurgência, a proibição já atrapalhava alguns combatentes que dependiam do aplicativo pelo fato de ele poder ser usado por pessoas analfabetas e com poucas habilidades tecnológicas. Usando o recurso de mensagem de voz do WhatsApp, eles podiam ouvir mensagens e receber instruções verbais de seus comandantes, bastando apertar um botão.

Nos últimos dois anos, porém, a dependência do Talibã do WhatsApp cresceu ainda mais, com a ampliação do uso de smartphones e a melhora das redes 4G no país após o fim da guerra liderada pelos EUA. À medida que o Talibã consolidou seu poder, o funcionamento burocrático interno de seu governo também ficou mais organizado —e o WhatsApp ocupa posição central nas comunicações oficiais.

Departamentos utilizam grupos de WhatsApp para disseminar informação entre seus funcionários. Autoridades usam outros grupos para distribuir releases a jornalistas e transmitir comunicados oficiais entre ministérios. As forças de segurança planejam e coordenam ataques a células do Estado Islâmico, quadrilhas criminosas e combatentes de resistência, usando o aplicativo em seus telefones.

"O WhatsApp é tão importante para nós —todo meu trabalho depende dele", afirmou Shir Ahmad Burhani, porta-voz da polícia para a administração do Talibã na província de Baghlan, no norte do Afeganistão. "Se não houvesse WhatsApp, todo nosso trabalho administrativo e não administrativo ficaria paralisado."

O uso do WhatsApp nas fileiras do Talibã começou durante a guerra, quando o app ganhou popularidade mundial e torres de telefonia celular passaram a ser erguidas em todo o país. Especialistas estimam que hoje cerca de 70% da população tem acesso a um celular. Como milhões de pessoas em todo o mundo, os afegãos dependem da rapidez do WhatsApp para se comunicar entre eles e com o mundo externo.

Durante a guerra, combatentes do Talibã faziam fotos quando atacavam postos do governo e os compartilhavam via WhatsApp com seus superiores e com a ala de mídia da insurgência, disse Kunduzi, comandante do Segundo Regimento do exército do Talibã que preferiu ser identificado apenas por seu sobrenome porque não está autorizado a falar com a imprensa. "O WhatsApp era uma ferramenta simples, e enviar vídeos e fotos por email dava trabalho e levava tempo", acrescentou.

Desde que o Talibã tomou o poder, a popularidade e a acessibilidade do WhatsApp no grupo vêm crescendo rapidamente. Antigos combatentes começaram a usar seus smartphones o dia inteiro, perdendo o medo de que forças ocidentais usassem o sinal para rastreá-los ou atacá-los com drones.

Quando milhares de antigos combatentes assumiram postos novos como policiais e soldados em grandes cidades que agora estavam sob controle do Talibã, eles também ganharam acesso a lojas de celulares.

Mas o jogo de gato e rato de fechar as contas de WhatsApp virou uma dor de cabeça para chefes do Talibã e os faz lembrar que o regime que lideram é repudiado quase universalmente no palco internacional. Nenhum governo estrangeiro reconheceu formalmente o governo do Talibã. O congelamento de bilhões de dólares de ativos do banco central afegão pelos EUA prejudicou a economia. Proibições de viagem têm impedido líderes do Talibã de se reunir com alguns dignitários no exterior.

Zahid Omar, um talibã, troca mensagens de voz por WhtasApp em Cabul
Zahid Omar, um talibã, troca mensagens de voz por WhtasApp em Cabul - Jim Huylebroek - 14.abr.23/The New York Times

Algumas plataformas de mídia social, incluindo Twitter e YouTube, parecem interpretar as sanções com menos rigor e permitem que membros do Talibã as utilizem, mas o aplicativo de troca de mensagens mais popular do país é tecnicamente proibido. Mesmo assim, muitas pessoas cujas contas foram fechadas encontraram formas de contornar o problema, comprando novos chips de celular e abrindo novas contas.

Um mês depois de Inqayad, o funcionário de segurança, não ter conseguido se comunicar com seus comandantes durante a operação, ele comprou a contragosto um novo chip, abriu uma nova conta no WhatsApp e iniciou o processo de recuperar números perdidos e voltar a integrar grupos no WhatsApp.

Em seu posto policial, um contêiner de navio reformado e equipado com rádio manual, Inqayad tirou seu celular do bolso e começou a examinar sua nova conta. Ele mostrou todos os grupos dos quais faz parte: um de todos os policiais de seu distrito, outro dos antigos combatentes leais a um único comandante, um terceiro que usa para se comunicar com seus superiores na central. Inqayad disse que integra ao todo cerca de 80 grupos, mais de uma dúzia dos quais são usados para finalidades governamentais oficiais.

Recentemente ele fez um novo plano de dados ilimitados que lhe custa 700 afegânis mensais —cerca de US$ 8. Diz que é caro, mas vale a pena pelo aplicativo. "Minha vida inteira está no meu WhatsApp."

Tradução de Clara Allain

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