Morre Daniel Ellsberg, que vazou documentos do Pentágono, aos 92 anos

Depois de divulgar material secreto sobre Guerra do Vietnã, ex-fuzileiro foi descrito como 'homem mais perigoso' dos EUA

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Washington | Reuters

Daniel Ellsberg, ex-analista do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, conhecido por ter vazado informações secretas do Pentágono sobre a Guerra do Vietnã, morreu nesta sexta-feira (16) em casa, aos 92 anos. A família informou que a morte se deu em decorrência de uma pancreatite.

Ex-fuzileiro naval, Ellsberg foi secretamente à mídia em 1971 com o objetivo de acelerar o fim da Guerra do Vietnã, o que fez dele alvo de uma campanha de difamação do governo de Richard Nixon. Henry Kissinger, então conselheiro de segurança nacional, referiu-se a ele como "o homem mais perigoso da América".

O vazamento ficou conhecido como Pentagon Papers e incluía 7.000 páginas de revelações sobre "enganos de sucessivos presidentes que excederam sua autoridade, contornaram o Congresso e enganaram o povo americano", de acordo com o jornal The New York Times.

Daniel Ellsberg e sua esposa, Patricia, entregam-se às autoridades federais nos EUA, em 1971
Daniel Ellsberg e sua esposa, Patricia, entregam-se às autoridades federais nos EUA, em 1971 - Donald F. Holway - 28.jun.71/The New York Times

Muito antes de Edward Snowden e o Wikileaks revelarem segredos do governo em nome da transparência, Ellsberg fez com que os americanos soubessem que o governo era capaz de enganá-los .

Ele havia recebido diagnóstico de câncer pancreático inoperável em fevereiro, e o prognóstico, agora confirmado, era de "poucos meses de vida". Ele morreu em Kensington, na Califórnia.

Ellsberg tinha um currículo robusto quando foi enviado para Saigon, no Vietnã, na década de 1960. Ele obteve três diplomas na Universidade Harvard, serviu no Corpo de Fuzileiros Navais e trabalhou no Pentágono e na Rand Corporation, o influente think tank de pesquisa política.

Em seu livro "Secrets: A Memoir of Vietnam and the Pentagon Papers (segredos: memórias do Vietnã e dos documentos do Pentágono)", de 2003, disse que logo percebeu que os EUA estavam numa guerra que não venceriam. Enquanto isso, a pedido do então secretário de Defesa Robert McNamara, o Pentágono secretamente elaborou um relatório sobre o envolvimento americano no Vietnã de 1945 a 1967. Após a conclusão do estudo, em 1969, duas das 15 cópias publicadas foram para a Rand Corporation.

Ellsberg começou a copiar o estudo ultrassecreto do escritório da Rand à noite. Para isso, utilizou uma fotocopiadora alugada e teve o auxílio do filho, à época com 13 anos, e da filha, então com 10.

Ele levou os documentos quando se mudou para Boston para trabalhar no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e os guardou por um ano e meio antes de repassá-los ao New York Times.

O jornal publicou sua primeira edição dos Pentagon Papers em 13 de junho de 1971, e o governo Nixon agiu rapidamente para conseguir que um juiz interrompesse a publicação. A reivindicação de autoridade executiva e a invocação da Lei de Espionagem desencadearam uma luta pela liberdade de imprensa.

O passo seguinte de Ellsberg foi entregar os papéis ao Washington Post e a mais de uma dúzia de outras publicações. Menos de três semanas após a primeira reportagem, a Suprema Corte decidiu que os jornais tinham o direito de publicar o conteúdo. O estudo secreto dizia que as autoridades americanas concluíram que a guerra provavelmente não poderia ser vencida e que o presidente John F. Kennedy havia aprovado os planos de um golpe para derrubar o líder sul-vietnamita.

Daniel Ellsberg participa de manifestação em apoio a Chelsea Manning, denunciante do Wikileaks, em Fort Meade, em Maryland, nos Estados Unidos
Daniel Ellsberg participa de manifestação em apoio a Chelsea Manning, denunciante do Wikileaks, em Fort Meade, em Maryland, nos Estados Unidos - Nicholas Kamm - 1º.jun.13/AFP

O conteúdo também mostrava que o sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, tinha planos de expandir a guerra, incluindo bombardeios no Vietnã do Norte. Além disso, os jornais revelaram o bombardeio secreto dos EUA no Camboja e no Laos e que o número de mortes foi maior do que o relatado.

O New York Times nunca revelou quem vazou os arquivos secretos, mas o FBI descobriu a fonte. Ellsberg permaneceu na clandestinidade por cerca de duas semanas antes de se render em Boston.

"Senti que, como cidadão americano, como cidadão responsável, não poderia mais cooperar para ocultar essas informações do público americano. Fiz isso por minha conta e estou preparado para responder a todas as consequências desta decisão", disse Ellsberg na época.

Embora os documentos não tenham revelado a maneira como Nixon lidava com o Vietnã, uma unidade da Casa Branca recebeu ordens de impedir novos vazamentos e desacreditar Ellsberg. Mais tarde, esse mesmo departamento executaria a invasão de Watergate, em 1972, que levou à queda do presidente depois de o episódio ser revelado também pela imprensa. Dois meses e meio após a primeira publicação, dois homens que mais tarde figuraram com destaque em Watergate —G. Gordon Liddy e E. Howard Hunt— invadiram o escritório do psiquiatra de Ellsberg em busca de evidências incriminatórias.

Ellsberg e um colega da Rand Corporation acabaram sendo acusados de espionagem, roubo e conspiração. Mas, em julgamento de 1973, o caso foi encerrado com base na má conduta do governo quando a invasão foi revelada. Em seus últimos anos, Ellsberg, que nasceu em 7 de abril de 1931 em Chicago, tornou-se escritor e palestrante pela transparência do governo e contra a proliferação de armas nucleares. O vazamento dos Pentagon Papers foi retratado no filme "The Post", de 2017.

Ellsberg deixa a esposa, Patricia Marx, 85, herdeira de uma empresa de brinquedos e também ativista antiguerra, com quem teve um filho, Michael. Ele também foi casado com Carol Cummings, com quem teve dois filhos, Robert e Mary Carroll, antes de se divorciar em meados da década de 1960.

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