Descrição de chapéu The New York Times machismo

Por que mulheres migrantes estão buscando trabalho em construções nos EUA

Dominado por homens, setor apresenta sexismo como dificuldade para candidatas, mas oferece melhor remuneração

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Stefanos Chen Ana Ley
Nova York | The New York Times

Roxana García sentou-se numa sala de aula lotada em uma noite recente em Jackson Heights, no Queens, com 38 desconhecidos, entre os quais um chefe de cozinha, um técnico de TI e um gerente de empresa.

Todos lá estavam com o mesmo objetivo: conseguir um emprego na construção civil, uma das poucas indústrias abertas à crescente população migrante de Nova York. Enfermeira de Guayaquil, no Equador, García chegou há três meses a Nova York, com seu companheiro e dois filhos. Desde então, subsiste em trabalhos de limpeza doméstica, mas vê um futuro melhor na construção: ser capaz de cuidar melhor de sua adolescente pré-diabética e ter meios financeiros para levar sua família à Disney.

"Vim para cá com uma mala cheia de sonhos", disse ela em espanhol. "Se eu pudesse transformar isto numa profissão, seria excelente, porque não consigo me concentrar no que já fui."

Sala de aula com recém-chegados a Jackson Heights, no Queens, para obter cartões de certificação para se tornarem trabalhadores da construção civil na cidade de Nova York
Sala de aula com recém-chegados a Jackson Heights, no Queens, para obter cartões de certificação para se tornarem trabalhadores da construção civil na cidade de Nova York - Kirsten Luce - 14.jun.23/The New York Times

Atraídas por um trabalho mais estável e melhores salários, um número maior de mulheres migrantes está entrando na área da construção, dominada por homens, dizem provedores de serviços sociais. Isso num momento em que a cidade enfrenta dificuldade para acomodar milhares de requerentes de asilo.

Elas enfrentam sexismo de colegas de trabalho e empregadores, práticas exploratórias e condições de ofício perigosas. Mas para as recém-chegadas que talvez não consigam a residência legal durante anos, se é que um dia conseguirão, também pode ser o primeiro degrau na escada para uma vida melhor.

A procura pelas vagas é intensa. Em 2019, antes da pandemia e da onda de migração da América Central e do Sul, o Departamento de Edificações emitiu 20.423 cartões de treinamento de segurança —certificação obrigatória para os trabalhadores terem permissão para trabalhar em grandes canteiros de obras. Somente no primeiro semestre deste ano a prefeitura liberou o triplo desses documentos.

Para obter a certificação, os candidatos devem fazer 40 horas de treinamento de segurança e passar num exame, embora não sejam obrigados a ter um número da Previdência Social. Das mais de 300 mil pessoas na cidade de Nova York com cartões de treinamento de segurança ativos, 94% são homens.

Mas o número de mulheres que entram no setor está crescendo. O Worker's Justice Project, grupo de defesa de trabalhadores imigrantes com sede no Brooklyn, ofereceu um curso de segurança na construção pela primeira vez para mulheres em 2010, com apenas oito alunas. Neste mês, abriu duas turmas femininas, cada uma com cerca de 40 alunas, o limite legal.

Outro grupo de serviços para imigrantes, o NICE, com sede no Queens, disse que quase metade dos alunos matriculados em suas aulas de segurança na construção neste mês era de mulheres. As aulas do grupo são gratuitas, enquanto empresas privadas podem cobrar mais de US$ 400 (cerca de R$ 1.900).

Mais de 78 mil requerentes de asilo chegaram à cidade de Nova York desde maio de 2022, com mais de 2.000 novas chegadas por semana, segundo dados da prefeitura. Ao contrário das ondas anteriores, quando era comum homens solteiros fazerem a viagem, mais pessoas estão cruzando a fronteira sul com famílias, fugindo da violência e de problemas econômicos em países como Colômbia, Equador e Venezuela, diz Mario Russell, diretor-executivo do Centro de Estudos da Migração de Nova York.

A construção é um dos poucos setores que está contratando, o que pode explicar por que um número crescente de mulheres é atraído para esse campo. "Talvez não haja mais nada para elas", diz Russell.

Também há oportunidade de crescimento salarial na construção, se os trabalhadores forem certificados em habilidades especializadas, como montar andaimes. Mas fazer a transição é difícil. A mexicana Adriana Ariza, 49, obteve seu cartão de treinamento de segurança pela primeira vez em 2016, após largar um emprego na fabricação de perucas. Nesse trabalho, ela recebia US$ 9 (R$ 43) por hora, menos da metade do que os homens em sua função ganhavam.

Como primeira mulher numa equipe de empreiteiros de demolição, que transportam entulho pesado de canteiros de obras, o salário de Ariza saltou para US$ 15 (R$ 80) por hora.

Ela era frequentemente rejeitada por colegas de trabalho. "Eles costumavam me dizer: 'Tenho mais direito a este emprego, porque sou o ganha-pão da minha família'", conta ela, em espanhol. "Mas eu também sou."

Ariza trabalhou na construção civil durante três anos, expandindo suas habilidades para pintura e piso, mas seu salário nunca aumentou. Ela deixou a indústria depois de machucar as costas, e agora trabalha para organizações sem fins lucrativos de apoio a imigrantes. Ela diz acreditar que a construção lhe deu crescimento pessoal em termos de trabalho. "Mais que tudo, me deu a chance de saber que sou capaz de fazer coisas que só os homens fazem", diz. "Se quisermos, podemos fazer qualquer trabalho."

O sexismo no setor de construção não é novidade. María De la Paz Mejía, 62, foi jornalista na Colômbia antes de mudar de carreira para a construção quando tinha 30 anos. "Cheguei como intrusa e tinha todos esses homens contra mim", conta ela sobre seu primeiro emprego na área.

María De la paz Mejía, 62, ex-jornalista da Colômbia, em Nova York
María De la paz Mejía, 62, ex-jornalista da Colômbia, em Nova York - Kirsten Luce - 14.jun.23/The New York Times

María chegou a Nova York há três meses e está treinando para aplicar suas habilidades. Sabe que sua idade a coloca em desvantagem em um campo de trabalhadores muito mais jovens, mas conta com a experiência para se manter. "Eu sobrevivi uma vez e acho que posso sobreviver de novo."

Frequentemente, os primeiros empregos que as mulheres conseguem na construção são semelhantes às tarefas domésticas mal remuneradas das quais estão tentando escapar: limpeza de obra, que envolve carregar materiais pesados e se expor a produtos químicos industriais. Os canteiros de obras variam de pequenas reformas de casas nos subúrbios a arranha-céus de apartamentos em Manhattan.

Os empreiteiros que contratam pessoas que estão com status ilegal no país começaram a aceitar mais mulheres. Muitas vezes, porém, isso tem um preço, diz Hildalyn Colón Hernández, vice-diretora do NICE.

A ex-enfermeira Roxana García, 36, que estuda para se tornar trabalhadora da construção civil
A ex-enfermeira Roxana García, 36, que estuda para se tornar trabalhadora da construção civil - Kirsten Luce - 14.jun.23/The New York Times

A organização recebe cerca de 60 a 100 denúncias de falta de pagamento de salários todos os meses, conta. "Esta é a época perfeita para empregadores inescrupulosos, porque eles têm um mercado enorme."

Para García, a ex-enfermeira, a construção ainda é sua melhor chance de ter uma renda confiável, embora queira futuramente retomar sua antiga profissão. Seu objetivo é conseguir estabilidade para seus dois filhos, que estão com ela e seu companheiro num abrigo para imigrantes em Manhattan. A filha de García tem 15 anos e se matriculou num programa de treinamento militar da escola, na esperança de ingressar no Exército. Já o seu filho, de 3, deseja ser bombeiro. "Estou aqui pelos sonhos deles", diz a ex-enfermeira.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.