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Espanhóis se viram forçados a votar no 'menos pior' nas eleições

Potenciais aliados dos principais partidos eram a ultradireita, de um lado, e separatistas ligados ao terrorismo, do outro

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Diogo Bercito

Mestre em estudos árabes, foi correspondente da Folha em Jerusalém e em Madri

Quando os espanhóis foram às urnas neste domingo (23), pensavam não só nos partidos em que votariam, como também nos futuros aliados dessas siglas. A votação se tornou, assim, uma espécie de eleição por tabela, o que ficou bastante evidente nas campanhas e também na cobertura que a imprensa fez do pleito.

Estava claro de antemão que nenhuma sigla conquistaria os 176 assentos necessários para governar sozinha —ainda que o fato de que nem mesmo as coligações formadas com essa intenção tenham alcançado esse resultado seja, sim, uma surpresa.

Eleitores preparam cédulas em Ronda durante pleito geral na Espanha - Jon Nazca/Reuters

A necessidade de formar alianças não é, em si, uma novidade em um sistema parlamentarista tão fragmentado. O que talvez seja inédito é a enorme rejeição que os eleitores sentem pelos colaboradores disponíveis para os grandes partidos formarem um governo no país.

A principal sigla da centro-direita é o PP (Partido Popular), que só poderia governar com o apoio do ultradireitista Vox —no final, mesmo juntos eles não alcançaram a maioria necessária. De todo modo, a esquerda tinha ojeriza a essa possibilidade. Uma da bandeiras do Vox é uma política nacionalista e eurocética que prevê a expulsão imigrantes. Ademais, o partido tem posições radicais contra os direitos das pessoas LGBTQIA+, que foram um dos temas centrais das eleições deste ano.

Já na centro-esquerda, domina o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) do atual premiê, Pedro Sánchez. Sua única opção de governo era uma aliança com o resto do Parlamento, incluindo siglas independentistas e formações políticas ligadas ao legado terrorista do ETA, o grupo separatista basco. Essa possibilidade alienou bastantes eleitores do PSOE. Contribuiu também, aliás, para as derrotas da esquerda nas eleições regionais de maio.

Fica a impressão de um empobrecimento político no país. Eleitores pareciam mais entusiasmados em impossibilitar alianças do que em eleger líderes que os inspirassem. A cada pesquisa de intenção de voto que saía, a imprensa se dedicava a fazer as contas para ver com que sigla cada partido precisaria se unir. Mesmo quem acompanhou essa campanha talvez nem saiba dizer o que PP e PSOE propunham.

Sintoma disso é o fato de que o PP sinalizou nas últimas semanas que a única maneira de impedir sua aliança com o Vox seria os eleitores votarem em peso no partido, de modo que tivesse os 176 assentos necessários para governar sozinho, sem os ultradireitistas.

O cenário político já foi mais esperançoso na Espanha. Os ciclos eleitorais dos anos 2010, por exemplo, tinham trazido novos partidos e, com eles, outras ideias de futuro. O Podemos seduzia à esquerda, e o Cidadãos, ao centro e à centro-direita. Falava-se em uma renovação política, em ir além dos grandes partidos "de toda la vida".

Não é o caso de idealizar o passado. A política espanhola dos anos 2010 foi marcada também por resultados inconclusivos e pela derrocada de governos e candidatos devido a graves denúncias de corrupção. Ademais, o cardápio eleitoral nunca se renovou de fato. Forças radicais à esquerda e à direita inviabilizaram as opções de centro —tanto que o Cidadãos, que segue essa linha, nem quis se apresentar nestas eleições.

Mesmo assim, é desanimador assistir a discussões em que eleitores tentam decidir qual futuro é menos pior: a aliança com nacionalistas radicais ou com separatistas vinculados à história do terrorismo. Não surpreende que os espanhóis tenham chiado porque as eleições coincidiram com as férias de verão, tamanha a sua alienação política.

Isso tudo explica, em parte, a proliferação de memes durante as campanhas. Como quem diz que precisamos pelo menos rir. Ressuscitaram, por exemplo, um vídeo de 2021 em que uma criança se refere na televisão a Pedro Sánchez como "Perro Sanxe". A graça é que "perro" quer dizer "cachorro", em espanhol.

Sánchez foi também tema de um outro meme. Quando foi votar nas eleições regionais de maio, alguém gritou para ele: "que te vote Txapote!", ou seja, "que Txapote vote em você!". É o apelido de Francisco Javier García Gaztelu, um dos líderes mais conhecidos do grupo separatista basco ETA, acusado de terrorismo. Tanto "Perro Sanxe" como "que te vote Txapote" marcaram toda essa campanha.

O candidato do PP, Alberto Núñez Feijóo, também foi alvo de chacota política, ainda que em menor grau. Veio à tona uma fotografia de 1995 em que ele aparece em um barco ao lado do narcotraficante Marcial Dorado, que era um conhecido seu. O mote dos seus rivais e desafetos foi, assim, "que te vote el narco del bote!".

Apostando nesse clima de gracejos e imagens viralizadas, o movimento de esquerda Sumar —herdeiro do partido Podemos— lançou uma campanha surreal protagonizada por frutas disfarçadas de gatinhos. Em uma das peças, aparece o líder do Vox, Santiago Abascal, substituindo uma bandeira do arco-íris pela da Espanha.

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