Queima de Alcorão volta a gerar revolta no Iraque, desta vez contra Dinamarca

Manifestantes tentam chegar à embaixada do país nórdico em Bagdá após dinamarqueses atearem fogo a livro sagrado

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São Paulo

A queima de exemplares do Alcorão por militantes na Europa continua a gerar revolta no Iraque —desta vez, o alvo dos protestos foi a Dinamarca, onde um grupo de ultradireita ateou fogo a uma cópia do livro na sexta-feira (21).

O episódio fez centenas de manifestantes tentarem chegar até a embaixada dinamarquesa em Bagdá na madrugada do sábado (22), em um protesto interrompido pelas forças de segurança iraquianas ao lançarem gás lacrimogêneo sobre a multidão. À tarde, milhares de pessoas se reuniram no centro da capital.

Manifestantes carregam cartazes com fotos do líder xiita Moqtada al-Sadr perto da Zona Verde de Bagdá - Murtaja Lateef - 21.jul.23/AFP

O ato é o mais recente capítulo de uma controvérsia que começou no final de junho, quando o livro sagrado do islã foi queimado em frente à principal mesquita em Estocolmo. O protesto, realizado por um refugiado iraquiano, havia sido autorizado pela polícia, em cumprimento a uma decisão da Justiça que determinava que impedir manifestações do tipo violava o direito à liberdade de expressão.

As tensões aumentaram na quinta-feira (20), quando a polícia autorizou novamente a realização de um ato que, segundo os organizadores, seria palco não só da queima de um Alcorão como também de uma bandeira iraquiana. O mero anúncio do evento foi o suficiente para que milhares de pessoas invadissem a embaixada sueca em Bagdá e ateassem fogo ao edifício da representação diplomática.

Ato contínuo, o governo iraquiano expulsou de seu território a embaixadora sueca e convocou seu encarregado de negócios em Estocolmo —medidas que parecem indicar uma ruptura diplomática entre as nações.

Desde então, a revolta vista em Bagdá se espalhou por diversos países de maioria muçulmana. Na sexta-feira (21), as chancelarias de Arábia Saudita, Qatar e Irã convocaram os diplomatas da Suécia em seus respectivos países, ato visto como uma reprimenda na prática diplomática, e manifestações foram registradas no último e no Líbano, cujo ator político mais influente, o grupo islâmico xiita Hizbullah, é financiado pelos iranianos.

A destruição de um Alcorão diante da embaixada do Iraque em Copenhague, na Dinamarca, na mesma data só intensificou esse clima de hostilidade. O evento foi transmitido ao vivo pelo grupo de ultradireita que organizou o ato, Danske Patriote, ou patriotas dinamarqueses. Na transmissão, o livro sagrado aparece em chamas sobre uma bandeja de papel alumínio ao lado da bandeira iraquiana jogada no chão.

Em reação ao vídeo, centenas de iraquianos se reuniram na Praça Tahrir, no centro de Bagdá, na madrugada do sábado. Um fótografo da AFP presente relatou que eles cantavam "sim, sim ao Alcorão" e erguiam cartazes com retratos do clérigo xiita Moqtada al-Sadr, uma das figuras mais influentes da política do país.

Foi o religioso, aliás, que influenciou a invasão à embaixada da Suécia dias antes. A manifestação deste sábado foi, no entanto, convocada por partidos apoiados pelo Irã e grupos armados que apoiam o governo.

De madrugada, a polícia bloqueou o acesso à Zona Verde, como é conhecida a área de Bagdá que abriga instituições governamentais e embaixadas. Mesmo assim, alguns dos manifestantes conseguiram forçar sua entrada e correr até o prédio dinamarquês, sendo depois dispersados pela polícia com cassetetes e gás lacrimogêneo.

O ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, Lars Lokke Rasmussen, afirmou que a queima do Alcorão foi uma "estupidez" praticada por indivíduos específicos. "É um ato vergonhoso insultar a religião dos outros. Isso se aplica ao incêndio do Alcorão e de outros símbolos religiosos. Não tem outro propósito senão provocar divisão" disse ele à emissora pública DR.

Rasmussen acrescentou, no entanto, que queimar livros religiosos não era crime na Dinamarca, assim como não é na Suécia.

As normas desses países entram em choque com a visão de algumas das nações de maioria muçulmana. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Nasser Kanaani, disse por exemplo que "o governo dinamarquês é responsável por prevenir insultos ao Sagrado Alcorão e às santidades islâmicas, bem como processar e punir aqueles que cometeram os insultos". Segundo ele, os Estados muçulmanos esperam "ações práticas" do governo dinamarquês.

Enquanto isso, a chancelaria iraniana convidou o embaixador da Dinamarca para protestar contra a "profanação do Alcorão em Copenhague". O país, que posterga o envio de um novo embaixador para a Suécia, também disse que em razão dos ataques não aceitaria que o país escandinavo enviasse um novo representante diplomático ao seu território.

O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, declarou no sábado que aqueles que queimaram o Alcorão mereciam uma "punição mais severa" e exigiu que a Suécia entregasse os responsáveis aos "sistemas judiciais dos países islâmicos".

Já a Presidência do Iraque pediu às organizações internacionais e aos governos ocidentais que "parem com as práticas de incitamento ao ódio, sejam quais forem seus pretextos". Em um comunicado, o gabinete ainda pediu a seus cidadãos para não serem arrastados em direção ao que descreveu como uma "conspiração" para mostrar que o Iraque não é seguro para missões estrangeiras.

Com AFP e Reuters

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