Descrição de chapéu The New York Times

Feira de cavalos no interior da Inglaterra atrai milhares de ciganos todos os anos

Evento em Appleby reúne grupos com estilo de vida nômade para festejar sua cultura e fazer negócios

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Eric Nagourney
The New York Times

Há o mundo. E há Appleby.

A região no noroeste da Inglaterra é sede da Feira de Cavalos de Appleby, evento anual em que milhares de viajantes conhecidos como "pavee", membros de um grupo étnico originário da Irlanda com um estilo de vida nômade, reúnem-se para desfrutar o prazer raro de não ser rejeitados por comunidades, mas abraçados.

Horses
Público no rio Eden, durante a feira em Appleby - Mary Turner - 9.jun.23/The New York Times

"Quando a gente vem para um lugar como a Feira de Appleby e se senta em volta das fogueiras, isso dá um sentimento de pertencimento, de fazer parte deste lugar, de uma ascendência comum", diz Billy Welch, um dos organizadores do evento. "Durante a semana da feira, sentimos que estamos em casa, de fato."

A vida na Inglaterra nunca foi fácil para os viajantes irlandeses ou para os ciganos, como muitos ainda se descrevem —em outros países, muitos encaram esse termo como pejorativo e preferem se dizer "rom".

Ambos nasceram como grupos nômades muitos séculos atrás. Os rom migraram do norte da Índia para a Europa, e os viajantes emergiram na atual Irlanda. Na Inglaterra, a feira de Appleby une a comunidade.

As origens da feira remetem ao início do século 18, quando mascates vindos de todas as partes do Reino Unido começaram a montar acampamento em junho na cidade de Appleby-in-Westmoreland, na zona rural da região de Cumbria. E, apesar de todas as atrações que a feira foi ganhando desde então, os cavalos ainda são a principal.

Eles são banhados no rio Éden. Seus donos os levam em corridas pelas ruas e eles desfilam com muita pompa em um evento chamado "The Flash". São comprados e vendidos.

"Venho para a feira a vida toda, desde criança, e minha família vem há gerações para comprar e vender cavalos", diz Riley Gaskin, 26, de Derby. "São férias e negócios ao mesmo tempo e no mesmo lugar."

As famílias de muitos dos frequentadores da feira se estabeleceram na Inglaterra há centenas de anos. Mas a vida tem muitas vezes sido difícil. A pobreza e os problemas de saúde são generalizados, e muitas comunidades são hostis aos acampamentos dos viajantes e dos ciganos. Mesmo os chamados ciganos "sedentários", que abriram mão da vida na estrada, são discriminados.

"As pessoas nos falam para voltar para o lugar de onde viemos", relata Welch. "Minha família vive em Darlington há décadas, mas ainda nos dizem isso." E está piorando, dizem eles.

Sophie-Lee Hamilton e seu parceiro, Tom Smith, contam que seu trailer foi atacado mais de uma vez quando estava parado à beira da estrada. Em uma delas, Hamilton estava sozinha com os três filhos pequenos. "Todo ano eles tentam impedir o festival", diz Smith, "mas todo o mundo comparece de todo modo".

Durante o festival, Appleby, que tem 3.228 habitantes, recebe até 30 mil visitantes. E são visitantes festeiros. "Podemos sentir o ambiente mudar quando vai haver problemas", diz a policial Ruth Harper.

A feira tem pouca organização formal, e Kevin Hope, visitante vindo de Darlington, reconhece que há baderneiros. "Em todo lugar há gente boa e gente ruim, mas no nosso caso nos encaram como sendo todos ruins."

Frequentador mostra tatuagem de cavalos na feira em Appleby - Oli Scarff - 9.jul.23 /AFP

Alguns estabelecimentos comerciais fecham as portas durante os cinco dias da feira, e alguns residentes de Appleby ficam incomodados com o evento.

Mas Harper, a policial, diz que aguarda a feira com prazer. Quando as festividades estavam perto de terminar, numa noite, ela afirmou, usando uma palavra irlandesa para se referir a diversão: "Todo mundo passou o dia inteiro realmente feliz. Foi ótimo."

Quando Hope foi a Appleby pela primeira vez, ele era tão pequeno que cabia num engradado de frutas. "A primeira vez que vim para cá foi dentro de um engradado de laranjas, no banco da frente de uma carroça com rodas de ferro e tampa em arco."

Hoje ele tem 60 anos, mas as famílias ainda trazem suas crianças para a feira, muitas vezes vestindo-as com figurinostradicionais.

Welch faz um gesto em direção às crianças que brincavam ali perto. "Se você perguntasse a essas crianças: ‘Vocês querem ir à Disneylândia ou a Appleby?’, não haveria dúvida sobre a resposta."

Mulher anda a cavalo em Appleby - Oli Scarff - 9.jun.23/AFP

Para os ciganos e viajantes que passam boa parte do ano conformando-se com as convenções do mundo moderno, a feira de Appleby é uma oportunidade de vivenciar suas tradições. Aqueles que possuem as carroças tradicionalmente pintadas de verde as tiram do depósito para usar na viagem, que pode levar várias semanas. Optar por este meio de transporte, aliás, é uma decisão ao mesmo tempo sentimental e estratégica.

"Quando você vem de carroça, não é alvo das mesmas críticas e vaias que receberia em um trailer", diz Becky Lumb, 35, que viajou à feira saindo de Bradford, no norte da Inglaterra. "As pessoas acham que isso é algo tradicional e até romântico."

Chegando à feira, eles montam suas barracas e procuram seus amigos e parentes, que em alguns casos não viam desde o ano anterior. Alguns querem principalmente olhar os cavalos. Outros —especialmente os adolescentes— estão mais interessados em olhar uns aos outros.

Mais de um relacionamento já nasceu entre as carroças, trailers e barracas que cobrem o campo de Appleby todo ano em junho, e por isso mesmo os participantes mais jovens geralmente não saem sem estar arrumados bem do jeito que querem.

Mas não há pressa: os dias são longos, e as noites, também. Às vezes até o tempo coopera. "Foi uma feira linda este ano", disse Hope quando a feira de Appleby chegou perto do fim este ano. "Fez calor, mas calor é bem melhor que chuva."

Tradução de Clara Allain

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