Guarda Costeira da Grécia foi responsável por naufrágio de migrantes, diz investigação

Últimos movimentos da embarcação que afundou com centenas de pessoas contradizem discurso oficial das autoridades

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São Paulo

Uma investigação independente divulgada nesta segunda-feira (10) apontou que o naufrágio de uma embarcação lotada de migrantes na Grécia pode ter sido provocado por uma operação malsucedida da Guarda Costeira local para rebocar o barco. O incidente, o mais mortal do tipo no país europeu desde 2016, causou a morte de pelo menos 82 pessoas e deixou centenas de desaparecidos no mar Mediterrâneo.

A investigação foi conduzida pelo jornal britânico The Guardian, a emissora pública alemã ARD/NDR/Funk e a agência grega Solomon. Os veículos realizaram mais de 20 entrevistas com sobreviventes e examinaram documentos do governo para apurar as causas.

Manifestantes pedem mais direitos aos migrantes em ato na cidade de Pireu, na Grécia, após naufrágio de barco superlotado
Manifestantes pedem mais direitos aos migrantes em ato na cidade de Pireu, na Grécia, após naufrágio de barco superlotado - Louisa Gouliamaki - 18.jun.23/AFP

O barco com migrantes afundou em junho perto da península de Peloponeso, na Grécia. As autoridades resgataram 104 pessoas e retiraram 82 corpos do mar. Segundo organizações que atuam em defesa dos migrantes, a embarcação transportava cerca de 750 pessoas —centenas continuam desaparecidas.

Vários sobreviventes acusaram a Guarda Costeira grega de provocar o naufrágio ao tentar rebocar a embarcação —a instituição nega que seus agentes tenham se envolvido no incidente. Para apurar as versões, os investigadores mapearam os momentos que precederam o naufrágio com dados do tráfego marítimo, rotas de voos, imagens de satélite, além de depoimentos de autoridades e migrantes.

Segundo a Guarda Costeira, a embarcação navegava em direção à Itália e foi avistada por uma aeronave da Frontex, a agência de fronteiras da União Europeia. Na ocasião, o barco estaria a 80 quilômetros da cidade grega de Pylos, e as pessoas a bordo teriam recusado assistência. Horas depois, a embarcação afundou.

Os últimos movimentos do barco superlotado, porém, contradizem as autoridades gregas e revelam inconsistências no relato oficial, segundo a investigação. Em um primeiro momento, a Guarda Costeira teria manifestado relutância em socorrer o barco. A instituição teria negado três vezes os pedidos de assistência feitos pela Frontex. Além disso, havia um navio de resgate atracado em um porto próximo do local do acidente que nem sequer foi enviado para auxiliar os migrantes.

O barco que transportava centenas de pessoas teria começado a navegar para o oeste ao avistar o único navio da Guarda Costeira grega enviado ao local. Segundo relatos de sobreviventes, agentes da instituição teriam dito que os levariam à Itália —contradizendo a versão oficial de que a embarcação navegava em direção ao país por conta própria.

A investigação também mostrou que o barco ficou parado por ao menos uma hora até que ocorreu a tentativa de reboque. "Sinto que eles tentaram nos empurrar para fora das águas gregas para que saíssemos da área de responsabilidade deles", disse um sobrevivente ao Guardian.

Duas tentativas de rebocar o barco teriam sido feitas. Na segunda, a embarcação virou e afundou, disseram testemunhas, acrescentando que tiveram os seus celulares confiscados pelas autoridades.

A versão oficial também tem sido contestada por familiares das vítimas. Tarek Aldroobi, que tinha três parentes a bordo, disse à rede CNN em junho que testemunhas viram as autoridades rebocando o navio com cordas. "O barco estava em boas condições, e a Marinha grega tentou rebocá-lo, mas as cordas estavam amarradas nos lugares errados", disse. "Quando a Marinha tentou puxá-los, o barco virou."

Ilias Siakanderis, porta-voz do governo, reiterou que a Guarda Costeira avistou a embarcação duas horas antes do naufrágio e que os agentes deixaram o local após a ajuda ter sido recusada. "Quando o barco virou, não estávamos nem perto. Como poderíamos rebocá-lo?", disse Nikos Alexiou, porta-voz da Guarda Costeira, à emissora grega ERT.

A Grécia é acusada com frequência de rejeitar a presença de barcos com migrantes. Vídeos que vieram à tona em maio mostraram autoridades gregas deixando 12 migrantes africanos, entre os quais crianças, em um bote salva-vidas em alto mar, configurando uma deportação extrajudicial que viola leis internacionais e regras da União Europeia, bloco ao qual o país pertence.

Segundo a Frontex, o número de entradas irregulares em países-membros da UE em 2022 aumentou 64% em relação ao ano anterior e chegou ao nível mais alto desde 2016, quando a cifra foi pouco superior a 500 mil. Segundo o órgão, no ano passado foram registradas 330 mil entradas em condições ilegais.

O naufrágio de junho foi o incidente mais mortal registrado pela Grécia desde 2016, quando 320 pessoas morreram ou foram consideradas desaparecidas após um barco afundar na costa da ilha de Creta.

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