Russos deixam de meias sujas a cadáveres putrefatos para trás na Ucrânia

Tropas de Kiev avançam de forma lenta no sul e recuperam fortificações antes tomadas por soldados de Moscou

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Novodarivka | The New York Times

Um vidro de xarope com ingredientes siberianos, pilhas de meias sujas e um saquinho de chá de uma marca produzida especialmente para militares, estampado com as palavras "para a vitória!", são alguns dos itens deixados para trás por soldados russos nas trincheiras no sul da Ucrânia.

Para soldados ucranianos, uma vantagem de obterem pequenos avanços na contraofensiva lançada há um mês é a possibilidade de se apropriarem de fortificações prontas, construídas por russos que estão em retirada e que, ao longo de meses de preparativos, escavaram trincheiras fundas e bem protegidas.

Soldados ucranianos pilotam um drone, em busca de posições russas, de uma trincheira na região de Zaporíjia, no sul da Ucrânia
Soldados ucranianos pilotam um drone, em busca de posições russas, de uma trincheira na região de Zaporíjia, no sul da Ucrânia - David Guttenfelder - 6.jul.23/The New York Times

Mas isso também traz fatores curiosos às forças de Kiev, que estão vivendo e combatendo em posições que passaram muito tempo nas mãos dos russos e estão cheias de detritos militares e objetos pessoais de soldados inimigos espalhados.

"Não é muito agradável", diz Maksim, da 26ª brigada de Marines da Ucrânia. O soldado vem colecionando várias curiosidades dessas fortificações, como munições cobertas de brilho, presas a um chaveiro. "É nossa terra, mas não nos sentimos muito à vontade aqui", segue o soldado, que informou apenas seu primeiro nome e sua patente por razões de segurança. "Não nos sentimos em casa."

No início de junho, tropas ucranianas, treinadas e equipadas pelos EUA e outros aliados ocidentais, lançaram uma contraofensiva com objetivo de abrir uma brecha no sul da Ucrânia, sob ocupação de Moscou. À espreita estavam milhares de soldados russos abrigados em quilômetros de trincheiras e outras fortificações, em meio a armadilhas de tanques e milhares de minas terrestres.

As forças ucranianas atacam em pelo menos três áreas. Em seu ponto de avanço mais distante, elas avançaram para o sul, abrindo caminho por cerca de oito quilômetros entre as linhas defensivas.

Comandantes ucranianos querem alcançar o Mar de Azov, distante cerca de 88 quilômetros atravessando campos abertos que oferecem pouca cobertura. Se conseguirem, vão dividir o sul ocupado pela Rússia em duas zonas, comprometendo fortemente a capacidade russa de reabastecer suas forças mais a oeste.

Em seu avanço, os ucranianos tomaram linhas de trincheiras, bunkers e posições de tiro em construções abandonadas. Mas, submetidos a bombardeio constante de artilharia, não têm tido muito tempo para remover os detritos e as roupas, equipamentos de proteção corporal, ponchos, cobertores e rações alimentares militares deixadas pelo inimigo.

Um gato cochila na esteira de dormir de um soldado ucraniano em um local fortificado anteriormente usado pelos russos
Um gato cochila na esteira de dormir de um soldado ucraniano em um local fortificado anteriormente usado pelos russos - David Guttenfelder - 6.jul.23/The New York Times

Tome-se o caso do vilarejo de Novodarivka, nas planícies da região de Zaporíjia, no sul da Ucrânia. Um mês depois de ter sido retomado por soldados da 110ª Brigada de Defesa Territorial e outras unidades ucranianas, os detritos deixados pelas forças de ocupação ainda se espalham pelo vilarejo.

Uma difícil tarefa vem sendo recuperar os restos mortais de soldados ucranianos que morreram defendendo o vilarejo nos primeiros meses da guerra, quando as forças russas avançaram rapidamente. Segundo o tenente Volodimir, sete cadáveres estavam jogados na área desde abril de 2022.

Os ucranianos enviaram drones para sobrevoar o vilarejo, enquanto estava ocupado, para certificar-se de que os russos não haviam removido os corpos. Na quarta, eles enfim tiveram a oportunidade de recuperá-los. Segundo o tenente, estavam reduzidos a esqueletos e terão que ser identificados por seu DNA.

Quanto aos mortos russos, disse Volodimir, os ucranianos recuperaram os que puderam ser removidos sem risco e estão cobrindo outros com montes de terra, para tentar controlar o mau cheiro. Mesmo assim, um fedor terrível pairava sobre as trincheiras, e nuvens de moscas voavam por toda parte.

Diferentemente das unidades recém-treinadas e equipadas despachadas especificamente para a contraofensiva, a 110ª Brigada de Defesa Territorial vem combatendo no sul há mais de um ano.

Um soldado da brigada que se identificou como sargento Igor disse que sua unidade vem avançando lentamente, arrastando-se até linhas de árvores entre os campos, para atacar as trincheiras russas. Segundo ele, esses avanços lentos são preferíveis a grandes ataques.

"Temos que avançar aos poucos, com infantaria, e quebrar a resistência deles dessa maneira", disse Igor. "Rastejar para frente, combatê-los e depois nos protegermos de novo."

Seis minas deixada por tropas russas em uma fortificação em Novodarivka, na Ucrânia
Seis minas deixada por tropas russas em uma fortificação em Novodarivka, na Ucrânia - David Guttenfelder - 6.jul.23/The New York Times

Segundo o sargento ucraniano, é preciso tempo para os soldados treinados pelos aliados ocidentais de Kiev se tornarem hábeis no combate travado nos campos abertos.

Igor também diz que os recrutas novatos ficam desmoralizados quando seus colegas ficam feridos ou morrem. "O moral deles é afetado em pouco tempo. Os soldados vão aprender", acrescenta. "É complicado. E está indo devagar. Mas o importante é que está indo."

Tradução de Clara Allain

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