Por que contraofensiva da Ucrânia enfrenta dificuldade para avançar contra a Rússia

Mesmo com armamentos doados pelo Ocidente, Exército de Zelenski sofre com campos minados e helicópteros russos

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Andrew E. Kramer Eric Schmitt
Zaporíjia (Ucrânia) | The New York Times

A coluna de tanques blindados do tipo Bradley avançou lentamente, cheia de soldados ucranianos contra tropas da Rússia. A ofensiva levava consigo uma arma americana nova e potente para a frente da guerra.

Mas um desses blindados passou sobre uma mina explosiva. O baque detonou um dos trilhos do tanque, imobilizando-o. Após o incidente, a coluna inteira mudou de direção e recuou no campo de batalha.

Três semanas depois de lançada uma contraofensiva, considerada crucial para as perspectivas da Ucrânia contra a Rússia, o Exército de Volodimir Zelenski vem topando com uma série de desafios que complicam seus planos —apesar de ele estar usando armas sofisticadas fornecidas pelo Ocidente.

Um fuzileiro naval ucraniano levanta munição de uma carroceria de caminhão em Avdiivka, na Ucrânia - David Guttenfelder -19.jun.23/The New York Times

Um desses problemas é uma área vasta de campos minados que protege a linha defensiva russa, formando uma zona letal para tropas ucranianas que avançam pelas estepes abertas do sul. "Tudo está semeado de minas", disse o tenente Ashot Arutiunian, comandante de uma unidade de drones.

No final de semana, um motim de forças mercenárias em solo russo gerou esperanças na Ucrânia de que o avanço de seu exército pudesse ser um pouco facilitado. Mas a rebelião do grupo Wagner durou pouco.

Os ucranianos ainda enfrentam obstáculos que diferenciam esta campanha da rápida investida na região de Kharkiv, em setembro, e até mesmo da ofensiva mais árdua que recapturou Kherson, em novembro.

O terreno no sudeste da Rússia é formado principalmente por campos planos e abertos, contrastando com as colinas ondulantes do Donbass ou do norte, coberto de floresta. Isso priva os ucranianas de cobertura. Já os russos estão há meses em linhas extensas de trincheiras, o que dificulta o esforço de removê-los.

Além disso, helicópteros de ataque russos KA-52 vem conseguindo se esquivar da defesa antiaérea, o que também atrasa os movimentos ucranianos. Ao mesmo tempo, o poderio de Vladimir Putin vem danificando ou destruindo armamentos fornecidos pelo Ocidente. Segundo um oficial militar americano sênior, as tropas russas têm se mostrado hábeis em semear minas novamente em alguns campos que já haviam sido limpos com a ajuda de equipamentos fornecidos pelo Ocidente.

De acordo com o mesmo oficial, forças ucranianas da linha de frente estão fazendo uma pausa para reavaliar quais táticas e técnicas de remoção de minas funcionam melhor.

Um soldado ucraniano segura um drone usado para mapear e corrigir o fogo de artilharia da Ucrânia em posições russas, na região de Zaporíjia - David Guttenfelder - 18.jun.23/The New York Times

A resistência tem efeitos negativos sobre os armamentos da Ucrânia. Os EUA prometeram 113 veículos Bradley em março. Ao menos 17 deles –mais de 15%— já foram danificados ou destruídos até agora.

Esses obstáculos converteram as etapas iniciais da contraofensiva em um esforço estafante, lento e sangrento, no qual as forças ucranianas só conquistaram 6,5 km de território em seu maior avanço até agora. É menos da metade da distância que a Ucrânia precisa atravessar –ameaçada por minas terrestres e bombardeios implacáveis da artilharia russa— para alcançar as principais posições defensivas russas.

"Eles cavaram trincheiras, semearam minas, estão preparados", disse Yevhen, soldado raso de uma unidade paramilitar. Como alguns outros, fez questão de ser identificado apenas por seu primeiro nome e sua patente. "É difícil, mas não há outra opção." Apesar do progresso lento da contraofensiva, autoridades ucranianas dizem que as principais batalhas para entrar nas defesas russas estão por vir. Como a maior parte da força ucraniana ainda está sendo mantida na reserva, é cedo para avaliar o sucesso ou fracasso.

O presidente ucraniano admite o progresso lento, mas também alerta contra o que chamou de expectativas irrealistas de uma blitzkrieg (guerra-relâmpago, em alemão) cinematográfica.

"Algumas pessoas pensam que isto é um filme de Hollywood e esperam resultados já", disse Zelenski em entrevista à BBC na semana passada. "O que está em jogo são as vidas de pessoas. Vamos avançar no campo de batalha da maneira que julgarmos ser melhor."

Em Washington, funcionários do governo Biden agora recomendam paciência, apesar de manifestarem apreensão com o fato de o progresso inicial ter sido lento. Um alto funcionário descreveu como preocupantes os resultados das duas primeiras semanas. "Eles estão atrasados em relação ao previsto."

Já um oficial militar americano sênior também reconheceu que o ritmo das operações está mais lento do que o esperado. Ele acrescentou, no entanto, que isso não é imprevisto, dadas as extensas defesas russas, e avisou que não se devem tirar conclusões amplas com base nas operações iniciais.

Os dois funcionários exigiram anonimato para discutir avaliações governamentais confidenciais.

A Ucrânia quer dividir o território ocupado pela Rússia no sul em duas zonas. O objetivo é cortar as linhas de abastecimento da península da Crimeia e gerar um trampolim para lançar novos avanços. Para isso, ela precisa avançar cerca de 100 km na direção sul a partir da antiga linha de frente, onde a Ucrânia barrou os avanços da Rússia em março de 2022, na direção do Mar de Azov. As principais defesas russas ficam cerca de 70 km atrás de território fortemente defendido. Essas são as mais difíceis de atravessar.

A estratégia ucraniana tem sido de tentar penetrar, atacando em múltiplos pontos para encontrar um ponto fraco nas defesas. A Rússia, que vem se preparando para o contra-ataque há meses, procura desacelerar as tropas ucranianas com minas terrestres, artilharia e helicópteros.

O êxito da Kiev depende agora de quantos tanques, blindados e soldados ela conseguirá preservar antes de alcançar a linha defensiva russa numa batalha. Durante o inverno, a Ucrânia e aliados ocidentais treinaram e equiparam cerca de 40 mil soldados para o ataque.

Um militar ucraniano dirige um veículo de combate do tipo Bradley em uma posição perto de uma linha de frente na Zaporíjia - Serhii Nuzhnenko - 26.jun.23/Reuters

"Quanto armamento eles ainda terão disponível quando esse momento chegar?", questionou Michael Kofman, diretor de estudos da Rússia no CNA, um instituto de pesquisas na Virgínia. "Muito do que estamos vendo até agora é inconclusivo." Em dois dos três pontos de ataque, ao sul das cidades de Velika Novosilka e de Zaporíjia, a Ucrânia pouco a pouco retomou oito vilarejos. No terceiro ponto, ao sul da cidade de Orikhiv, onde o blindado Bradley atingiu uma mina, o avanço parece ter travado.

Curiosamente, a Ucrânia avançou nos dois locais onde as tropas receberam menos armas ocidentais mais novas e atolou nos lugares onde estão sendo usadas as armas mais sofisticadas –blindados americanos Bradley e tanques alemães Leopard 2. Não está claro se isso ocorre porque os equipamentos ocidentais foram enviados intencionalmente para áreas onde as defesas russas são consideradas mais robustas.

Soldados que combatem nessas áreas dizem que fatores locais podem explicar o avanço mais lento para onde foram enviadas armas ocidentais. Os vilarejos mais próximos ficam mais distantes da linha de frente. E, nos campos abertos, os bombardeios de artilharia são tão intensos que o campo de batalha "parece um queijo suíço". Foi o que disse um piloto de drone que sobrevoa a área regularmente.

Ao mesmo tempo em que moderam as expectativas, autoridades ucranianas insistem que a batalha está avançando dentro do previsto. A Ucrânia tem avançado mais rapidamente em um eixo de ataque.

Soldados que combatem ao sul da cidade de Zaporíjia disseram ter recebido ordens de avançar sem armamentos ocidentais pesados. Depois de retomar o vilarejo de Lobkove, os soldados descobriram que estão tão perto do seguinte, Piatikhatki, que conseguiam ouvir seus cães latindo. Um soldado disse que não seria difícil eles se esgueirarem até lá e retomarem a vila —o que foi feito na semana passada.

Em uma linha de canhões ucranianos, o oficial de artilharia, um tenente chamado Arseniy, enumerou os tipos de projéteis que a Ucrânia dispara: munições shrapnel para a infantaria em locais abertos, um detonador com retardo para penetrar e detonar bunkers, e granadas recheadas de folhetos explicando como se render –parte de uma operação de guerra psicológica que visa a enfraquecer o moral dos russos.

Em um amanhecer recente, depois de uma tempestade ter caído na noite anterior, artilheiros preparavam um obus de legado soviético de um tipo apelidado de Cravo. O cano girou. "Atirar!", gritou um soldado. A arma soltou um estrondo. Folhas caíram esvoaçando das árvores próximas.

Alguns minutos mais tarde, uma unidade de inteligência enviou à equipe de artilharia um comunicado por walkie-talkie interceptado. "Provavelmente dois mortos", disse o comandante russo. Os soldados estavam animados. "Isso é nosso dia normal de trabalho, o objetivo é destruir o máximo possível", falou Arseniy.

Sobre a contraofensiva, que ele enxerga por meio do vaivém de ordens para disparar a arma, ele comentou: "Mesmo que as coisas não saiam conforme o planejado, isso também está no nosso plano".

Tradução de Clara Allain

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