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Assassinato de Villavicencio foi um complô contra a esquerda, diz Rafael Correa

Para ex-presidente do Equador, crime tem envolvimento da polícia e possivelmente da CIA para favorecer direita na eleição

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São Paulo

Ex-presidente do Equador entre 2007 e 2017 e figura central na eleição marcada para o próximo domingo (20), Rafael Correa, 60, afirma que o assassinato do candidato Fernando Villavicencio, no último dia 9, é um complô para prejudicar a vitória de sua aliada na disputa presidencial, Luisa González.

"Há uma campanha nas redes culpando-nos pela morte. Quem ganha com isso é a extrema direita, pois sabiam que íamos vencer no primeiro turno, e isso nos tirou pontos nas pesquisas", diz Correa à Folha .

O ex-presidente do Equador Rafael Correa, durante entrevista, em São Paulo
O ex-presidente do Equador Rafael Correa, durante entrevista, em São Paulo - Danilo Verpa - 30.mar.23/Folhapress

Villavicencio era um crítico do ex-presidente e chegou a ter a casa invadida pela polícia durante o governo de Correa, que afirma, no entanto, ter sempre respeitado a lei ao lidar com o candidato hoje morto.

Correa está no México, de onde acompanha a eleição no Equador. Ele não pode retornar ao país sob o risco de ser preso, devido a uma condenação por corrupção. A eventual vitória da aliada, diz ele, não teria impacto sobre uma eventual reversão da decisão judicial, que, segundo ele, virá "mais cedo que tarde".

Qual o impacto do assassinato de Villavicencio na campanha?
É um crime claramente político. Basta analisar como o entregaram aos assassinos. Ele estava sob proteção policial, era alvo de várias ameaças de morte. E o colocam dentro de uma camionete sem motorista, desligada, que não era seu carro. Ele havia chegado em um carro blindado, já havia se comunicado com seus guarda-costas, que esperavam que ele saísse pela porta de trás [do prédio onde estava], como era o protocolo de segurança. Mas o retiram pela porta da frente, em uma rua muito movimentada. Como se explica isso? Entregaram-no à morte porque é um complô, uma conspiração política, com envolvimento da polícia. Ele estava em quarto ou quinto nas pesquisas, não ia ganhar nunca, então era mais útil morto do que vivo. E para nos prejudicar, já que somos seus arquirrivais políticos.

Agora há uma campanha brutal nas redes culpando-nos pela morte. Quem ganha com isso é a extrema direita, pois sabiam que íamos vencer no primeiro turno, e isso nos tirou pontos nas pesquisas.

O Equador corre risco de se tornar um Estado falido?
Pode haver vinculação de narcotráfico [no crime], e não excluo a participação da CIA [a agência de inteligência dos EUA]. Villavicencio trabalhou para a CIA, e a CIA quer evitar que nós ganhemos. Sobre ser um Estado falido, a resposta, lamentavelmente, é sim. O crime organizado está infiltrado no Estado.

Villavicencio era um crítico do sr., chamou seu governo de corrupto e autoritário. A casa dele foi invadida pela polícia em 2013, no período em que o sr. era presidente. Como descreve sua relação com ele?
Villavicencio era meu inimigo político, me caluniava. Tinha apoio na Promotoria, nos meios de comunicação, e podia destroçar a reputação das pessoas. Mesmo se alguém morre em um acidente, a natural empatia das pessoas com a vítima faz com que se gere também uma aversão a seus adversários. Pior ainda se é um crime brutal. Mas como nosso governo respondia [às acusações dele]? Com a lei na mão, numa sociedade civilizada. Jamais houve risco à sua integridade física. Agora, mataram-no.

Seu governo é acusado de ter perseguido jornalistas também.
Vemos jornalistas que diziam não haver liberdade de expressão no meu governo, mas quando tiveram de usar colete à prova de balas? Agora eles têm de fugir do país por ameaças. Agora há atentados contra a liberdade de imprensa. Essa acusação é injusta. Como me criticavam se não havia liberdade de imprensa?

Muitos dizem que, se sua candidata, Luisa González, vencer, o sr. é quem vai governar dos bastidores.
Nós fazemos um trabalho de equipe, somos um projeto político, não somos aventureiros. Ela é quem conduzirá o governo. Claro, como ex-presidente de um governo muito exitoso, algo terei a dizer.

O sr. vai influenciar o governo, indicar ministros?
De maneira alguma, mas, conhecendo a Luisa, ela vai me consultar sobre muitas coisas. Se eu puder ser útil, posso ajudar.

A vitória dela ajudaria na aprovação de uma anistia que o permita voltar ao Equador?
Não quero ser soberbo, mas não necessito disso. Estamos destroçando as acusações. Estamos ganhando tudo. Sem dúvida isso será derrubado mais cedo que tarde. Foi pura perseguição política.

Com que forças políticas ela governaria? Pode adotar o modelo Lula, atraindo centro e até centro-direita?
Se tiver que ser feito um governo de unidade nacional, bem-vindos a todos que queiram se unir para resgatar o país. Mas não a qualquer custo. Sem passar linhas vermelhas, sem sacrificar os pontos fundamentais. Será impossível levar adiante o país com os que causaram esta tragédia nacional.

Fala-se muito na "bukelização" da América Latina. O que o sr. pensa da política linha-dura de Nayib Bukele em El Salvador? Ela pode vingar num país violento como o Equador?
Não compartilho de suas práticas, mas temos que reconhecer algum mérito em Bukele. Sim, creio que pode haver essa tendência. A direita é especialista em criar problemas para vender soluções. Frente à exasperação do povo com o terror no Equador, as pessoas buscam soluções. [O candidato direitista Jan] Topic diz que a solução é portar armas ou mandar os criminosos para a selva. Não precisamos ir por aí. Respeitando os direitos humanos, com uma visão de segurança integral, já fizemos do Equador o segundo país mais seguro da América Latina.

O sr. se preocupa com uma vitória de Javier Milei na Argentina?
Um palhaço como Milei quebra a Argentina em três meses. O apoio que ele recebeu nas primárias não é um voto para ele. É um voto contra o sistema, contra os partidos tradicionais, uma advertência dos eleitores de que estão cansados do fracasso, da hiperinflação. Mas acho que isso vai mudar nas eleições definitivas.

No domingo haverá também um referendo sobre a exploração de petróleo no parque Yasuni. Como o sr. se posiciona? Como vê a defesa do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de encerrar a exploração de petróleo na região?
Que Petro pare primeiro, então [risos]. Estamos de acordo em mudar o modelo, mas isso não significa parar com o petróleo, fechar as minas. Mas mobilizar esses recursos para desenvolver setores como turismo, indústria de tecnologia e, sobretudo, a sociedade do conhecimento: ciência, talento humano.

A consulta é uma armadilha para nos prejudicar, porque autorizei o início da exploração de Yasuni. Minha posição é votar não [à proibição da exploração], mas liberamos a militância. Colocar a questão como selva ou petróleo não é real. São 250 hectares que já tiveram intervenção entre 1 milhão de hectares. É como gastar US$ 0,25 de US$ 1.000 para obter milhares de dólares. Temos de conservar a selva, e estamos conservando 99,99% dela, mas precisamos de recursos para que nossas crianças não morram de diarreia.


Raio-X | Rafael Correa, 60

Presidente do Equador de 2007 a 2017, foi ministro da Economia (2005), professor de economia na Universidade São Francisco de Quito e diretor do Ministério da Educação. É graduado em economia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), com mestrado e doutorado pela Universidade de Illinois (EUA).

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