Portugal oferece casa e salário de R$ 15 mil para atrair médicos brasileiros

Contratos serão de três anos; profissionais dizem que rendimento é baixo diante do alto custo de vida

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Alexandra Campos
Público

O recrutamento de médicos estrangeiros para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de Portugal já começou.

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) quer incentivar médicos brasileiros a trabalhar em centros de saúde nas regiões com maior carência de médicos de família, oferecendo-lhes um salário de € 2.863 (R$ 15 mil) por mês, além de € 6 (R$ 32) diários de subsídio de refeição, acrescidos de moradia fornecida pelo governo do local para onde forem contratados.

No aviso que está sendo divulgado no Brasil e ao qual o Público teve acesso, a ACSS especifica que "o Ministério da Saúde está interessado em recrutar médicos para cuidados de saúde primários", oferecendo-lhes contratos de três anos em centros de saúde das regiões de Lisboa, Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

A carga horária será de 40 horas semanais (com a possibilidade de concentrar o trabalho em quatro dias), e eles terão direito a 22 dias úteis de férias. Os candidatos terão "um período de integração com apoio de um médico do serviço".

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, recebe Luiz Inácio Lula da Silva no Mosteiro dos Jerônimos em Lisboa - Patricia de Melo Moreira - 22.abr.23/AFP

Mas esses médicos devem obedecer aos seguintes requisitos: ter "o reconhecimento de qualificações estrangeiras" em Portugal e, "preferencialmente, um mínimo de cinco anos de experiência como médico". O envio da candidatura deve ser feito para o endereço recrutamento.medicos@acss.min-saude.pt.

O aviso está sendo divulgado por meio de universidades brasileiras, acrescentando que o anúncio está sendo replicado a ex-alunos e a funcionários de hospitais ligados às instituições.

Este não é um concurso de recrutamento, mas uma manifestação de interesse a potenciais candidatos que reúnam as condições de atuar em Portugal, segundo uma fonte do Ministério da Saúde, sublinhando que a ideia é contratar médicos não especialistas em medicina geral e familiar para atender cidadãos que não têm médico de família atribuído em Portugal —ou seja, mais de 1,6 milhão de pessoas, em julho.

Sem adiantar detalhes, a ACSS admite apenas que "desenvolve os modelos de contratação relativos ao recrutamento de médicos no estrangeiro" e que o anúncio consiste em uma súmula que "ainda está sendo desenvolvida", por meio da qual são "testadas as condições que poderão a vir a ser oferecidas".

Quanto à remuneração proposta, explica que "tem como referência a prestação de serviços médicos em atendimento em cuidados de saúde primários, para um horário semanal de 40 horas". Enfatiza ainda que este "é um processo de contratação de natureza transitória, que visa a facilitar o acesso regular das populações a cuidados médicos, enquanto decorre o processo de formação dos necessários especialistas em Medicina Geral e Familiar e a generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B".

Sindicatos contestam

Por esses valores, dificilmente haverá interessados em ir a Portugal, diz um médico brasileiro, lembrando que, com os descontos, a remuneração mensal oferecida baixa substancialmente —para pouco mais de € 1.800 líquidos (R$ 9.800) —e que a média salarial praticada no Brasil, apesar de variar muito de região para região, é mais elevada.

Por que o governo não dá casa também aos profissionais formados em Portugal?, questionam dirigentes das duas estruturas sindicais que representam os médicos e que têm convocado várias greves como forma de protesto pela não resposta às suas reivindicações de melhores condições de trabalho e salários.

"Vamos reivindicar moradias para os jovens especialistas na próxima reunião com os representantes do Ministério da Saúde", afirma Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), lembrando que, em Lisboa, isso representa "mais € 1.000 por mês" (R$ 5.400).

"Infelizmente, o governo, em vez de fazer a sua obrigação, que é atrair médicos portugueses para o SNS, pretende contratar profissionais estrangeiros que, naturalmente, serão médicos assistentes dos governantes e dos seus familiares e assessores", ironiza. Frisando que a remuneração mensal agora oferecida aos brasileiros é semelhante à auferida pelos médicos especialistas no primeiro escalão em Portugal, Roque da Cunha lembra que "os especialistas portugueses não têm direito à moradia".

Na mesma linha, a presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, quer saber o motivo pelo qual os médicos portugueses não ganham residência. Ela defende que essas medidas constituem "uma falta de respeito pelos profissionais formados em Portugal".

"É com estranheza que vemos este tipo de anúncio. Não há falta de médicos em Portugal, há falta de médicos no SNS. Temos cerca de 60 mil médicos inscritos na Ordem dos Médicos, mas só 31 mil estão no SNS. Isso só revela o desespero do Ministério da Saúde, que não consegue contratar para o SNS. Mas há soluções: o governo tem que investir nas condições de trabalho e na melhoria dos salários dos médicos que se formam em Portugal", reclama.

Esta tentativa de recrutamento de médicos no Brasil avançou ainda antes de ter sido publicado o decreto-lei —aprovado no início de julho em Conselho de Ministros— que prevê um regime excepcional para o reconhecimento automático dos graus acadêmicos que visa a agilizar o recrutamento de estrangeiros para reforço do Serviço Nacional.

O Ministro da Saúde de Portugal, Manuel Pizarro, celebra acordo com a ministra Carolina Darias, da Espanha, em encontro nas ilhas Canárias - Desiree Martin - 15.mar.23/AFP

Previsto para vigorar até o final de 2026, esse regime vai simplificar e acelerar o demorado e complicado processo de reconhecimento das habilitações pelo qual os médicos de países não comunitários são obrigados a passar antes de se inscreverem na Ordem dos Médicos e começarem a atuar. Para revalidar o diploma numa das oito faculdades de medicina portuguesas, eles têm que se submeter a várias provas.

Apesar de sublinhar que ainda "não há nenhuma decisão sobre os contingentes de médicos estrangeiros" que o governo tem intenção de contratar para centros de saúde mais necessitados, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, esclareceu na comissão parlamentar de saúde que o número rondará entre "duas a três centenas" e que os profissionais serão recrutados em "vários países da América Latina".

O ministro tem repetido que o objetivo do decreto-lei é trazer para os cuidados de saúde primários, de regiões como o Alentejo, o Algarve e Lisboa e Vale do Tejo, profissionais que possam ajudar a suprir temporariamente a falta de médicos de família, assegurando "consultas abertas nos centros de saúde".

Quanto às nacionalidades, Pizarro explicou que o Estado português "não pode" buscar médicos em países onde há falta desses profissionais, prevendo que só deverá ser possível recrutar em "Cuba, Colômbia e mais alguns da América Latina". O ministro, que foi buscar médicos no Uruguai e em Cuba em 2008 e 2009, quando era secretário de Estado da Saúde, tem insistido que a questão não é novidade. Ele recorda que gestões anteriores recrutaram clínicos não só nesses países mas também em Colômbia e Costa Rica.

O problema da falta de médicos de família tem se agravado nos últimos anos porque está a ocorrer um elevado número de aposentadorias de especialistas em medicina geral e familiar e porque uma parte dos novos especialistas prefere não ocupar as vagas abertas nas regiões mais carentes.

Além disso, com a chegada de imigrantes a Portugal, tem crescido o número de inscritos no SNS. A conjugação desses fatores faz com que o total de cidadãos sem médico de família continue a aumentar e que se tenha tornado de novo comum a acumulação de filas, de madrugada, em vários centros de saúde.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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