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Papa encerra viagem à Mongólia com aceno à China

Regime chinês diz que adotou 'atitude positiva' para a melhora das relações com o Vaticano após acenos do pontífice

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São Paulo

O papa Francisco, 86, encerrou nesta segunda-feira (4) sua visita de quatro dias à Mongólia com recados à vizinha China, que não mantém relações diplomáticas com o Vaticano.

Em nota, a chancelaria chinesa disse que Pequim adotará "atitudes positivas" para a melhora das relações com o Vaticano. O comunicado foi divulgado após uma série de acenos do pontífice ao regime chinês.

Papa cumprimenta a ministra das Relações Exteriores da Mongólia, Batmunkh Battsetseg, em cerimônia de despedida no aeroporto
Papa cumprimenta a ministra das Relações Exteriores da Mongólia, Batmunkh Battsetseg, em cerimônia de despedida no aeroporto - Mídia do Vaticano/­Divulgação via Reuters

Francisco disse neste domingo (3) que a China tem um "povo nobre" e pediu aos católicos daquele país que sejam "bons cristãos e bons cidadãos". Os comentários não estavam previstos no discurso oficial e, na visão de analistas, soaram como tentativa de aliviar as tensões com Pequim.

A relação entre a China e o Vaticano havia se deteriorado nos últimos meses após o regime nomear o bispo de Xangai sem o aval de Francisco. A ação desrespeitou um pacto firmado em 2018, segundo o qual todas as indicações de bispos e padres na China tinham de ser reconhecidas pelo papa.

Antes, no sábado (2), Francisco já havia dado recados indiretos à China. O pontífice disse que os governos não devem temer o trabalho da Igreja Católica porque a instituição não tem uma agenda política. "[A igreja] é sustentada pelo poder silencioso da graça de Deus e por uma mensagem de misericórdia e verdade, que busca promover o bem", afirmou em discurso a bispos, padres e trabalhadores pastorais.

A Constituição da China prevê a liberdade religiosa, mas, nos últimos anos, o regime tem seguido uma política de "sinização" da religião, tentando erradicar as influências estrangeiras e impor a obediência ao Partido Comunista. Pequim desconfia de organizações internacionais, incluindo religiosas, as quais vê como ameaça a sua autoridade.

Oficialmente a viagem do papa teve o objetivo de expressar apoio à pequena comunidade católica da Mongólia, de maioria budista —são apenas 1.450 católicos em uma população de mais de 3,3 milhões de pessoas. A visita, porém, foi considerada crucial para as relações do Vaticano com Pequim e Moscou, capitais para as quais o papa não foi convidado desde o início da Guerra da Ucrânia.

Francisco é crítico do conflito em curso no Leste Europeu desde fevereiro de 2022. A China é a principal aliada da Rússia e nunca condenou publicamente a ofensiva de Vladimir Putin contra o vizinho. Já a Mongólia faz fronteira e mantém relações comerciais com os dois países.

Durante o voo de nove horas à nação asiática, Francisco enviou mensagens com "orações e bons desejos" ao líder chinês, Xi Jinping. O ato, de acordo com o Vaticano, seguiu a tradição de agradecer aos países sobrevoados pelo avião papal.

Vários católicos chineses viajaram à Mongólia para ver o pontífice. Nesta segunda, um grupo cantou mensagens em mandarim para Francisco. Uma mulher chinesa que não quis se identificar por razões de segurança disse à agência AFP que enfrentou dificuldades durante a peregrinação. Segundo ela, duas pessoas que estavam na excursão foram detidas na China sem motivos aparentes. "Tenho vergonha de exibir a bandeira da China", disse. "Mas tenho de fazer isto e mostrar para o papa como é difícil para nós."

Em seu último compromisso em território mongol, o papa participou da inauguração da Casa da Misericórdia, que irá prestar cuidados de saúde a pessoas em situação de rua, vítimas de violência doméstica e migrantes.

"O verdadeiro progresso de uma nação não é medido pela riqueza econômica, muito menos pelo investimento no poder ilusório dos armamentos, mas pela capacidade de proporcionar a saúde, educação e o desenvolvimento integral do seu povo", disse Francisco, em outro recado indireto à China e à Rússia.

Na volta, o papa disse que as relações entre o Vaticano e a China são "muito respeitosas", mas que as partes devem "ir mais longe" para que haja entendimento mútuo. "E para que os cidadãos chineses não pensem que a Igreja não aceita a sua cultura e seus valores", disse ele.

Ainda durante o retorno da viagem, o pontífice buscou esclarecer recente declaração sua que afirma ter sido mal-interpretada. Durante reunião virtual com jovens católicos da Rússia no final de agosto, o argentino se referiu ao czar Pedro 1º e à imperatriz Catarina 2ª, figuras que lideraram expansões territoriais, para dizer que a população local era herdeira de um "grande império".

Críticos caracterizaram a declaração como de cunho imperialista —notadamente no período atual, com a invasão russa da Ucrânia. Nesta segunda-feira, o papa disse que essa talvez não tenha sido "a melhor maneira de expor a questão". "Ao falar da 'grande Rússia', estava pensando menos geograficamente e mais culturalmente."

"Foi um comentário improvisado que me veio à mente", seguiu. "A cultura russa é tão bela e profunda. Não deveria ser cancelada por causa de problemas políticos."

A viagem à Mongólia foi a 43ª ao longo de dez anos de papado. Ao desembarcar em Roma, Francisco disse que viajar já não é uma tarefa "tão fácil" quanto antes. "Há limitações para caminhar", afirmou o pontífice, que sofre de dores no joelho, em uma cadeira de rodas.

Em junho, o papa ficou nove dias internado devido a uma cirurgia na região abdominal. A operação gerou preocupações sobre as condições de saúde de Francisco, que tem tido problemas frequentes. A hospitalização ainda trouxe à tona outra vez especulações sobre uma possível renúncia do argentino por razões de saúde após o precedente histórico estabelecido por seu antecessor, Bento 16 —papa emérito por quase uma década e morto no final do ano passado aos 95 anos.

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