Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Bolsonaristas usam redes para organizar lista de professores que acusam de ser pró-Hamas

Pesquisadores relatam circulação de formulário para identificar acadêmicos que, para a ultradireita, apoiariam terroristas

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São Paulo

Desde os ataques do Hamas a Israel, militantes de direita vêm se articulando na internet para associar a esquerda ao grupo terrorista. Agora, professores universitários viraram seus alvos. Desde a quarta-feira (10), grupos de mensagens e perfis bolsonaristas vêm trabalhando para compor uma lista de acadêmicos que eles acusam de apoiar os extremistas palestinos.

Fumaça depois de ataque israelense à Faixa de Gaza nesta quarta-feira (11)
Fumaça depois de ataque israelense à Faixa de Gaza na quarta-feira (11) - Xinhua/Khaled Omar

O bolsonaristas circulam um formulário em que pedem nome, instituição de ensino e link do currículo Lattes, além de imagens e arquivos associados a professores.

O movimento foi identificado por pesquisadores que acompanham a direita radical nas redes e se aprofundou depois da quarta-feira, quando um debate no Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio resultou em uma discussão entre professores e alunos.

Na ocasião, o historiador e professor da UFRJ Michel Gherman, autor de "O Não Judeu Judeu" (ed. Fósforo), chegou a deixar o encontro, acusando alguns estudantes de promoverem uma tentativa de silenciamento e de assassinato de reputação contra ele. "Não é possível acusar um professor judeu e sionista de apoiar o Hamas", afirma.

Tanto o nome dele quanto o da professora Mônica Herz, mediadora do debate, têm circulado em redes bolsonaristas como apoiadores dos terroristas —o que eles não são.

"Em algum momento eu falo sobre a necessidade de se criar um Estado palestino. E, para a gramática bolsonarista, falar isso é apoiar o Hamas", diz Gherman, que classifica as ações do grupo como terroristas. "Eles nos acusam do que nos deixa ofendidos, até que um de nós explode. Aí eles dizem que não respeitamos a fala deles. É quase um manual da guerra bolsonarista contra a liberdade acadêmica."

Ele afirma ainda acreditar que a ação dos estudantes da PUC foi planejada previamente. Um vídeo do debate publicado nas redes sociais mostra um instante posterior à saída do professor da sala. Então, a estudante de direito Gabriela Sznajderman, 20, pega o microfone para criticar as falas de Gherman e dizer que ele não representava os alunos judeus presentes.

A essa altura, ela é interrompida por Mônica Herz, que diz que o historiador não foi lá para representar ninguém e exige que a aluna fizesse uma pergunta.

"O que nos desagradou, entre muitas falas, foi a relativização dos ataques do grupo terrorista Hamas e a referência aos atentados como uma 'resposta' por um dos professores", diz Sznajderman, em referência a Gherman, acusando o debate de não ter pluralidade de ideias.

A universitária afirma ter ido ao evento apenas como estudante, não como parte de nenhuma organização, e que os alunos não planejaram nenhum embate prévio com Gherman. "Não interrompemos os professores, esperamos nossa vez por uma hora e pedimos educadamente um espaço", diz.

"Ninguém fez nenhuma defesa do Hamas, pelo contrário, há uma indignação de todos com a operação [contra Israel]. Sou judia e morei em Israel, tenho uma relação afetiva com o país", afirma Mônica Herz. "O que houve foi uma tentativa de silenciar esse tipo de visão que busca entender o conflito em um contexto mais amplo, com referências humanistas."

Um dos pesquisadores que notou a articulação de perfis de direita depois do episódio é o antropólogo David Nemer, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Ele diz ter notificado o Ministério da Justiça sobre a existência da lista de docentes.

"A tática da lista é perigosa porque já foi usada antes, o que fez professores virarem alvo em todo o Brasil, especialmente fora dos grandes centros", diz ele. "É preocupante, porque coloca a segurança do professor em risco. Eles tentam criar uma confusão conceitual para dizer que todo mundo na esquerda apoia terroristas."

O movimento também fez soar o alerta no Núcleo de Estudos Judaicos da UFRJ. Lá os pesquisadores têm monitorado a conversa nas redes —especialmente no X, o antigo Twitter— e já cruzaram com mensagens com ameaças contra Gherman. Eles também vêm notando a circulação de vídeos editados da palestra tanto em grupos da PUC-Rio quanto da comunidade judaica.

"A macabra lista de acadêmicos é uma tentativa da extrema direita de impor uma dissonância cognitiva, dizendo que há pessoas que apoiam o Hamas na academia brasileira", afirma Gherman. "A acusação de que sou um apoiador deles coloca minha família e a mim em risco."

Não é só no Brasil que a guerra tem mobilizado círculos acadêmicos. Nos EUA, alunos de instituições de ensino prestigiosas divulgaram textos em que alegam que os ataques conduzidos pelo grupo terrorista Hamas a Israel no fim de semana são atos legítimos da resistência palestina contra os anos de ocupação em seu território.

Um grupo de estudantes de Harvard, por exemplo, publicou no fim de semana um comunicado em que afirma que o governo israelense foi "completamente responsável" pela violência que acometeu o país.

Na Universidade de Nova York, a NYU, Ryna Workman, presidente da associação estudantil da escola de direito, escreveu em um boletim informativo da entidade que se recusava a condenar os palestinos, porque, segundo ela, foi o regime de violência promovida pelo Estado de Israel que criou "as condições que tornaram a resistência necessária".

Ambos os comunicados geraram ampla repercussão, dentro e fora da comunidade judaica americana. No caso de Harvard, por exemplo, o bilionário Bill Ackman afirmou que vários colegas empresários pediram uma lista dos signatários da carta para que os alunos sejam impedidos de trabalhar em suas organizações no futuro.

O ex-reitor da universidade Lawrence H. Summers, por sua vez, criticou a gestão atual da universidade por não repudiar o texto imediatamente em entrevista ao jornal The New York Times. Ele acrescentou, porém, que acreditava que punir os signatários individualmente era problemático.

Enquanto isso, Workman, da NYU, perdeu uma oferta de emprego de uma famosa firma de advocacia.

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