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Candidato presidencial do Equador é dono de empresas em paraíso fiscal

Documentos dos Pandora Papers mostram que Daniel Noboa herdou do pai empresas no Panamá; campanha não comenta

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Claudia Jardim
São Paulo

O candidato presidencial do Equador Daniel Noboa, 35, que aparece à frente na maioria das pesquisas para o segundo turno das eleições deste domingo (15), controla ao menos duas empresas offshore no Panamá. Ele também é o beneficiário direto de uma série de fundações que estão em nome de seu pai, o magnata bananeiro e ex-candidato presidencial Álvaro Noboa Pontón.

A lei equatoriana proíbe pessoas que disputam um cargo de eleição popular de manter bens ou capitais em paraísos fiscais.

De acordo com documentos filtrados por meio da investigação Pandora Papers, do Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ, na sigla em inglês), aos quais a Folha teve acesso, Daniel Noboa e um de seus irmãos aparecem como os principais beneficiários e proprietários da Lanfranco Holdings S.A, com sede no Panamá e uma das maiores entidades do conglomerado da família Noboa.

Daniel Noboa (centro), candidato à Presidência do Equador, durante comício final antes do segundo turno das eleições; ele e pessoas ao seu redor estão usando coletes à prova de balas
Daniel Noboa (centro), candidato à Presidência do Equador, durante comício final antes do segundo turno das eleições; ele e pessoas ao seu redor estão usando coletes à prova de balas - Marcos Pin/AFP

"Confirmamos que os beneficiários finais da sociedade acima referida são meus filhos Daniel Roy Gilchristi Noboa Azin e Johnsebastian Maximilian Noboa Azín, já que estou deixando a sociedade para eles, sem que eles tenham conhecimento expresso disso no momento", diz um dos documentos com data de 10 de junho de 2015, endereçado por Álvaro Noboa Ponton ao escritório de advogados Alemán, Cordero, Galindo & Lee (Alcogal), com sede no Panamá.

De acordo com dados da Superintendência de Companhias, Valores e Seguros do governo equatoriano, a Lanfranco transferiu recursos equivalentes a US$ 257 mil (R$ 1,3 milhão) a pelo menos duas empresas do Grupo Noboa, no Equador. Entre os acionistas da Lanfranco estão a fundação Briscor, também com sede no Panamá, da qual Daniel Noboa também aparece como beneficiário direto.

Procurada, a campanha do candidato disse que ele não comentaria o conteúdo da reportagem.

Os documentos mostram que a fundação Briscor é controlada pelo pai do candidato, Álvaro Noboa, tendo seus filhos, incluindo Daniel Noboa, como beneficiários em caso de morte do patriarca. No entanto, uma das cláusulas do documento constitutivo da Briscor, registrados em cartório no Panamá, afirma que a fundação é para "manutenção e outros fins similares de membros da família" Noboa, o que legalmente permitiria ao candidato ter acesso aos ativos.

Daniel Noboa também é mencionado em outro documento dos Pandora Papers como o responsável pela conta bancária da empresa Festil Investments S.A, também com sede no Panamá. Os papéis a que a Folha teve acesso mostram que a conta da empresa está no banco Banisi, controlado pelo atual presidente equatoriano, Guillermo Lasso. Em 2021, os Pandora Papers mostraram que Lasso teve vínculos com mais de dez companhias offshore no Panamá. Naquele mesmo ano, o presidente passou a ser investigado pela Controladoria e pelo Parlamento equatorianos, que buscavam indícios de que ele mantinha bens em paraísos fiscais quando se candidatou à Presidência. Meses depois, o processo foi arquivado por falta de provas.

Noboa, por sua vez, já havia aparecido como beneficiário direto das fundações panamenhas Heckfied International e Danford em uma investigação dos Pandora Papers publicada pelo jornal El Universo, em julho. À época, Noboa disse não ter conhecimento. "Não sei em detalhes, mas você pode entrevistar meu pai para perguntar os detalhes das coisas dele, mas não sou beneficiário dessas empresas ou dessas fundações", afirmou. No entanto, a Folha obteve o documento referente a ambas as fundações e nele aparecem a assinatura de Daniel Noboa e a descrição de "cliente real-dono real", seguida por seu nome.

No Equador, de acordo com a Receita Federal, 50% do capital dos grandes contribuintes vêm do exterior; deste total, 70% são triangulados em paraísos fiscais.

Noboa entrou na corrida presidencial em maio, quando Lasso acionou um dispositivo constitucional conhecido como "morte cruzada", que dissolve o Parlamento e convoca eleições gerais, após ameaças de impeachment.

Até então, a participação política de Noboa estava limitada ao Parlamento, onde fazia oposição ao atual presidente. No início da campanha, a probabilidade de o empresário avançar na corrida presidencial eram quase nulas. Aparecia em sétimo lugar nas intenções de voto, com somente 4% de apoio entre os equatorianos. No entanto, surpreendeu e conquistou 23% no primeiro turno. Em uma campanha marcada pela violência, analistas consideram que o impacto do assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio, em agosto, e seu bom desempenho em um único debate presidencial teriam catapultado o empresário ao segundo turno.

Noboa dá continuidade às aspirações políticas do pai, candidato presidencial por cinco vezes e que nunca ocupou a cadeira do Palácio de Carondelet, em Quito.

O Grupo Noboa é um conglomerado multinacional de exportação de bananas, com empresas e propriedades dentro e fora do Equador.

Empresário, formado pela Universidade Harvard, Daniel Noboa ocupou vários cargos na empresa do pai e chegou a ter um assento no conselho de administração da empresa. No entanto, ao longo da campanha, disse não ter mais papel ativo nos negócios da família.

Congressista eleito em 2021, sua última declaração patrimonial, de maio deste ano, foi de menos de US$ 700 mil (R$ 3,5 milhões), uma casa de US$ 1,5 milhão (R$ 7,5 milhões), um empréstimo habitacional de US$ 800 mil (R$ 4 milhões) e algumas ações. Valores pouco significativos por se tratar do filho de um dos homens mais ricos do país. Ele declarou ter tirado mais de US$ 190 mil (R$ 950 mil) do próprio bolso para financiar a própria campanha, quase a metade do total arrecadado por seu partido para impulsionar sua candidatura.

Numa disputa acirrada, os equatorianos decidirão entre dois projetos políticos opostos: de um lado Noboa, um liberal com propostas de mão dura para combater a criminalidade, e de outro a candidata de esquerda Luisa González, que pretende reviver o movimento político Revolução Cidadã, do ex-presidente Rafael Correa.

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