Descrição de chapéu The New York Times terrorismo

Falhas de segurança de Israel por anos levaram aos ataques do Hamas

Governo ignorou avisos e subestimou facção, deixando de monitorar comunicação por rádio de terroristas; na madrugada do dia 7, invasão foi confundida com exercício noturno

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Romen Bergman Mark Mazzetti Maria Abi-Habib
The New York Times

Eram 3h do dia 7 de outubro, e Ronen Bar, chefe do Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel, ainda não conseguia determinar se o que estava vendo era apenas mais um exercício militar do Hamas.

Na sede do Shin Bet, os oficiais passaram horas monitorando a atividade da facção terrorista na Faixa de Gaza, que estava incomumente ativa para aquele horário. Os oficiais de inteligência e segurança nacional de Israel, que haviam se convencido de que o Hamas não tinha interesse em entrar em guerra, inicialmente presumiram que fosse apenas um exercício noturno.

O general Aharon Haliva, chefe da Diretoria de Inteligência Militar das Forças de Defesa de Israel, em uma base militar em Tel Aviv
O general Aharon Haliva, chefe da Diretoria de Inteligência Militar das Forças de Defesa de Israel, em uma base militar em Tel Aviv - Dan Balilty/The New York Times

A avaliação poderia ter sido diferente se eles estivessem ouvindo a comunicação nos rádios portáteis dos integrantes do Hamas. Mas a unidade de inteligência 8200 havia parado de interceptar essas redes um ano antes por considerar que era um esforço inútil.

À medida que as horas passavam, Bar pensou que o Hamas pudesse tentar um ataque em pequena escala. Ele discutiu suas preocupações com os principais generais de Israel e ordenou que a equipe "Tequila"— um grupo de forças de contraterrorismo de elite — se deslocasse para a fronteira sul de Israel.

Até quase o início do ataque, ninguém acreditava que a situação fosse séria o suficiente para acordar o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, de acordo com três oficiais de Defesa israelenses.

Em questão de horas, as tropas da Tequila se envolveram em uma batalha com milhares de combatentes do Hamas que penetraram a famosa cerca da fronteira de Israel, avançaram em caminhões e motocicletas pelo sul e atacaram vias e bases militares.

A força militar mais poderosa do Oriente Médio não apenas subestimou completamente a magnitude do ataque, mas também falhou totalmente em seus esforços de coleta de inteligência, principalmente devido à arrogância e à suposição equivocada de que o Hamas era uma ameaça contida.

Apesar da sofisticada habilidade tecnológica de Israel em espionagem, os combatentes do Hamas haviam passado por um treinamento extensivo para o ataque, praticamente indetectados por pelo menos um ano. Eles foram divididos em unidades diferentes com objetivos específicos, tinham informações meticulosas sobre as bases militares de Israel e informação sobre a disposição dos kibutzim, as comunidades que foram um dos primeiros alvos dos terroristas.

O senso de segurança outrora invencível do país fora despedaçado.

Mais de 1.400 pessoas foram mortas, incluindo muitas mulheres, crianças e idosos assassinados de forma sistemática e brutal. Centenas são mantidas como reféns ou estão desaparecidas. Israel respondeu com uma campanha de bombardeio feroz em Gaza, matando mais de 8.300 palestinos e ferindo milhares, de acordo com o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas. O Exército israelense sinalizou um ataque mais pesado em Gaza no domingo (29).

Autoridades israelenses prometeram uma investigação completa sobre o que deu errado.

Mesmo antes dessa investigação, está claro que os ataques foram possíveis devido a uma série de falhas ao longo dos últimos anos — não horas, dias ou semanas. Uma análise do New York Times, baseada em dezenas de entrevistas com autoridades israelenses, árabes, europeias e americanas, além de uma revisão de documentos do governo israelense e de evidências coletadas desde o ataque de 7 de outubro, mostra que:

  • Autoridades de segurança israelenses passaram meses tentando alertar Netanyahu de que a turbulência política causada por suas políticas internas estava enfraquecendo a segurança do país e fortalecendo os inimigos de Israel. Netanyahu continuou a promover essas políticas. Em julho, ele até se recusou a se encontrar com um general sênior que veio entregar um aviso de ameaça com base em inteligência, segundo autoridades israelenses.
  • Autoridades israelenses subestimaram a ameaça representada pelo Hamas por anos e, mais criticamente, na preparação do ataque. A avaliação oficial da inteligência militar israelense e do Conselho de Segurança Nacional desde maio de 2021 era de que o Hamas não tinha interesse em fazer um ataque a partir de Gaza que pudesse provocar uma resposta devastadora de Israel, de acordo com cinco pessoas familiarizadas com as avaliações. Em vez disso, a inteligência israelense avaliou que o Hamas estava tentando fomentar violência contra israelenses na Cisjordânia, que é controlada por seu rival, a Autoridade Nacional Palestina.
  • A crença de Netanyahu e dos principais oficiais de segurança israelenses de que o Irã e o Hezbollah, seu aliado mais poderoso, representavam a maior ameaça a Israel desviou a atenção e os recursos do combate ao Hamas. No fim de setembro, autoridades israelenses disseram ao Times que estavam preocupadas que Tel Aviv pudesse ser atacado nas próximas semanas ou meses em várias frentes por grupos milicianos apoiados pelo Irã, mas não mencionaram o Hamas iniciando uma guerra com Israel a partir da Faixa de Gaza.
  • As agências de espionagem dos EUA nos últimos anos pararam em grande parte de coletar informações sobre o Hamas, acreditando que a facção fosse uma ameaça regional que Israel estava gerenciando.

Em geral, a arrogância entre os políticos e autoridades de segurança israelenses os convenceu de que a superioridade militar e tecnológica do país em relação ao Hamas manteria o grupo terrorista sob controle. Altos funcionários assumiram a responsabilidade, mas Netanyahu não. À 1h de domingo em Israel, depois de ter sido procurado para comentar esta reportagem, ele postou uma mensagem no X que repetia comentários feitos ao Times e culpava as forças militares e de inteligência por não lhe fornecerem nenhum aviso sobre o Hamas.

"Sob nenhuma circunstância e em nenhuma fase o primeiro-ministro Netanyahu foi alertado sobre as intenções de guerra por parte do Hamas", dizia a postagem em hebraico. "Pelo contrário, a avaliação de todo o escalão de segurança, incluindo o chefe de inteligência militar e o chefe do Shin Bet, era de que o Hamas estava dissuadido e buscava um acordo."

Como resultado, Benny Gantz, membro do Gabinete de Guerra, repreendeu publicamente Netanyahu, dizendo que "liderança significa mostrar responsabilidade". Ele instou o primeiro-ministro a se retratar pela postagem. Esta foi posteriormente excluída, e Netanyahu se desculpou em uma nova publicação.

Avisos ignorados

Em 24 de julho, dois generais de alto escalão chegaram ao Knesset, o Parlamento de Israel, para entregar avisos urgentes aos legisladores, segundo três oficiais de Defesa do país.

O Knesset estava programado para dar aprovação final naquele dia a uma das tentativas de Netanyahu de limitar o poder do Judiciário de Israel —um esforço que havia convulsionado a sociedade israelense, provocado enormes protestos nas ruas e levado a uma perda grande de reservistas. Uma parte dos pilotos operacionais da Força Aérea ameaçava se recusar a se apresentar para o serviço se a legislação fosse aprovada.

Na pasta de um dos generais, Aharon Haliva, chefe da Diretoria de Inteligência Militar das Forças de Defesa de Israel, havia documentos altamente confidenciais que detalhavam a opinião de funcionários dos serviços secretos de que a turbulência política estava fortalecendo os inimigos de Israel. Um documento afirmava que os líderes do grupo que Israel chama de "eixo da resistência" — Irã, Síria, Hamas, Hezbollah e Jihad Islâmico— acreditavam que esse era um momento de fraqueza de Israel, propício para atacar.

O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, segundo um dos documentos, disse que era necessário se preparar para uma grande guerra.

Haliva estava pronto para dizer aos líderes da coalizão que a turbulência política estava criando uma oportunidade para os inimigos de Israel atacarem. Apenas dois membros do Knesset compareceram para ouvir sua apresentação.

A legislação foi aprovada de forma esmagadora.

Separadamente, o general Herzi Halevi, chefe do Estado-Maior Militar, tentou transmitir os mesmos avisos a Netanyahu. O primeiro-ministro se recusou a encontrá-lo, disseram as autoridades.

As autoridades israelenses acreditavam que o Hezbollah estivesse por trás do planejamento de um ataque coordenado contra o país, mas não um que provocasse uma guerra total.

O temor das autoridades aumentou ao longo de agosto e setembro, e Halevi tornou suas preocupações públicas.

"Devemos estar mais preparados do que nunca para um conflito militar extenso e em várias frentes", disse ele em uma cerimônia militar em 11 de setembro, poucas semanas antes do ataque.

Os aliados de Netanyahu foram à televisão israelense e condenaram Halevi por semear o pânico.

Em uma série de reuniões, o Shin Bet deu avisos semelhantes aos altos funcionários israelenses, assim como Halevi. Eventualmente, Bar também tornou suas preocupações públicas.

A invencibilidade do muro

As autoridades israelenses acreditavam firmemente que "a Barreira" —um muro de concreto reforçado de mais de 60 km de extensão acima e abaixo do solo— fecharia Gaza. Havia também um sistema de vigilância na fronteira baseado quase exclusivamente em câmeras, sensores e sistemas de "atirador-observador" operados remotamente, disseram quatro funcionários militares israelenses ao Times.

Eles acreditavam que a combinação de vigilância remota e sistemas de metralhadoras com o formidável muro tornaria quase impossível a infiltração em Israel, reduzindo assim a necessidade de um grande número de soldados serem destacados nas bases.

Mas o ataque do Hamas expôs a fragilidade dessa tecnologia. O grupo usou drones explosivos que danificaram as antenas celulares e os sistemas de disparo remoto que protegiam a cerca entre Gaza e Israel.


Com o objetivo de contornar a poderosa tecnologia de vigilância de Israel, os combatentes do Hamas também pareciam impor disciplina rigorosa no grupo para não discutir suas atividades em telefones celulares.

A facção provavelmente dividiu seus combatentes em células menores.

Em uma conversa com investigadores militares duas semanas após o ataque, soldados que sobreviveram ao ataque testemunharam que o treinamento do Hamas foi tão preciso que danificou uma fileira de câmeras e sistemas de comunicação para que "todas as nossas telas se apagassem quase no mesmo segundo". O resultado de tudo isso foi uma cegueira quase total na manhã do ataque.

Depois que os combates cessaram, soldados israelenses encontraram rádios portáteis nos corpos dos militantes do Hamas— os mesmos rádios que os oficiais de inteligência israelenses decidiram há um ano que não valia mais a pena monitorar.

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